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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Ex-presidente do BC e economista rigoroso, Pastore morre aos 84 anos - Sergio Lamucci (Valor)

Ex-presidente do BC e economista rigoroso, Pastore morre aos 84 anos

Memória Colegas destacam rigor teórico sempre presente e criteriosa análise de dados

Sergio Lamucci - De São Paulo

Valor Econômico, 22/02/2024

 

O economista Affonso Celso Pastore morreu na madrugada da quarta-feira, aos 84 anos. Ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-secretário da Fazenda de São Paulo, Pastore passou por uma cirurgia no sábado no Hospital Albert Einstein, após sofrer um acidente vascular na perna, ficando desde então na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Admirado por várias gerações de economistas, Pastore se destacou pelo rigor e pelo apreço à evidência empírica em seus estudos e análises. A sua vida e obra foram "um exemplo emblemático da linha de pesquisa baseada no rigor teórico e, principalmente, na busca incessante de uma análise criteriosa dos dados", como escrevem llan Goldfajn, hoje presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o jornalista Fernando Dantas no prefácio do livro "A Economia com Rigor - Homenagem a Affonso Celso Pastore". 

Para Ilan, também ex-presidente do BC, Pastore foi "o maior expoente e promotor do foco na ciência para a análise de políticas econômicas" no Brasil, no uso da evidência para se avaliar, aprender e implementar políticas e reformas que venham a beneficiar as sociedades. . "Nas décadas seguintes, dedicou-se a temas da macroeconomia como a política cambial e a inflação." A primeira posição de maior destaque de Pastore no setor público ocorreu quando se tornou secretário da Fazenda paulista, entre 1979 e 1983, nos governos de Paulo Maluf e José Maria Marin. Mas o maior desafio veio no BC, instituição que comandou entre setembro de 1983 e março de 1985. "Eu estava no meio de uma aula quando veio um telefonema. Era do Delfim [Netto]. Ele me disse que o [Ernane] Galvêas [então ministro da Fazenda] ia me ligar e me convidar para ser o presidente do Banco Central. "Você tem meia hora para pensar a resposta, se vai aceitar ou não." Meia hora depois ligou o Galvêas.", disse Pastore, em entrevista publicada no livro "A Economia com Rigor".

"Acabei tendo um fim de semana para pensar, falar com a família, ver o que eu fazia e o que não fazia, conversar com Delfim e Galvêas, pensar bem qual era o tamanho da encrenca. Na segunda-feira eu disse sim e fui." Pastore conta que assumiu o BC com reservas em caixa negativas e centralização cambial, dando uma medida da dificuldade da situação.

No ano anterior, o Brasil havia Como economista, Pastore acumulou grande produção intelectual. Foi professor na Faculdade de Economia e Administração da USP, onde se graduou em 1961. Concluiu o doutorado também na FEA-USP, em 1969. No fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, deu aulas na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE). "Não consigo trabalhar sem conteúdo empírico. Para fazer análise econômica, é preciso testar hipóteses. O critério de demarcação da ciência é: a proposição tem que ser testável", disse em entrevista para o livro "Conversas com Economistas".

Um resumo em sequência histórica do trabalho de Pastore na busca de evidências empíricas na área preferencial que adotou está no livro "Inflação e Crises - O Papel da Moeda" (Elsevier). São oito capítulos, que vêm da tentativa de estabilização na época do regime militar, em 1964, e chegam ao fracasso da chamada "nova matriz" de política macroeconômica, nos quais ele acompanha o desenrolar do processo inflacionário no contexto de políticas econômicas adotadas (em quatro capítulos, sua mulher, Maria Cristina Pinotti, é coautora). Quando o livro foi publicado, em 2015, haviam se passado 46 anos desde a conclusão de seu doutorado e a defesa da tese "A Resposta da Produção Agrícola aos Preços no Brasil".

Num dos artigos do livro "A Economia com Rigor", Samuel Pessoa, do FGV Ibre e chefe de pesquisa do Julius Baer Brasil, e Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, observam que Pastore começou estudando temas da microeconomia, como o impacto dos suspendido o pagamento aos credores internacionais e instituir a controles cambiais, na esteira da moratória do México, declarada em 1982. À sobrecarga dos aumentos dos preços do petróleo somavam-se os efeitos da elevação dos juros internacionais provocada pela alta das taxas efetivada nos Estados Unidos para conter a inflação. O Brasil já vivia, desde antes, os prenúncios de uma crise

Economistas e autoridades lamentaram a morte de Affonso Celso Pastore, destacando a importância dos seus estudos para a economia brasileira, a capacidade e curiosidade intelectual e a sua atuação em cargos públicos, como a presidência do Banco Central e a secretária da Fazenda paulista.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que Pastore sempre defendeu a autonomia da instituição e outros projetos do órgão. O economista, segundo Campos Neto, se dizia apaixonado pelo BC e que sempre atuaria em defesa da autoridade monetária.

O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, também ex-presidente do BC, destacou a "perda enorme" para o pensamento econômico brasileiro. "Convivemos em diversos ciclos ao longo dos anos sempre com troca de ideias interessantes, férteis, criativas e profundas. Era economista de nível elevadíssimo e sinto a perda de um grande amigo." Incansável, detentor de rigor analítico e técnico invejável, descreveu a economista Zeina Latif, ao falar de seu orientador no mestrado e doutorado. "Os economistas não têm bola de cristal, não acertam todos os cenários. O que os economistas fazem é usar rigor analítico, ter cuidado em olhar os dados e reconhecer quando está errado. Pastore reunia tudo isso." Ela lembrou que, em sua dissertação de mestrado, sobre economia monetária e inflação, uma parte do trabalho era percorrer o histórico e levantar dados. "Quando Pastore leu sobre o período em que ele esteve no Banco Central, estávamos conversando e ele me disse: Zeina, você não precisa me defender. Porque tudo o que estudamos agora não estava disponível na época", lembrou a economista. ""Achei simbólico. Em nenhum momento ele tentou suavizar aquele período e eventuais erros cometidos." 

