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terça-feira, 31 de março de 2015

Economia: baixar os juros parece facil, basta a presidente decidir - Amir Khair (e PRA)

Acabo de ler, por inteiro, o artigo publicado no Estadão de ontem pelo economista aliado dos companheiros, Amir Khair.
Tudo me pareceu tão claro e cristalino (estou sendo redundante, mais uma vez), que eu fui olhar mais de perto.
E resolvi fazer umas perguntas ao autor do texto.
Claro, ele não vai me responder, mas os leitores podem, talvez, aprender como se faz um debate econômico, ainda que unilateral, como é minha mania.
Primeiro vou colocar o texto dele por inteiro, depois meus questionamentos com base em uma seleção de seus argumentos.
Quem desejar entrar no debate, sinta-se à vontade, e pode me contestar de cabo a rabo. Este blog foi feito para isto mesmo: para debate de ideias inteligentes...
Paulo Roberto de Almeida

Primeiro o artigo de Amir Khair no Estadão de 29/03/2015.


Amir Khair
O Estado de S.Paulo, 29 Março 2015 | 02h 04

Bastaram quatro anos de governo Dilma para jogar o País em série crise econômica, política e social, com risco institucional de impeachment da presidente. Como saída dessa crise, procurou-se alguém que pudesse dar credibilidade à condução da economia. Lula indicou dois pesos pesados de confiança do mercado financeiro: Henrique Meirelles e Luiz Carlos Trabuco Cappi. A escolha recaiu em Joaquim Levi, que já tinha pertencido à equipe de Palocci no primeiro mandato de Lula.
Aí veio a proposta de ajuste fiscal, considerada como ponto de partida da recuperação econômica. A aposta era que, com a credibilidade da nova equipe econômica, os empresários voltariam a investir e daí viria o crescimento econômico.
O ajuste pretendido reduz direitos das pessoas e cria tributos para aumentar a arrecadação. Com isso o governo abriu simultaneamente várias frentes de briga: com as centrais sindicais, com empresários e contribuintes, que ficariam mais tributados, e com partidos da base aliada, que sofreriam desgaste ao aprovar o ajuste. 
Para complicar, a presidente trilhou o caminho do enfrentamento ao PMDB. Resultado: está sofrendo derrotas em todas as frentes, com o Congresso aprovando aumentos sucessivos nas contas públicas. Assim, o ajuste segue prematuramente para o brejo. 
Poderia ter evitado tudo isso se seguisse outro caminho que independesse do Congresso. Vejamos.
Recuperar a questão fiscal significa reduzir a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB). Essa relação foi-se deteriorando nos últimos anos. Ao final de 2013 estava em 56,7% e no final do ano passado subiu para 63,5%, com elevação de 6,8 pontos (63,5 menos 56,7). 
A nova equipe econômica prevê, caso seja bem-sucedido o ajuste fiscal, que ao final de 2017 ela esteja em 62,5%, ou seja, apenas um ponto abaixo da ocorrida no início deste ano. Péssimo resultado. Mas por que isso? Pela simples razão de a equipe econômica manter elevada e de forma artificial a taxa de juros que incide sobre a dívida. 
Países desenvolvidos têm dívida acima de 100%, mas como praticam taxas básicas de juros próximas a zero não tem problema de perda de controle sobre a dívida. O Brasil é o país que durante vários anos, atravessando vários governos, vem operando por decisão do Banco Central com uma taxa Selic das mais altas do mundo e sem necessidade. Faz isso porque quer controlar a inflação de forma artificial, tornando baratos os produtos importados. 
O Plano Real foi mestre nisso. Jogou a taxa de juros bem alta e atraiu dólares especulativos, fazendo a paridade um dólar igual a um real. Passados mais de vinte anos, continuou essa sangria de juros na economia do País.
Fato é que um pensamento econômico dominante, conduzido com habilidade e competência por analistas ligados ao mercado financeiro, ainda consegue defender a manutenção dessa política. Esse pensamento é condizente com os lucros que o sistema financeiro extrai da atividade econômica. Quanto maior a Selic, maior o lucro bancário, o ganho dos rentistas e a perda do governo federal. O lamentável desse verdadeiro saque ao cofre público é que quem dá a chave do cofre é o próprio governo.
