Acabo de ler, por inteiro, o artigo publicado no Estadão de ontem pelo economista aliado dos companheiros, Amir Khair.
Tudo me pareceu tão claro e cristalino (estou sendo redundante, mais uma vez), que eu fui olhar mais de perto.
E resolvi fazer umas perguntas ao autor do texto.
Claro, ele não vai me responder, mas os leitores podem, talvez, aprender como se faz um debate econômico, ainda que unilateral, como é minha mania.
Primeiro vou colocar o texto dele por inteiro, depois meus questionamentos com base em uma seleção de seus argumentos.
Quem desejar entrar no debate, sinta-se à vontade, e pode me contestar de cabo a rabo. Este blog foi feito para isto mesmo: para debate de ideias inteligentes...
Paulo Roberto de Almeida
Primeiro o artigo de Amir Khair no Estadão de 29/03/2015.
Amir
Khair
O
Estado de S.Paulo, 29 Março 2015 | 02h 04
Bastaram
quatro anos de governo Dilma para jogar o País em série crise econômica,
política e social, com risco institucional de impeachment da presidente. Como
saída dessa crise, procurou-se alguém que pudesse dar credibilidade à condução
da economia. Lula indicou dois pesos pesados de confiança do mercado
financeiro: Henrique Meirelles e Luiz Carlos Trabuco Cappi. A escolha recaiu em
Joaquim Levi, que já tinha pertencido à equipe de Palocci no primeiro mandato
de Lula.
Aí
veio a proposta de ajuste fiscal, considerada como ponto de partida da
recuperação econômica. A aposta era que, com a credibilidade da nova equipe
econômica, os empresários voltariam a investir e daí viria o crescimento
econômico.
O
ajuste pretendido reduz direitos das pessoas e cria tributos para aumentar a
arrecadação. Com isso o governo abriu simultaneamente várias frentes de briga:
com as centrais sindicais, com empresários e contribuintes, que ficariam mais
tributados, e com partidos da base aliada, que sofreriam desgaste ao aprovar o
ajuste.
Para
complicar, a presidente trilhou o caminho do enfrentamento ao PMDB. Resultado:
está sofrendo derrotas em todas as frentes, com o Congresso aprovando aumentos
sucessivos nas contas públicas. Assim, o ajuste segue prematuramente para o
brejo.
Poderia
ter evitado tudo isso se seguisse outro caminho que independesse do Congresso.
Vejamos.
Recuperar
a questão fiscal significa reduzir a relação entre a dívida e o Produto Interno
Bruto (PIB). Essa relação foi-se deteriorando nos últimos anos. Ao final de
2013 estava em 56,7% e no final do ano passado subiu para 63,5%, com elevação
de 6,8 pontos (63,5 menos 56,7).
A nova
equipe econômica prevê, caso seja bem-sucedido o ajuste fiscal, que ao final de
2017 ela esteja em 62,5%, ou seja, apenas um ponto abaixo da ocorrida no início
deste ano. Péssimo resultado. Mas por que isso? Pela simples razão de a equipe
econômica manter elevada e de forma artificial a taxa de juros que incide sobre
a dívida.
Países
desenvolvidos têm dívida acima de 100%, mas como praticam taxas básicas de
juros próximas a zero não tem problema de perda de controle sobre a dívida. O
Brasil é o país que durante vários anos, atravessando vários governos, vem
operando por decisão do Banco Central com uma taxa Selic das mais altas do
mundo e sem necessidade. Faz isso porque quer controlar a inflação de forma
artificial, tornando baratos os produtos importados.
O Plano
Real foi mestre nisso. Jogou a taxa de juros bem alta e atraiu dólares
especulativos, fazendo a paridade um dólar igual a um real. Passados mais de
vinte anos, continuou essa sangria de juros na economia do País.
Fato é
que um pensamento econômico dominante, conduzido com habilidade e competência
por analistas ligados ao mercado financeiro, ainda consegue defender a
manutenção dessa política. Esse pensamento é condizente com os lucros que o
sistema financeiro extrai da atividade econômica. Quanto maior a Selic, maior o
lucro bancário, o ganho dos rentistas e a perda do governo federal. O
lamentável desse verdadeiro saque ao cofre público é que quem dá a chave do
cofre é o próprio governo.
O
retrato fiscal é bem expresso no déficit de 6,7% do PIB ocorrido em 2014, sendo
que a conta de juros atingiu 6,1% do PIB e foi responsável, portanto, por 90,6%
do déficit.
O
esforço do governo nessa política de ajuste é conseguir um superávit entre
receitas e despesas públicas sem juros de 1,2% do PIB e, pasmem, vão continuar
elevando a Selic, fazendo com que atinja 13%. Como a dívida continuou
crescendo, dificilmente a despesa com juros ficará abaixo de 7,5% do PIB (!)
neste ano. Assim, todo o esforço fiscal de 1,2% será comido pela maior despesa
com juros de 1,4% do PIB (7,5 menos 6,1).
Em
2016, a situação tende a piorar, pois a dívida deverá se avizinhar a 70% do
PIB, impondo uma despesa com juros ainda mais elevada.