Para Vinícius Carrasco, professor da PUC-Rio, Pastore foi um dos maiores economistas que o Brasil teve. "De umas três gerações anteriores à minha, era impressionante sua busca, ainda nos dias de hoje, em estar na fronteira do que se produzia na profissão, seja em macro, seja em outras áreas", disse Carrasco, destacando que o interesse por infraestrutura de Pastore o levou a estudar incentivos e leilões. "O jeito duro escondia uma pessoa generosa e delicada. Fará enorme falta." 

Também ex-presidente do BC, Gustavo Loyola disse que Pastore buscou de forma incansável a autonomia da autoridade monetária. "Pastore foi um dos mais destacados economistas brasileiros. Sua contribuição foi excepcional em todos os campos em que atuou: na academia, no setor público, como consultor e formador de opinião." 

A mistura impressionante de paixão e experiência de décadas no debate econômico era uma das facetas mais impressionantes de Pastore, ressaltou Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual. "O que sempre me impressionou em Pastore era que ele participava de forma apaixonada nos debates econômicos, com o vigor de um professor de economia de 30 anos de idade, mas com o benefício da experiência dele de décadas. Esse amor pelo bom debate e pela boa análise econômica deixava todos impressionados", disse o ex-secretário do Tesouro Nacional, destacando a "contribuição fundamental" de Pastore no CDPP. Lá, recorda Mansueto, ele discutia Economistas e autoridades lamentaram a morte de Affonso Celso Pastore, destacando a importância dos seus estudos para a economia brasileira, a capacidade e curiosidade intelectual e a sua atuação em cargos públicos, como a presidência do Banco Central e a secretária da Fazenda paulista.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que Pastore sempre defendeu a autonomia da instituição e outros projetos do órgão. O economista, segundo Campos Neto, se dizia apaixonado pelo BC e que sempre atuaria em defesa da autoridade monetária.

O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, também ex-presidente do BC, destacou a "perda enorme" para o pensamento econômico brasileiro. "Convivemos em diversos ciclos ao longo dos anos sempre com troca de ideias interessantes, férteis, criativas e profundas. Era economista de nível elevadíssimo e sinto a perda de um grande amigo." Incansável, detentor de rigor analítico e técnico invejável, descreveu a economista Zeina Latif, ao falar de seu orientador no mestrado e doutorado. "Os economistas não têm bola de cristal, não acertam todos os cenários. O que os economistas fazem é usar rigor analítico, ter cuidado em olhar os dados e reconhecer quando está errado. Pastore reunia tudo isso." Ela lembrou que, em sua dissertação de mestrado, sobre economia monetária e inflação, uma parte do trabalho era percorrer o histórico e levantar dados. "Quando Pastore leu sobre o período em que ele esteve no Banco Central, estávamos conversando e ele me disse: Zeina, você não precisa me defender. Porque tudo o que estudamos agora não estava disponível na época", lembrou a economista. ""Achei simbólico. Em nenhum momento ele tentou suavizar aquele período e eventuais erros cometidos." 

Para Vinícius Carrasco, professor da PUC-Rio, Pastore foi um dos maiores economistas que o Brasil teve. "De umas três gerações anteriores à minha, era impressionante sua busca, ainda nos dias de hoje, em estar na fronteira do que se produzia na profissão, seja em macro, seja em outras áreas", disse Carrasco, destacando que o interesse por infraestrutura de Pastore o levou a estudar incentivos e leilões. "O jeito duro escondia uma pessoa generosa e delicada. Fará enorme falta." 

Também ex-presidente do BC, Gustavo Loyola disse que Pastore buscou de forma incansável a autonomia da autoridade monetária. "Pastore foi um dos mais destacados economistas brasileiros. Sua contribuição foi excepcional em todos os campos em que atuou: na academia, no setor público, como consultor e formador de opinião." 

A mistura impressionante de paixão e experiência de décadas no debate econômico era uma das facetas mais impressionantes de Pastore, ressaltou Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual. "O que sempre me impressionou em Pastore era que ele participava de forma apaixonada nos debates econômicos, com o vigor de um professor de economia de 30 anos de idade, mas com o benefício da experiência dele de décadas. Esse amor pelo bom debate e pela boa análise econômica deixava todos impressionados", disse o ex-secretário do Tesouro Nacional, destacando a "contribuição fundamental" de Pastore no CDPP. Lá, recorda Mansueto, ele discutia

temas que iam de educação a política monetária e ajuste fiscal "de forma super empolgada". "Pastore era muito admirado. Foi uma pessoa muito importante na comunidade acadêmica e na formação de várias pessoas. O que ele escrevia todo mundo lia e todos queriam saber da sua visão." 

O CDPP lamentou a morte de Pastore, o primeiro presidente do centro de estudos. "Ele foi presidente do BC e se tomou um intelectual público na melhor acepção do termo: engajado em debates nos mais variados fóruns, capaz de traduzir a teoria econômica para o grande público, aberto a novas ideias, mas sem jamais abrir mão da coerência e do rigor acadêmico. Impressionava a todos que o conheciam pela firmeza de opiniões e retidão moral." Pesquisador associado do Insper, Marcos Mendes afirmou que Pastore foi "mestre e referência" de sua geração de economistas. "Grande contribuição como acadêmico de destaque, presidente do BC e coordenador do CDPP. Muita honra ter podido aprender e debater com ele."