O retrato fiscal é bem expresso no déficit de 6,7% do PIB ocorrido em 2014, sendo que a conta de juros atingiu 6,1% do PIB e foi responsável, portanto, por 90,6% do déficit.
O esforço do governo nessa política de ajuste é conseguir um superávit entre receitas e despesas públicas sem juros de 1,2% do PIB e, pasmem, vão continuar elevando a Selic, fazendo com que atinja 13%. Como a dívida continuou crescendo, dificilmente a despesa com juros ficará abaixo de 7,5% do PIB (!) neste ano. Assim, todo o esforço fiscal de 1,2% será comido pela maior despesa com juros de 1,4% do PIB (7,5 menos 6,1).
Em 2016, a situação tende a piorar, pois a dívida deverá se avizinhar a 70% do PIB, impondo uma despesa com juros ainda mais elevada.
Além do estrago nas contas públicas, essa Selic distorce o câmbio e, com isso, está gerando rombos crescentes nas contas externas. Em 2014, bateram o recorde de US$ 91 bilhões, ou 4,2% do PIB. Para piorar ainda mais essa situação, o Banco Central, para segurar o câmbio, torrou US$ 114 bilhões (!) em swaps cambiais, o que, dada a desvalorização do real, poderá ocasionar talvez a maior perda patrimonial sofrida pelo setor público.
O estrago da Selic não para, todavia, por aí. Ao artificializar o câmbio, dificulta as exportações e reduz o poder competitivo do produtor local perante o bem importado, ou seja, transfere emprego para o exterior e trava o crescimento aqui.
O estrago ainda continua. As reservas internacionais de US$ 380 bilhões sofrem custo da Selic e são aplicadas em títulos do Tesouro americano, que rendem pouco acima de 1% ao ano. O diferencial entre essas taxas de juros da ordem de 12 pontos incide a cada ano sobre o total das reservas. Assim, o custo de carregamento dessas reservas poderá alcançar US$ 45 bilhões, ou R$ 140 bilhões por ano! Quanto dinheiro jogado fora. Haja carga tributária para tanta orgia.
A mudança imediata para colocar o País livre para crescer de forma saudável passa por colocar a Selic no lugar, ou seja, no nível da inflação de 7%. Irão cair rapidamente os juros rumo ao equilíbrio das contas públicas, o câmbio tenderá a R$ 4 por dólar e as exportações começarão a ser retomadas rumo ao equilíbrio das contas externas. Maior exportação e menor importação é uma saída para a retomada do crescimento. No entanto, não basta reduzir só a Selic.
É igualmente importante reduzir a outra anomalia que trava o crescimento: a taxa de juro cobrada pelo sistema financeiro, que é várias vezes maior que a Selic. O Brasil sempre liderou essas taxas. Atualmente estão em 110% ao ano para pessoa física e 55%ao ano para pessoa jurídica considerando todas as modalidades de crédito: bancário e comercial.
À guisa de comparação os países emergentes praticam a taxa ao consumidor no entorno de 10% ao ano. Isso explica porque o Brasil é um país caro quando confrontado com outros. E isso é pior do que inflação.
Reduzir a taxa de juro ao tomador implica em diminuir duas fontes de ganhos do sistema bancário: os ganhos de tesouraria (aplicação em títulos do governo) com a redução da Selic e redução com tabelamento das escorchantes tarifas bancárias. Sem esses dois ganhos anormais, os bancos são obrigados a se voltar para sua função principal, que é a de conceder empréstimos e aí, por ação de mercado, a competição cresce e as taxas de juros refluem.
Essas mudanças não dependem de autorização do Congresso. Podem ser feitas por simples decisão da presidente, evitando confrontos desnecessários como os que vêm ocorrendo com seu maior "aliado" o PMDB. Mas, como os bancos detêm enorme poder político, pois estão entre os três maiores financiadores de campanha nas eleições federal e estaduais, resta a esperança de que as portas que vão se fechando na economia levem ao combate correto às anomalias. Resta esperança, pois o Brasil oferece saída ao corrigir as anomalias das taxas de juros. A hora é agora. Vale conferir.