Além
do estrago nas contas públicas, essa Selic distorce o câmbio e, com isso, está
gerando rombos crescentes nas contas externas. Em 2014, bateram o recorde de
US$ 91 bilhões, ou 4,2% do PIB. Para piorar ainda mais essa situação, o Banco
Central, para segurar o câmbio, torrou US$ 114 bilhões (!) em swaps cambiais, o
que, dada a desvalorização do real, poderá ocasionar talvez a maior perda
patrimonial sofrida pelo setor público.
O
estrago da Selic não para, todavia, por aí. Ao artificializar o câmbio,
dificulta as exportações e reduz o poder competitivo do produtor local perante
o bem importado, ou seja, transfere emprego para o exterior e trava o
crescimento aqui.
O
estrago ainda continua. As reservas internacionais de US$ 380 bilhões sofrem
custo da Selic e são aplicadas em títulos do Tesouro americano, que rendem
pouco acima de 1% ao ano. O diferencial entre essas taxas de juros da ordem de
12 pontos incide a cada ano sobre o total das reservas. Assim, o custo de
carregamento dessas reservas poderá alcançar US$ 45 bilhões, ou R$ 140 bilhões
por ano! Quanto dinheiro jogado fora. Haja carga tributária para tanta orgia.
A
mudança imediata para colocar o País livre para crescer de forma saudável passa
por colocar a Selic no lugar, ou seja, no nível da inflação de 7%. Irão cair
rapidamente os juros rumo ao equilíbrio das contas públicas, o câmbio tenderá a
R$ 4 por dólar e as exportações começarão a ser retomadas rumo ao equilíbrio
das contas externas. Maior exportação e menor importação é uma saída para a
retomada do crescimento. No entanto, não basta reduzir só a Selic.
É
igualmente importante reduzir a outra anomalia que trava o crescimento: a taxa
de juro cobrada pelo sistema financeiro, que é várias vezes maior que a Selic.
O Brasil sempre liderou essas taxas. Atualmente estão em 110% ao ano para
pessoa física e 55%ao ano para pessoa jurídica considerando todas as
modalidades de crédito: bancário e comercial.
À
guisa de comparação os países emergentes praticam a taxa ao consumidor no
entorno de 10% ao ano. Isso explica porque o Brasil é um país caro quando
confrontado com outros. E isso é pior do que inflação.
Reduzir
a taxa de juro ao tomador implica em diminuir duas fontes de ganhos do sistema
bancário: os ganhos de tesouraria (aplicação em títulos do governo) com a
redução da Selic e redução com tabelamento das escorchantes tarifas bancárias.
Sem esses dois ganhos anormais, os bancos são obrigados a se voltar para sua
função principal, que é a de conceder empréstimos e aí, por ação de mercado, a
competição cresce e as taxas de juros refluem.
Essas
mudanças não dependem de autorização do Congresso. Podem ser feitas por simples
decisão da presidente, evitando confrontos desnecessários como os que vêm
ocorrendo com seu maior "aliado" o PMDB. Mas, como os bancos detêm
enorme poder político, pois estão entre os três maiores financiadores de
campanha nas eleições federal e estaduais, resta a esperança de que as portas
que vão se fechando na economia levem ao combate correto às anomalias. Resta
esperança, pois o Brasil oferece saída ao corrigir as anomalias das taxas de
juros. A hora é agora. Vale conferir.
==============
Agora meus argumentos contrarianistas, ou interrogativos:
Vejamos se entendi direito as propostas:
1)
Pela simples razão de a equipe econômica manter elevada e de forma artificial a taxa de juros que incide sobre a dívida.
PRA: Elevada de forma artificial? A solução então é baixar? E de forma natural?
Mas isso já não ocorreu no início do governo Dilma, quando ela foi rebaixada, mais de três pontos? Teria sido de forma natural?
E porque o BC voltou a aumentar os juros ainda antes de iniciado o novo governo, ainda com o ministro Mantega, e quando tudo parecia bem, segundo nos disseram na campanha?
2)
Países desenvolvidos têm dívida acima de 100%, mas como praticam taxas básicas de juros próximas a zero não tem problema de perda de controle sobre a dívida.
PRA: Certo. O Japão, aliás, tem mais de 250% de dívida pública sobre o PIB. Será que é porque nós não somos desenvolvidos como eles? Mas ainda nem chegamos a 100% como os EUA, ainda temos mais uns 30 pontos para subir. Estaria bem assim?
Claro, quando se tem taxas de juros negativas, como no caso do Japão, e dívida pública financiada a 99,99% pela poupança doméstica fica mais fácil.
Seria por isso então?
3)
O Brasil é o país que durante vários anos, atravessando vários governos, vem operando por decisão do Banco Central com uma taxa Selic das mais altas do mundo e sem necessidade.
PRA: Mas se é sem necessidade por que é que governos neoliberais e desenvolvimentistas mantêm essas taxas artificialmente elevadas, sem qualquer necessidade? Será que é porque eles são todos perversos, amigos dos banqueiros? Ou porque o BC é dominado pela turma da bufunfa, como diria um aliado doutrinal?