O tema de Pastore era o Brasil, diz Lisboa

Para o economista Marcos Lisboa, o tema do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore era o Brasil. "Usando ciência, ele queria entender o tamanho do problema. O que a evidência empírica tem a dar para nós, para nós entendermos o Brasil e ajudar", afirmou ele, ao falar sobre o economista, que morreu ontem. "Esse tema motivava o Affonso e dava também a irritação dele para quem não tinha olhado dados, quem não conhecia a evidência. Ele era um garoto, profundamente interessado no assunto." Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Lisboa disse que "quem dominava o Affonso eram os dados, a evidência". Segundo ele, Pastore era duro porque respeitava a técnica e a evidência disponíveis. Nesse quadro, o ex-presidente do BC não era dogmático. "Se a evidência mudava, o Affonso mudava de opinião." Lisboa também ressaltou o aspecto ético do economista, sobre quem não há nenhuma "história confusa". "Ele era ético e, para ele, a ética se aplicava à vida privada e à ciência - o que a ciência tem a dizer, o que os dados têm a dizer sobre o assunto." Lisboa observa que, em seu último livro, Pastore "vai atrás do que afirmou há 50 anos e vai testar as hipóteses, ver o que sobrevive aos dados e o que não sobrevive".

Num dos artigos publicados no livro "A Economia com Rigor-Homenagem a Affonso Celso Pastore", Lisboa escreve: "Tenho por Affonso respeito e admiração. O professor grandalhão, com bigode curto e ética impecável, não para de estudar, não desiste do Brasil e não foge do debate. Fui seu aluno tardio. Pastore me ensinou, por meio do seu exemplo, o que se espera de quem anseia ter o privilégio de servir ao público".

Obituário e homenagem a Mauro Boianovsky, distinguido professor e pesquisador de história econômica; morte de Affonso Celso Pastore (FSP)

Recebido de Maurício David. Devo dizer que eu era amigo de Mauro e frequentemente eu lhe emprestava livros, retirados em meu nome, da biblioteca do Itamaraty, que ele não encontrava na biblioteca da UnB. A matéria da FSP,  mais abaixo, também traz homenagens ao economista Affonso Celso Pastore, com quem me correspondi no passado. (PRA)


Professor de Economia da UnB e referência no campo de História do Pensamento Econômico, Mauro Boianovsky faleceu nesta quarta-feira (21). 

OBITUÁRIO

MORRE MAURO BOIANOVSKY, PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNB

 

O professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Boianovsky morreu na manhã desta quarta-feira (21), aos 64 anos, em decorrência de câncer. Referência no campo de História do Pensamento Econômico, foi considerado um dos pesquisadores mais influentes do mundo, conforme lista elaborada pela Universidade de Stanford e pelo repositório de dados Elsevier em 2023.

Formado em Economia pela UnB, em 1979, Mauro fez mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e doutorado em Cambridge, na Inglaterra. Era professor titular na Universidade de Brasília, onde lecionava Teoria do Desenvolvimento Econômico, na graduação, e História do Pensamento Econômico na pós-graduação.

Com a morte de Mauro, o Brasil perde duas referências da área da economia no mesmo dia. Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, também morreu nesta quarta-feira.

Durante o doutorado, o professor fez uma tese sobre o pensamento do economista Knut Wicksell e aprendeu sueco para ler os textos originais. “Eu até brincava com o Mauro, comparando-o com Indiana Jones. O que ele fazia era ‘arqueologia econômica’: buscar os textos originais para colocar nuances que eram pouco conhecidas de economistas famosos”, diz José Luís Oreiro, professor de Economia da UnB e colega de Mauro. 

 

Além de ter sido professor na UnB, Mauro Boianovsky também foi presidente da History of Economics Society (HES), um dos mais respeitados fóruns de discussão econômica do mundo, em 2015, sendo o primeiro latino-americano a comandar o órgão. 

“Foi uma grande perda para a Universidade de Brasília e para a linha de pesquisa. Primeiro, porque é uma pessoa com notável conhecimento na área, uma das grandes referências do mundo. Ele era uma pessoa cuja publicação científica era muito importante para o programa de pós-graduação em Economia na Universidade de Brasília. E era especialista em um em um assunto que poucas pessoas têm domínio”, lamenta Oreiro. 

O vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Jorge Arbache, também lamentou o falecimento de Boianovsky. Em postagem no LinkedIn, o economista destacou que o professor era considerado “um dos mais brilhantes autores de todos os tempos” pelos seus pares na linha de pesquisa de História do Pensamento Econômico.

“A obra de Mauro foi imensa e intensa, e muito influente. Mauro recebeu os mais importantes prêmios nacionais e internacionais, era considerado pela academia de escola do pensamento econômico como um dos mais brilhantes autores de todos os tempos, ocupou os mais importantes cargos internacionais na área, e talvez possa ser considerado o economista brasileiro que mais prestígio e influência teve na sua respectiva área em nível internacional”. 

Publicado há poucas semanas atrás, o último artigo do professor, intitulado “Recollections of My Time at the History of Economics Society” (Lembranças do meu tempo na History of Economics Society), é um balanço da produção acadêmica, de sua atuação no órgão e uma espécie de despedida. 

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No arquivo anexo com a Folha de São Paulo de hoje, se poderá ler o material publicado pelo jornal paulista sobre o perfil intelectual do professor Boianovsky.

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Morre o economista Mauro Boianovsky, referência em história do pensamento econômico 

Acadêmico atuou até o ano passado como professor titular da UnB, lecionando a disciplina na qual se especializou. 