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Agora meus argumentos contrarianistas, ou interrogativos:

    Vejamos se entendi direito as propostas:

1) Pela simples razão de a equipe econômica manter elevada e de forma artificial a taxa de juros que incide sobre a dívida.
    PRA: Elevada de forma artificial? A solução então é baixar? E de forma natural?
    Mas isso já não ocorreu no início do governo Dilma, quando ela foi rebaixada, mais de três pontos? Teria sido de forma natural?
    E porque o BC voltou a aumentar os juros ainda antes de iniciado o novo governo, ainda com o ministro Mantega, e quando tudo parecia bem, segundo nos disseram na campanha?

2) Países desenvolvidos têm dívida acima de 100%, mas como praticam taxas básicas de juros próximas a zero não tem problema de perda de controle sobre a dívida.
    PRA: Certo. O Japão, aliás, tem mais de 250% de dívida pública sobre o PIB. Será que é porque nós não somos desenvolvidos como eles? Mas ainda nem chegamos a 100% como os EUA, ainda temos mais uns 30 pontos para subir. Estaria bem assim?
    Claro, quando se tem taxas de juros negativas, como no caso do Japão, e dívida pública financiada a 99,99% pela poupança doméstica fica mais fácil.
    Seria por isso então?

3) O Brasil é o país que durante vários anos, atravessando vários governos, vem operando por decisão do Banco Central com uma taxa Selic das mais altas do mundo e sem necessidade.
    PRA: Mas se é sem necessidade por que é que governos neoliberais e desenvolvimentistas mantêm essas taxas artificialmente elevadas, sem qualquer necessidade? Será que é porque eles são todos perversos, amigos dos banqueiros? Ou porque o BC é dominado pela turma da bufunfa, como diria um aliado doutrinal?
    Incompreensível, de fato...

4) Faz isso porque quer controlar a inflação de forma artificial, tornando baratos os produtos importados.
    PRA: Mas justo o governo amigo dos trabalhadores, que protege a indústria nacional, seria capaz de uma maldade dessas contra a nossa indústria?

5) Fato é que um pensamento econômico dominante, conduzido com habilidade e competência por analistas ligados ao mercado financeiro, ainda consegue defender a manutenção dessa política.
    PRA: Quer dizer que já passou o tempo da nova doutrina, a tal de Nova Matriz Econômica? Mas foi sob o seu domínio que os juros começaram a subir outra vez. Debilidade do pensamento econômico dominante? Ou o pensamento era na verdade outro? O Bresser bem que avisou...

6) Quanto maior a Selic, maior o lucro bancário, o ganho dos rentistas e a perda do governo federal. O lamentável desse verdadeiro saque ao cofre público é que quem dá a chave do cofre é o próprio governo.
    PRA: Como eu sou ingênuo: e eu que pensava que a Selic só era alta porque de outra forma o governo não conseguia encontrar tomadores para os seus títulos?! Tudo é um complô então?! Mas justo no governo dos trabalhadores?!

7) O retrato fiscal é bem expresso no déficit de 6,7% do PIB ocorrido em 2014, sendo que a conta de juros atingiu 6,1% do PIB e foi responsável, portanto, por 90,6% do déficit.
    PRA: UFA! Ainda bem. Aqui a gente se entende. Então, se não houvesse déficit não haveria essa sangria desatada, pois não? Não seria melhor, então, eliminar os déficits do governo? Se não tivesse, ele não precisaria tomar dinheiro, certo? E se não tomasse dinheiro, não pagaria tantos juros, certo? Perdi alguma coisa?

8) As reservas internacionais de US$ 380 bilhões sofrem custo da Selic e são aplicadas em títulos do Tesouro americano, que rendem pouco acima de 1% ao ano. O diferencial entre essas taxas de juros da ordem de 12 pontos incide a cada ano sobre o total das reservas. Assim, o custo de carregamento dessas reservas poderá alcançar US$ 45 bilhões, ou R$ 140 bilhões por ano! Quanto dinheiro jogado fora. Haja carga tributária para tanta orgia.
    PRA: Que exagero. Mas não eram economistas sensatos que recomendavam reservas de 3 meses de importação apenas? O governo não exagerou um pouquinho nessas reservas de mais de 1 ano e meio de importações? Será que em 3 meses não dá para negociar um empréstimo emergencial, um stand-by com o FMI, em caso de necessidade? O que impediria o Brasil de recorrer ao FMI? Algum preconceito de classe? O Palocci não aceitou isso, numa boa?