Incompreensível, de fato...
4)
Faz isso porque quer controlar a inflação de forma artificial, tornando baratos os produtos importados.
PRA: Mas justo o governo amigo dos trabalhadores, que protege a indústria nacional, seria capaz de uma maldade dessas contra a nossa indústria?
5)
Fato é que um pensamento econômico dominante, conduzido com habilidade e competência por analistas ligados ao mercado financeiro, ainda consegue defender a manutenção dessa política.
PRA: Quer dizer que já passou o tempo da nova doutrina, a tal de Nova Matriz Econômica? Mas foi sob o seu domínio que os juros começaram a subir outra vez. Debilidade do pensamento econômico dominante? Ou o pensamento era na verdade outro? O Bresser bem que avisou...
6)
Quanto maior a Selic, maior o lucro bancário, o ganho dos rentistas e a perda do governo federal. O lamentável desse verdadeiro saque ao cofre público é que quem dá a chave do cofre é o próprio governo.
PRA: Como eu sou ingênuo: e eu que pensava que a Selic só era alta porque de outra forma o governo não conseguia encontrar tomadores para os seus títulos?! Tudo é um complô então?! Mas justo no governo dos trabalhadores?!
7)
O retrato fiscal é bem expresso no déficit de 6,7% do PIB ocorrido em 2014, sendo que a conta de juros atingiu 6,1% do PIB e foi responsável, portanto, por 90,6% do déficit.
PRA: UFA! Ainda bem. Aqui a gente se entende. Então, se não houvesse déficit não haveria essa sangria desatada, pois não? Não seria melhor, então, eliminar os déficits do governo? Se não tivesse, ele não precisaria tomar dinheiro, certo? E se não tomasse dinheiro, não pagaria tantos juros, certo? Perdi alguma coisa?
8)
As reservas internacionais de US$ 380 bilhões sofrem custo da Selic e são aplicadas em títulos do Tesouro americano, que rendem pouco acima de 1% ao ano. O diferencial entre essas taxas de juros da ordem de 12 pontos incide a cada ano sobre o total das reservas. Assim, o custo de carregamento dessas reservas poderá alcançar US$ 45 bilhões, ou R$ 140 bilhões por ano! Quanto dinheiro jogado fora. Haja carga tributária para tanta orgia.
PRA: Que exagero. Mas não eram economistas sensatos que recomendavam reservas de 3 meses de importação apenas? O governo não exagerou um pouquinho nessas reservas de mais de 1 ano e meio de importações? Será que em 3 meses não dá para negociar um empréstimo emergencial, um stand-by com o FMI, em caso de necessidade? O que impediria o Brasil de recorrer ao FMI? Algum preconceito de classe? O Palocci não aceitou isso, numa boa?
9)
A mudança imediata para colocar o País livre para crescer de forma saudável passa por colocar a Selic no lugar, ou seja, no nível da inflação de 7%. Irão cair rapidamente os juros rumo ao equilíbrio das contas públicas, o câmbio tenderá a R$ 4 por dólar e as exportações começarão a ser retomadas rumo ao equilíbrio das contas externas.
PRA: Certo, certo. Mas os juros já cairam antes, não é mesmo? E qual foi o efeito disso na inflação? Ela anda pela casa dos 6,5% certo? Se o governo precisar de colocar títulos no mercado, por causa de algum déficit não cooperativo, os banqueiros perversos vão pegar? E se não pegarem, como é que faz? Vai para o mercado externo, onde o dinheiro está baratinho? Mas esse câmbio a 4 não vai trazer mais inflação e fazer a dívida externa aumentar 50%? Que coisa, hem?
10) ...
outra anomalia que trava o crescimento: a taxa de juro cobrada pelo sistema financeiro, que é várias vezes maior que a Selic. O Brasil sempre liderou essas taxas. Atualmente estão em 110% ao ano para pessoa física e 55%ao ano para pessoa jurídica considerando todas as modalidades de crédito: bancário e comercial.
PRA: Mas se o governo já domina 40%, ou mais, do mercado de capitais no Brasil, ele não poderia começar fazendo a sua parte? Esses banqueiros públicos não são muito cooperativos… Claro, sempre tem o BNDES, mas ele só empresta para alguns, e está sempre pedindo algum ao Tesouro...
11)
Sem esses dois ganhos anormais, os bancos são obrigados a se voltar para sua função principal, que é a de conceder empréstimos e aí, por ação de mercado, a competição cresce e as taxas de juros refluem.
PRA: Não seria também recomendável abrir mais o setor? Afinal de contas, com três bancos oficiais, que dominam quase a metade do terreno, mas três ou quatro outros grandes bancos que fazem quase isso, não tem competição nenhuma, não é mesmo?
12)
Essas mudanças não dependem de autorização do Congresso. Podem ser feitas por simples decisão da presidente,
PRA: Ôba, então é fácil. Eu só me pergunto onde iria parar a inflação, a renda dos trabalhadores, e a competitividade das empresas…
O mundo é complicado mesmo. Mas eu só queria entender as medidas propostas
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Paulo Roberto de Almeida