Júlia Moura

São Paulo

Morreu na madrugada desta quarta-feira (21) o economista Mauro Boianovsky, 64. Professor da UnB (Universidade de Brasília), ele era um dos principais teóricos sobre o pensamento econômico.

Boianovsky se formou em economia pela UnB e obteve mestrado na mesma área pela PUC do Rio de Janeiro (1989). Ele também era doutor em economia pela Universidade de Cambridge e PhD pela Universidade de Duke.

O economista atuou até o ano passado como professor titular da UnB, lecionando a disciplina história do pensamento econômico, assunto no qual se especializou. Também tinha experiência nas áreas de macroeconomia, teoria monetária, crescimento e desenvolvimento econômico e desemprego.

Boianovsky teve diversos trabalhos premiados. Em 2007, por exemplo, um artigo sobre a teoria econômica de Don Patinkin —economista monetário israelense— foi premiado pela History of Economics Society, entidade que reúne pesquisadores de diversos países, com foco nas discussões sobre a história do pensamento econômico.

Em 2011, ele foi laureado pela Anpec (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia) por um artigo acadêmico sobre Celso Furtado.

Quatro anos depois, foi eleito presidente da History of Economics Society para o mandato de um ano, sendo o primeiro latino-americano a chefiar o órgão, com sede nos Estados Unidos.

Boianovsky também escreveu diversos livros em parceria com colegas pesquisadores, como "Celso Furtado e os 60 anos de Formação Econômica do Brasil" e o mais recente, "A History of Brazilian Economic Thought".

O acadêmico estava com câncer no fígado em estágio avançado. Ele deixa dois filhos, Ilana e Daniel David e uma neta, Isabela. O sepultamento aconteceu às 16h30 desta quarta, no Cemitério Israelita de Brasília. Não houve velório.

 

Para o mestre, com carinho 

A verdade é que Affonso Pastore foi embora cedo, considerando tudo o que podia e queria compartilhar 

Alexandre Schwartsman 

Judeu, é doutor em economia (Universidade da Califórnia, Berkeley) e ex-diretor do Banco Central

Soube há pouco da morte do Affonso Pastore. Avisei algumas pessoas e várias me responderam, além da tristeza, com "falei com ele há uma semana", "teria reunião semana que vem" e assemelhados.

Apenas isto já seria uma homenagem ao mestre. 84 anos (estive nas comemorações dos 80) e ativo como nunca. Não só com clientes, mas nos presenteando semanalmente com sua análise clara e contundente.

Engraçado, nunca fui formalmente aluno dele. Fiz boa parte do curso à noite, e não posso reproduzir aqui o que ele disse certa vez sobre a possibilidade de ser escalado para o noturno.

Mas sou obviamente um discípulo. Sempre foi meu modelo como economista: rigoroso analiticamente, cuidadoso com dados e estatísticas; sincero como poucos.

E generoso! Comigo e com muitos outros. Quando me tornei consultor (supostamente concorrente, hahaha), não hesitou em me ajudar.

Não há espaço aqui para listar suas enormes contribuições à análise econômica. Recomendo 3 livros. Dele mesmo, "Inflação e Crises", uma história monetária do Brasil nos últimos 60 e tantos anos; "Erros do Passado: Soluções para o Futuro", uma revista aos temas de sua carreira.

E, claro, "A Economia com Rigor", coletânea em homenagem ao mestre organizado por Ilan Goldfajn e Fernando Dantas, um belo apanhado das contribuições do Pastore.

Tive a felicidade de tê-lo também como amigo. Jantamos nós quatro no final do ano passado. Estava bem, mais magro, alguma dificuldade para caminhar por conta de uma cirurgia. E lúcido, agudo e atento, com planos para o futuro!

A verdade é que foi embora cedo, considerando tudo o que podia e queria compartilhar. Vai fazer (já faz!) uma falta imensa.

Deixo aqui uns versos que me parecem apropriados.

"Naquela mesa está faltando ele/E a saudade dele está doendo em mim."

 

Affonso Pastore, um economista na periferia 

Ele era aplicado, enfatizava a evidência empírica, sabia teoria e produzia teoria 


Samuel Pessôa 

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Officy (JBFO). É doutor em economia pela USP​ 

Pastore pertence a uma tradição de profissionais de economia que nasceu com Eugênio Gudin e passou por Mário Henrique Simonsen e Delfim Netto. São profissionais formados no Brasil, que formaram muitas gerações de economistas, estudaram com cuidado a nossa economia e profissionalmente conciliaram vida na academia, no setor privado, no serviço público e mantiveram por anos colaboração regular na imprensa.

A contribuição intelectual de Pastore tinha duas características. Primeira, Pastore era um economista aplicado cujo foco eram problemas brasileiros. Se especializou por inflação pois era o problema que estava dado. Pastore, sem nenhuma pieguice, era patriota. Nosso subdesenvolvimento era o seu tema.

A segunda característica de Pastore era a ênfase na evidência empírica. Pastore olhava muito os dados e gastava muita energia levantando os dados. Sabia teoria e produzia teoria. Mas a ênfase era a empírica. A teoria organizava os dados. Mas a palavra final era da evidência empírica.

Há pelo menos três contribuições importantes de Pastore. Na tese de doutoramento ele testou a conjectura do pensamento estruturalista de que a oferta de bens agrícolas não respondia aos incentivos de preços. Acreditava-se que a concentração da propriedade da terra impedia que houvesse a resposta da oferta. Pastore mostrou que nada havia de diferente com a agricultura brasileira. Encontrou algum suporte para a tese estruturalista somente na região Nordeste.