9) A mudança imediata para colocar o País livre para crescer de forma saudável passa por colocar a Selic no lugar, ou seja, no nível da inflação de 7%. Irão cair rapidamente os juros rumo ao equilíbrio das contas públicas, o câmbio tenderá a R$ 4 por dólar e as exportações começarão a ser retomadas rumo ao equilíbrio das contas externas.
    PRA: Certo, certo. Mas os juros já cairam antes, não é mesmo? E qual foi o efeito disso na inflação? Ela anda pela casa dos 6,5% certo? Se o governo precisar de colocar títulos no mercado, por causa de algum déficit não cooperativo, os banqueiros perversos vão pegar? E se não pegarem, como é que faz? Vai para o mercado externo, onde o dinheiro está baratinho? Mas esse câmbio a 4 não vai trazer mais inflação e fazer a dívida externa aumentar 50%? Que coisa, hem?

10) ... outra anomalia que trava o crescimento: a taxa de juro cobrada pelo sistema financeiro, que é várias vezes maior que a Selic. O Brasil sempre liderou essas taxas. Atualmente estão em 110% ao ano para pessoa física e 55%ao ano para pessoa jurídica considerando todas as modalidades de crédito: bancário e comercial.
    PRA: Mas se o governo já domina 40%, ou mais, do mercado de capitais no Brasil, ele não poderia começar fazendo a sua parte? Esses banqueiros públicos não são muito cooperativos… Claro, sempre tem o BNDES, mas ele só empresta para alguns, e está sempre pedindo algum ao Tesouro...

11) Sem esses dois ganhos anormais, os bancos são obrigados a se voltar para sua função principal, que é a de conceder empréstimos e aí, por ação de mercado, a competição cresce e as taxas de juros refluem.
    PRA: Não seria também recomendável abrir mais o setor? Afinal de contas, com três bancos oficiais, que dominam quase a metade do terreno, mas três ou quatro outros grandes bancos que fazem quase isso, não tem competição nenhuma, não é mesmo?
   
12) Essas mudanças não dependem de autorização do Congresso. Podem ser feitas por simples decisão da presidente,
     PRA: Ôba, então é fácil. Eu só me pergunto onde iria parar a inflação, a renda dos trabalhadores, e a competitividade das empresas…

    O mundo é complicado mesmo. Mas eu só queria entender as medidas propostas

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Paulo Roberto de Almeida

segunda-feira, 9 de abril de 2012

(Des)Industrializacao brasileira: duas visoes distintas - Affonso Celso Pastore e Amir Khair


Duas visões distintas mas até certo ponto complementares do debate sobre a desindustrialização no Brasil :
(1) Por que a indústria parou de crescer nos últimos anos ? (Affonso Celso Pastore, professor da USP e ex-presidente do BC)
(2) Estimular a industrialização (Amir Khair
 Ambos no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO de Domingo, Abril 08, 2012

Por que a indústria parou de crescer nos últimos anos?
AFFONSO CELSO PASTORE
 O ESTADO DE SÃO PAULO
Domingo, Abril 08, 2012

A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação

O setor industrial brasileiro é bastante aberto ao comércio internacional. Como câmbio real valorizado, e com os preços em dólares de produtos manufaturados exportados e importados pelo Brasil mantendo-se estáveis devido à recessão e ao baixo crescimento na Europa e EUA, crescem as importações e mantém se estagnadas as exportações brasileiras de bens de consumo. Os dois gráficos ao lado mostram que enquanto os índices de quantum exportado de bens duráveis e não duráveis de consumo vêm se mantendo estáveis ou declinando ligeiramente, entre 2009 e 2011 as respectivas quantidades importadas praticamente dobraram. A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação da indústria.