Na sua tese de livre docência Pastore documenta —a partir de um levantamento de dados meticulosíssimo— que a desinflação que ocorreu nos primeiros anos da ditadura militar coincidiu com alteração na forma de financiamento do déficit público. Se na virada dos anos 1950 para os anos 1960 a expansão monetária financiava o déficit público, no período posterior ela financiava a acumulação de reservas. Havia relação entre a desinflação no período e a mudança do regime de política econômica.

Um trabalho inconcluso foi seu artigo teórico "Inflação e expectativas com a política monetária em uma regra de taxa de juros", publicado na Revista Brasileira de Economia em 1990.

Após a saída dos EUA da convertibilidade do dólar em ouro as economias passaram a operar em um regime de moeda fiduciária. Não valia mais o padrão ouro. Moeda era papel pintado. Qual era a governança de um regime monetário de moeda fiduciária? A resposta foi uma regra de fixação de juros em que os juros crescem a uma velocidade maior do que a diferença da inflação da meta inflacionária. Essa regra simples foi derivada por John Taylor. Pastore em seu artigo na RBE chegou perto de independentemente derivar a regra de Taylor. Faltaram duas linhas de álgebra.

Pastore estava sempre na fronteira do conhecimento olhando a teoria e os dados, preocupado com o futuro do país.

domingo, 29 de agosto de 2021

Aprendendo com a História - Affonso Celso Pastore (OESP)

 

01:51:52 | 29/08/2021 | Economia | O Estado de S. Paulo | Affonso Celso Pastore | BR

Affonso Celso Pastore

    AFFONSO CELSO PASTORE

    Aprendendo com a história

    Muitos desprezam a história, preferindo o conforto dos modelos matemáticos.

    Respeito ambos, mas dou um grande peso à história.

    No regime de Bretton Woods, os EUA fixavam o preço do ouro em US$ 35 por onça-troy, e os demais países mantinham o câmbio fixo em relação ao dólar. Há cinquenta anos, precisamente em 15 de agosto de 1971, o presidente Nixon fechou a "gold window", que permitia aos signatários daquele acordo converterem as suas reservas em ouro àquele preço. Era o "início do fim" daquele regime monetário, que só foi formalmente extinto em 1973.

    Naqueles anos, tanto quanto agora, a política monetária do Fed era voltada exclusivamente aos objetivos domésticos.

    "O dólar é a nossa moeda, mas o vosso problema", como disse o secretário John Connally. Para financiar a guerra do Vietnã e manter o pleno emprego, o Fed expandia a oferta de moeda que, devido ao câmbio fixo, elevava a oferta mundial de moeda e gerava uma inflação mundial. A atividade bancária era estimulada, florescendo o mercado de euro-dólares, que ainda continuou crescendo depois de 1973, dado que os países não abandonaram de imediato o câmbio fixo.

    Quando em 1976 ocorreu o segundo choque do petróleo, aumentando o valor das suas importações, o governo Geisel teve a ilusão de que poderia usar a crise como uma oportunidade de crescimento. Lançou o II PND através do qual financiou com empréstimos externos os investimentos na produção de bens de capital e de insumos básicos. Era suposto que a substituição de importações geraria uma economia de dólares que permitiria pagar o aumento na conta do petróleo, com o benefício do crescimento econômico.

    Os industriais aplaudiram a clarividência do presidente e se auto-enganavam, acreditando que entrávamos em um mundo novo, no qual a abundância de empréstimos baratos era uma consequência da reciclagem dos petrodólares, e não da política monetária expansionista do Fed, que teria de terminar.

    Geramos uma dívida externa de 50% do PIB, que nos levou à crise da dívida externa dos anos oitenta. Durante o II PND, o Brasil cresceu a 7,5% ao ano, porém à custa de nos jogar na armadilha do baixo crescimento, da qual não mais nos livramos.

    Não sei se este episódio ainda é estudado nos cursos de Economia, nem se são feitas comparações com o mundo atual. Mas os alunos deveriam ser advertidos de que, apesar das muitas transformações institucionais, ainda temos uma relíquia do passado, que é o "privilégio exorbitante" dos EUA â o benefício de ter a sua própria moeda usada como a moeda reserva internacional.

    É o único país que, diante de um déficit nas contas correntes, não tem de se preocupar com seu financiamento.

    Paga com sua própria moeda e influencia as políticas monetárias de todos os demais.

    Um exemplo são os efeitos da expansão monetária motivada pela crise da covid sobre as taxas de câmbio dos países livres de graves problemas fiscais e políticos. Quando irrompeu a pandemia, a taxa dos "fed funds" foi colocada no zero técnico, e foram comprados em torno de US$ 2 trilhões de treasuries.

    A consequência dessa maciça expansão monetária foi um enfraquecimento de 10% do dólar em relação a uma cesta de moedas que inclui euro, libra, iene, dólar canadense, dólar australiano, coroa sueca e franco suíço â o DXY. Não foram apenas estas 7 moedas que se valorizaram, e sim a quase totalidade das demais. O mundo agradeceu aos EUA. Afinal, aquela recessão exigia queda acentuada das taxas de juros, que foi facilitada pelo efeito desinflacionário vindo do fortalecimento de suas moedas.

    Estímulo monetário nos EUA leva a um estímulo monetário mundial, mas a recíproca também é verdadeira.

    inflação vem se elevando, mas ainda não vi preocupações. O "average inflation targeting" dá um enorme conforto; a transição demográfica derrubou as taxas neutras no mundo; e a culpa de uma inflação acima de 5% nos EUA não é atribuída ao exagero dos estímulos, mas a choques de oferta. Da mesma forma, a sensível elevação dos "price earnings ratios" no S&P500 não é atribuída à queda excessiva da taxa de desconto, e sim ao vigor da economia norte-americana.