Mas isso não conta toda a história. O setor industrial é, também, muito menor do que o setor produtor de serviços. O PIB do setor de serviços representa mais de 65% do PIB brasileiro, empregando em torno de 60 milhões de trabalhadores, enquanto que o PIB da indústria de transformação representa apenas 25%, empregando um volume de trabalhadores muito menor, em torno de 20 milhões. Por outro lado, os dados das contas nacionais negam o "saber convencional" de que somente a indústria paga os "bons salários". No ano de 2009 (o último dado disponível)o salário médio pago pela indústria era de R$ 15.870, enquanto o salário médio pago pelo setor de serviços atingia R$ 14.006, que é muito próximo do salário médio da indústria. Obviamente amassa real de salários do setor de serviços é em torno de 3 vezes maior do que a massa de salários paga aos trabalhadores da indústria, sendo a maior responsável pela sustentação da demanda agregada.

Atualmente setor industrial está deprimido, sofrendo com a competição externa, mas o setor produtor de serviços que não sofre essa competição está superaquecido, e se beneficia dos estímulos dados pelo governo à expansão da demanda. Como o setor de serviços é o grande empregador de mão de obra, leva a economia a operar muito perto - ou mesmo acima - do pleno emprego. Não há, assim, nenhum paradoxo no fato de que ao lado de um setor industrial que não cresce, a taxa de desemprego no Brasil é a menor da história.

Com esse comportamento do mercado de trabalho crescem os salários reais tanto no setor de serviços quanto no setor industrial. O crescimento dos salários reais não levaria a um aumento de custos de produção da indústria caso a produtividade da mão de obra tivesse crescimento semelhante. Contudo, um estudo recente do Ipea (Comunicado N.º 133) mostra que a produtividade da mão de obra na indústria não vem crescendo, o que leva ao aumento do custo unitário do trabalho na indústria. Os dados do IBGE permitem estimar esse aumento: entre 2009 e 2011 o custo unitário do trabalho (salários divididos pela produtividade média da mão de obra) na indústria elevou-se em torno de 15% em termos reais.

A elevação dos salários reais não é acarretada pelo aumento da demanda de mão de obra da indústria, que segundo os dados do Caged vem contratando muito pouco ou mesmo nada. Ela é proveniente do aquecimento do setor de serviços que acarreta, simultaneamente: o aumento da demanda agregada de bens de consumo, devido à sua contribuição ao aumento da massa real de salários; e o aumento do custo unitário do trabalho para a indústria.

O setor produtor de serviços também sofre as consequências da elevação do custo unitário do trabalho, mas, como é fechado ao comércio internacional, pode repassá-lo pelo menos parcialmente aos preços. Já o setor industrial é muito aberto, e a competição dos produtos importados limita a sua capacidade de repassar aumentos de custos para preços.

Em consequência, estreitam-se as "margens" da indústria, limitando a sua capacidade de crescer. Em grande parte os estímulos derivados do aumento da demanda doméstica "vazam" para as importações. Mas esse "vazamento" não decorre apenas da valorização cambial e dos baixos preços internacionais de produtos importados e exportados pelo Brasil, e também da elevação do custo unitário do trabalho.

Diante desse quadro, o governo acena com três reações. Primeiro, procura acentuar estímulos à demanda, quer para elevar o consumo, quer, como diz a presidente Dilma, para "libertar o espírito animal" dos empresários, levando ao aumento da formação bruta de capital fixo. Além de o BC prosseguir baixando a taxa real de juros, devem ampliar-se as pressões para expansão do crédito, com o uso dos bancos públicos. Já há alguns meses vêm caindo as taxas de 12 meses de expansão do crédito de bancos privados nacionais, o que se deve em grande parte à inadimplência elevada do crédito ao consumidor provocada pelo exagero no financiamento a automóveis em 2010, mas em contrapartida vem se elevando a taxa de 12 meses de expansão do crédito de bancos públicos, e entre eles o BNDES, que deve ser premiado com novas transferências do Tesouro.

Segundo, o governo quer evitar a continuidade da valorização cambial e, se possível, gerar algum enfraquecimento adicional do real. Para isso manterá elevadas as intervenções no mercado de câmbio e, se necessário, poderão ser tomadas novas medidas tributárias para desestimular ingressos de capitais. Terceiro, pode intensificar formas disfarçadas de protecionismo, como o uso de alíquotas diferenciadas de impostos indiretos domésticos, como aumento das alíquotas do IPI sobre produtos importados que tenham simulares domésticos, como já ocorreu nos automóveis.

Outra linha de ação é o aumento puro e simples do protecionismo. Há sinais de que o ministro do Desenvolvimento vem criticando a "timidez" do ministro da Fazenda em elevar as barreiras protecionistas e o controle da taxa cambial, e não sabemos até que ponto a presidente Dilma é simpática a ações discricionárias mais fortes neste campo.

No pressuposto de que "a demanda cria a própria oferta" o governo provavelmente vai disparar novos estímulos à demanda e novas formas de evitar os "vazamentos" da demanda para o exterior.Oque esperar?

Se no contexto de fortes estímulos à demanda doméstica o governo tiver sucesso em enfraquecer o real e/ou elevar direta ou indiretamente o protecionismo, colherá um aumento adicional da inflação. Os dados de preços mostram que a inflação de "serviços" continua elevada devido às pressões salariais. Essas pressões tenderão a se acentuar com novos estímulos à expansão da demanda. Lembremos que a contribuição maior para reduzir a inflação vem dos preços dos bens "tradables" industrializados, que se interromperá com o enfraquecimento do real e o aumento do protecionismo.

Se o governo ainda estiver comprometido com a inflação baixa, terá de limitar o enfraquecimento do real e o protecionismo.  Com isso, evitará inflação mais alta nos bens "tradables industrializados", mas ao continuar estimulando a expansão da demanda não conterá a alta de salários reais.O mais provável, contudo, é que a perseguição de uma meta de inflação mais baixa seja coisa do passado.

Infelizmente esse é um quadro no qual não há preocupações com a produtividade e com a eficiência econômica. A busca desses objetivos não parece ter importância, mesmo porque produz resultados apenas a longo prazo, e o horizonte do governo é o do seu mandato, e não o que garanta o crescimento de longo prazo.