    Por que nos preocuparmos com uma mudança quando o próprio Fed está seguro de que pode tolerar uma inflação mais alta? Gostaria de ter essa frieza. Mas o respeito à história e às lições que ela nos oferece me impedem de tê-la. Já vi muitas esperanças serem destruídas por fatos que muitos julgavam irrelevantes, e que preocuparam apenas uns poucos.

    EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.

    ESCREVE QUINZENALMENTE

    quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

    Pastore: acabou a ilusão de um Bolsonaro liberal (entrevista)

    Acabou a ilusão do liberalismo de Bolsonaro', diz Affonso Celso Pastore

    Economia - Estadão, 25/02/2021

    Para economista, demissão de Roberto Castello Branco da Petrobrás mostra que o presidente ‘não tem nenhum compromisso com a democracia’

     https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,acabou-a-ilusao-do-liberalismo-de-bolsonaro-diz-affonso-celso-pastore,70003626018                                                                                                                                                                                                                                      

    A decisão do presidente Jair Bolsonaro de demitir Roberto Castello Branco do comando da Petrobrás “acabou com a ilusão de que o suposto liberalismo econômico do governo levaria à retomada do crescimento”. A conclusão é do economista e consultor Affonso Celso Pastore*, e vem com uma ironia: “Fixar preço de petróleo não é como fixar o preço do misto-quente”. 

    O presidente, diz ele, mostrou que “não tem nenhum compromisso com a democracia, com o Brasil e com a melhoria das condições de vida da população. Visa, apenas, a votos para a sua reeleição em 2022”. Com um olhar veterano – 81 anos, tendo passado, entre outros, pelo comando do Banco Central e da Secretaria da Fazenda paulista –, o professor e doutor em Economia pela USP adverte para duas prioridades que o País tem hoje: vacinar, vacinar, vacinar e buscar com urgência o equilíbrio fiscal. 

    No entanto, nesta entrevista para o programa Cenários, parceria do Estadão com o Banco Safra, o que temos hoje é “uma política fiscal completamente aleatória e errada” – e o resultado disso é que os dólares de que o Brasil tanto precisa, em investimentos, “estão indo para outros países emergentes”. A seguir, os principais trechos da conversa. 

    Como o sr. avalia a decisão de Bolsonaro de demitir o presidente da Petrobrás?

    Com a demissão de Roberto Castello Branco da Petrobrás acabou-se a ilusão de um suposto “liberalismo econômico” do governo Bolsonaro que levaria à retomada do crescimento. Fixar o preço do petróleo não é como fixar o preço de um misto-quente. Ao repassar para os preços domésticos as variações do preço internacional do petróleo, a Petrobrás elevava os lucros e atraía capitais externos, o que ajudava a recuperar a economia. Se o governo ainda tivesse uma pálida sombra do liberalismo que propagava durante a campanha eleitoral, teria de deixar a empresa livre para fixar os preços no mercado interno, respondendo às variações internacionais. 

    E que impacto essa mudança trará para a política e a economia do País?

    Bolsonaro não é liberal, e sim um populista, semelhante a Viktor Orbán, na Hungria, (Recep) Erdogan, da Turquia, (Vladimir) Putin, na Rússia, com propensão a ser um ditador, como (Nicolás) Maduro, na Venezuela. Não tem nenhum compromisso com a democracia, com a melhoria das condições de vida da população. Visa, apenas, à sua reeleição em 2022 e proteger-se contra o impeachment. 

    Como ex-presidente do Banco Central, nos anos 80, de que forma avalia a nova norma que cria um BC realmente independente? 

    Essa independência agora aprovada é no sentido de que seus diretores têm mandato fixo e não coincidente com o do presidente da República. Há um outro conceito de independência – que aqui já existe –, estabelecido muitos anos atrás pelo (economista) Stanley Fisher e que enfatiza a independência no uso dos instrumentos. O que isso quer dizer? Que para um BC poder cuidar da política monetária, tem de ter liberdade total para mexer na taxa de juros. Quando o Arminio Fraga presidiu o banco (1999 a 2003), e entramos no regime de metas de inflação, o governo deu informalmente essa liberdade ao BC. Mas o presidente do banco continuava passível de demissão pelo presidente da República.

    E para que isso serve, na prática?

    Isso significa que o BC pode fazer a política monetária, que é condição essencial para que o País cresça. O controle da inflação é fundamental. A propósito, quero lembrar que o Roberto Campos criou – no governo Castelo Branco – o BC independente, em que seu presidente teria mandato fixo e não coincidente com o do presidente da República. Mas aí colocou o Dênio Nogueira na sua presidência e usou todos os argumentos possíveis para convencer o sucessor de Castelo, o general Costa e Silva, a manter o Dênio. Não conseguiu. Como ele conta no seu livro A Lanterna na Popa, o sucessor lhe perguntou por que deveria manter o Dênio e o BC independente. “Porque ele é o guardião da moeda”, disse Campos. Eu presumo que Costa e Silva tenha batido no peito e dito: “O guardião da moeda sou eu!”. E a independência do BC foi jogada às urtigas e a diretoria toda demitida. Queriam, sim, interferir na política monetária. 

    Houve alguma época em que o Brasil praticou de fato o equilíbrio fiscal?

    Houve, e começou em 2002. Quando ocorreu o Plano Real, o BC emitia moeda para financiar déficits – e a dívida pública já era muito alta. O FHC e o Pedro Malan, ministro da Fazenda, compreenderam isso e decidiram criar aquele regime do “tripé da política econômica”. Metas de inflação e metas de superávit primário de modo a estabilizar ou reduzir a relação dívida/PIB. Eles cumpriram isso, mas não para o controle dos gastos. 