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Amir Khair
Estimular a industrialização
As atenções do governo estão voltadas ao processo de desindustrialização em curso no País. Para isso acabou de lançar o segundo pacote de estímulos à indústria, com medidas mais fortes do que o primeiro, o Brasil Maior, lançado em agosto.
Trata-se de um conjunto de medidas de estímulo à competitividade que envolve desonerações fiscais, crédito mais abundante, proteção contra o produto importado, medidas cambiais e preferência nas compras governamentais às empresas sediadas no País.
Conquanto essas medidas estejam no rumo certo, considero que tem alcance limitado, ficando aquém da necessidade para a retomada firme da industrialização no País.
Mas o que falta?
Alguns acham que é necessário fazer reformas, e citam a tributária, a trabalhista e a previdenciária. Outros o câmbio com o real sobrevalorizado e outros as taxas de juros cobradas pelos bancos. Vamos avaliar os argumentos, a posição do governo e apresentar propostas que possam contribuir ao debate.
O pano de fundo é a maior guerra comercial da história, com maior concorrência atingindo as indústrias em todos os países, não só aqui.
1. Reformas. Virou lugar comum falar que são necessárias reformas. Fato é que não são fáceis de serem aprovadas, pois envolvem fortes interesses em disputa no âmbito do Congresso. Foram inúmeras as propostas de reforma tributária, todas desejando simplificar as 27 legislações estaduais sobre o ICMS por uma única legislação federal com cobrança desse imposto no destino, onde o bem é consumido ou usado, ao invés de sê-lo na origem onde é vendido. Essa reforma só poderá ser aprovada se o governo bancar as perdas de arrecadação nas operações interestaduais que poderão ocorrer para oito Estados.
A reforma previdenciária no sistema geral deixou de ser necessária, pois ficou provado que o sistema urbano é e continuará sendo superavitário e o sistema rural, que é deficitário, tende a sê-lo cada vez menos com a redução da população rural. Além disso, nenhum impacto teria essa reforma para a indústria.
A reforma trabalhista, sim, teria o impacto na indústria caso fosse possível flexibilizar as regras no mercado de trabalho, mas dificilmente passa no Congresso dada a forte resistência das centrais sindicais para não permitir a perda de direitos conquistados.
Assim, apostar na solução das reformas não vai resolver, podendo inclusive piorar a situação.
2. Câmbio. É a maior dor de cabeça do governo e da indústria. A valorização do real chegou a tal ponto que é quase impossível competir com o produto estrangeiro. Para se ter uma ideia, no Plano Real, para controlar a inflação, usou-se mega taxa de juro para atrair especuladores externos para valorizar o real. Com isso formou-se a âncora cambial com o real equivalendo a um dólar. Em valores de hoje esse câmbio do Plano Real, considerando a inflação pelo IPCA valeria R$ 2,60 por dólar e pelo IGP-DI, R$ 3,60. O governo, no entanto, entende que o câmbio a R$ 1,80 por dólar está bom para preservar a competitividade industrial e teme que se for acima disso pode disparar processo inflacionário. Não creio.
O principal problema do governo, no entanto, é tentar segurar em R$ 1,80 face à enxurrada de dólares que está entrando no País. São US$ 8,8 trilhões que foram despejados no mercado pelos países desenvolvidos para evitar o colapso do seu sistema bancário desde a crise de 2008. Só parte insignificante desses recursos invadiu o País, mas a pressão continuará para penetrar nossa economia, tirando mais ainda competitividade das nossas empresas. O governo tem como estratégia para manter o câmbio em R$ 1,80, a compra de dólares pelo Banco Central (BC), que emite títulos para enxugar a liquidez advinda com a emissão monetária para efetuar a conversão. Com isso, está enxugando gelo e causando profundo rombo nas finanças do governo. Em 2011 ultrapassou R$ 100 bilhões essa operação. São recursos que poderiam ser usados para uma forte desoneração industrial.
Tenho defendido em artigos que a melhor forma de enfrentar o excesso de moeda externa é emitindo o correspondente em reais, ou seja, ampliando a base monetária. Isso não causará inflação, pois o controlador da inflação é externo ao País nos preços estagnados ou cadentes dos bens e serviços internacionais como decorrência da crise. E isso poderá se estender por vários anos.
Creio que um câmbio mais favorável à competitividade industrial deve ficar acima de R$ 2,00. Não prevejo inflação com essa depreciação, pois os preços dos importados cairão em dólar para tentar penetrar no País, dada a super oferta internacional.
3. Taxa de juro. Na crise de 2008, o presidente Lula determinou aos bancos oficiais a redução das taxas de juros e, apesar da avaliação dos bancos privados de que isso iria prejudicar os lucros e elevar a inadimplência dos bancos oficiais, o que ocorreu foi o contrário.
O governo finalmente adota essa estratégia. Ela visa ampliar o consumo e, com isso fortalecer a indústria, pois a maior parte do crescimento será atendida por ela usando sua capacidade ociosa, sem necessidade de investimento. Com o aumento das vendas, crescem os lucros e a capacidade de expansão com novos investimentos. É o círculo virtuoso do crescimento.
Atendendo determinação da presidente, na quinta feira, o Banco do Brasil reduziu suas taxas de juros e a Caixa deverá fazê-lo na próxima semana. A presidente afirmou que "não há justificativa técnica para o elevado spread bancário no País". De fato, a desculpa apresentada pelos bancos de que o spread é elevado devido à inadimplência elevada é risível, pois a inadimplência é consequência e não causa da taxa de juro. A parte do leão que querem preservar é o elevado ganho no spread.
O governo deve enfrentar essa questão conjugando outras medidas que induzam os bancos a reduzir suas taxas de juros, como, por exemplo, regular o porcentual de depósito compulsório dos bancos no BC de acordo com a taxa de juro praticada.
O caminho para o fortalecimento industrial passa pelo crescimento, que poderá ocorrer com a redução das taxas de juros bancárias e com o câmbio pouco acima de R$ 2,00. Vamos acompanhar.