    E aí vieram os aumentos de impostos

    Sim, aumento de impostos. E isso tem um custo econômico, pois, a cada imposto ou alíquota que você cria, prejudica a eficiência econômica e reduz o crescimento. Aquele regime de metas durou até 2014. Aí a Dilma decidiu sair do regime de superávit primário, gastou e gerou déficits. Resultado: o Brasil, já promovido a grau de investimento, perdeu essa classificação em 2015. 

    É possível fazer hoje uma projeção do crescimento da economia mundial?

    Você não tem uma resposta para isso. Você nunca viveu antes uma pandemia. O que sabemos, e é muito pouco, é que a pandemia atua do lado da oferta e do lado da procura. Da oferta, botou todo mundo em casa, impediu fábricas de funcionar, mexeu na demanda e na oferta. Nos modelos econômicos, esse fenômeno não é conhecido por ninguém. 

    Tem algum caminho para que o País possa voltar a crescer?

    Para isso precisamos de duas coisas. Uma, a vacinação eficaz, rápida, pra que se possa voltar ao mais próximo possível de uma vida normal. A segunda coisa: precisamos de estímulos econômicos. Mas estamos falhando na vacinação e, com o desequilíbrio fiscal que temos, não podemos pensar num pacote fiscal como o dos Estados Unidos. Eles chegaram a US$ 1,9 trilhão, 10% do PIB. Podem fazer isso porque não têm o problema da sustentabilidade da dívida.

    Mas que medidas deveriam ser tomadas no curto prazo?

    Vacinar, vacinar. Mas o presidente e o ministro da Saúde foram negligentes, negacionistas nessa questão da vacina. A segunda coisa a fazer é tomar cuidado com a política fiscal. E mais: é impossível, com desemprego alto e a distribuição de renda assimétrica que temos, não ter uma ajuda emergencial para as pessoas atingidas.

    Qual a possibilidade de uma CPMF digital? O governo brasileiro jamais conseguiu, na sua história, cortar custos. 

    Fizemos a reforma da Previdência. Ela cortou. E precisamos de uma reforma administrativa. Ela também corta. Quanto à uma nova CPMF, a única vantagem é que é fácil de recolher. Mas é injusta, impopular. O que precisamos é de um consenso político. Para isso, no entanto, se precisa de uma liderança política. Coisa que o nosso presidente, infelizmente, não tem.

    Não tem, de fato.

    Ele perde as estribeiras, xinga as pessoas, diz que é preciso ser macho para enfrentar a pandemia... As coisas não se resolvem com essas bravatas. Resolvem-se com planejamento, articulação política, diagnóstico. É como o médico. Médico não sai dando remédio ao paciente a torto e a direito, primeiro faz um diagnóstico da doença. E só depois começa a executar. 

    Existe alguma brecha, algo que possa trazer um alento ao País? O excesso de liquidez, o capital procurando algum lugar para aterrissar...

    Eu preparei um trabalho pegando 20 países emergentes, o Brasil entre eles. Há uma arrogância de gente afirmando que essa liquidez só pode vir para um lugar, o Brasil... Ela foi provocada pelos Estados Unidos, que em maio de 2020 baixaram os juros a zero e compraram US$ 2,5 trilhões em títulos públicos. Pois eu acompanhei a taxa de câmbio do Brasil e a desses emergentes, que – com exceção de Turquia e África do Sul – seguiram o dólar. Aí, o dólar enfraqueceu, eles se fortaleceram. O real só se depreciou de lá para cá. E tem capital que está saindo daqui. Para onde? Para outros países emergentes.

    E o que isso significa?

    Estamos vivendo com um real fraco, hoje em torno de R$ 5,40 (por dólar). Isso reflete a percepção de risco da nossa economia. E qual é a origem desse risco? É o fato de termos uma política fiscal completamente aleatória e errada. Se consertarmos, não tenho dúvida de que esses capitais vão voltar, comprando ações, imóveis. O que exige coordenação política e liderança – mas estamos bem longe disso. 

    Em suma, temos um quadro com o mundo se recuperando aos poucos e o Brasil ficando para trás?

    Há alguns dias o FMI publicou umas projeções de crescimento. Na China, o PIB caiu só por um trimestre e agora eles crescem. Ainda na Ásia, você olha para Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, aquela área ganhou de 10 a 0 dos Estados Unidos. Neste ano, veio o Joe Biden, com uma visão a favor de um apoio fiscal, ‘tá’ fazendo um impulso enorme. A Europa, liderada pela Angela Merkel, aprovou um pacote de investimentos para aumentar a produtividade dos menos desenvolvidos, como Polônia, Espanha, Itália. A América Latina está atrasada em relação ao resto do planeta, e o Brasil junto com ela. 

    O que o sr. considera relevante aí pela frente, para dizer aos mercados financeiros e para o governo?

    Em um livro que estou acabando de ler, Radical Uncertainty, os autores, Mervyn King (ex-BC americano) e John Kay, tratam da incerteza. A pandemia, tipicamente, foi uma incerteza radical. Os empresários aceitam o desafio da incerteza. Mas eles têm de sair da casca e começar a gritar no plano político.

    Não estão começando a fazer isso?

    Vejo hoje uma retração como nunca vi antes. O sujeito escreve um artigo dizendo “olha, não chacoalha muito, um dia o Bolsonaro vai embora...” O empresariado tem de se posicionar, olhar para o futuro do País. Não só o dele, o da empresa. Acho que é preciso um pouco mais de proatividade no campo político para que a gente construa um País melhor. A superação do desafio não vem sozinha.


    *DIRETOR DO DEPTO. DE ECONOMIA DA USP, FOI PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL (1983-85) E SECRETÁRIO DA FAZENDA DE SP (1979-83). É SÓCIO-FUNDADOR DA A.C.PASTORE & ASSOCIADOS.


    quinta-feira, 19 de novembro de 2020

    Affonso Celso Pastore: "Quando há um governo de má qualidade, é preciso impor a restrição fiscal de fora pra dentro" - Estadão

     Affonso Celso Pastore não tem medo de colocar o dedo na ferida: se os políticos e o governo central não fizerem o dever de casa, urgentemente, em 2021 o Brasil caminhará rápido para um "buraco negro" fiscal, com consequências imprevisíveis em várias áreas.

    Paulo Roberto de Almeida

    ‘QUANDO HÁ UM GOVERNO DE MÁ QUALIDADE, É PRECISO IMPOR A RESTRIÇÃO FISCAL DE FORA PRA DENTRO’

    Entrevista: Affonso Celso Pastore

    Segundo o ex-presidente do Banco Central, para evitar uma crise completa nas contas públicas, será preciso uma reforma administrativa que pegue todo mundo e uma reforma tributária que acabe com as distorções; a dúvida é se o governo tem coragem para articular isso com o Congresso

    Adriana Fernandes

    O Estado de S. Paulo, 19 de novembro de 2020

    Para o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, um dos economistas mais respeitados do País, o Brasil não vai conseguir andar muitos metros se não resolver urgentemente a questão das contas públicas. O País chega ao final deste ano com uma dívida próxima a 100% do PIB, após gastos bilionários para conter os efeitos da pandemia da covid-19. E as perspectivas não são boas – a projeção, segundo Pastore, é continuar crescendo até pelo menos 2028 ou 2029, quando chegaria a 110% do PIB. Em resumo, uma grande crise fiscal.

    Para o economista, não há outra solução para esse problema que não seja fazer uma transferência de renda cortando gastos – ou seja, deixar de gastar com benefícios a servidores e subsídios ineficientes para que sobrem recursos. Para isso, é preciso que as reformas estruturais, como a tributária e a administrativa, saiam do papel. Mas o seu grande temor é que nada disso aconteça – e, pelo contrário, o governo simplesmente eleve os gastos, por conta das pressões que devem vir no ano que vem.

    Pastore, colunista do Estadão, inaugura a série de entrevistas que vão discutir saídas para a crise fiscal que ronda o País.  


    ● Qual tem sido o impacto da pandemia da covid-19 para a economia brasileira?

    A pandemia pegou o Brasil numa situação fiscal muito frágil. O Brasil, como todos os países, teve de gastar e gerou um déficit primário (despesas superiores às receitas) que levou a dívida para próximo de 100% do PIB. Isso é uma restrição importante ao crescimento econômico. Não podemos fugir de fazer um ajuste fiscal sério, e a pandemia ainda não terminou. O País entrou em uma recessão, curta, e agora estamos saindo dela. 


    ● Está em curso uma recuperação rápida?

    Não tenho dúvida de que foi rápida, mas a questão aqui não é o ano de 2020, mas o de 2021. A recuperação foi rápida porque se desligou a economia, a máquina parou e depois foi ligando de novo e voltou a funcionar. Só que nos três anos anteriores o Brasil crescia a 1% ao ano e a perspectiva que temos para 2021 é de um crescimento muito lento. Se é que vamos ter algum. Se tirar o “carry over” (efeito estatístico pelo qual o nível de atividade de um ano passa para o seguinte), que pode ser de 2,5%, 3%, a perspectiva para 2021 é de uma economia estagnada.

    ● Pode, na prática, não ter crescimento em 2021?

    Se tiver crescimento, é muito pequeno. Olhando hoje o cenário é muito mais na direção de ter uma economia parada ao longo de 2021. O auxílio emergencial foi fundamental para fazer a recuperação rápida. Pegou 66 milhões de pessoas, garantiu a renda delas, que compraram bens. O lado positivo é que a recuperação foi rápida. O lado negativo é que isso levou a dívida pública para perto de 100% e gerou um problema fiscal que herdamos de 2020 e 2021. Mesmo cumprindo o teto de gastos (regra prevista na Constituição que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), ela ainda vai crescer até 2028, 2029, quando vai chegar perto de 110% do PIB.  


    ● Quais serão as consequências desse cenário?

    Uma dívida muito maior e com uma dinâmica muito pior. Subiu o prêmio de risco dos títulos públicos. Isso torna a administração da dívida mais difícil, aumenta a incerteza, o que reduz investimento em capital fixo (edifícios, máquinas e equipamentos) e o crescimento do PIB potencial (a capacidade de produção de uma economia utilizando todos os recursos disponíveis, sem pressionar a inflação). Gera também uma depreciação cambial (aumento do dólar), na qual o câmbio fica muito acima da taxa de equilíbrio.


    ● A vitória do Joe Biden nas eleições americanas melhorou os indicadores. O que pode se esperar?

    A eleição de Biden ajuda.  Mas nosso problema não é bem internacional. É doméstico. Com toda a ajuda internacional advinda da vitória de Biden, se o Brasil não resolver o seu problema doméstico, não vai andar muitos metros. Refluiu um pouco por causa da euforia com a eleição do Biden. Mas é um movimento transitório. Não é permanente. Para botar o câmbio de novo num nível mais forte, menos depreciado, tem que tirar o risco fiscal, garantir que essa trajetória  seja sustentável. Para isso, é preciso uma âncora fiscal. A âncora que existe hoje é do teto de gastos. O governo tem um dilema que é voltar para o teto de gastos ainda que a pandemia continue.  Se não mantiver o teto, o prêmio de risco vai depreciar mais o real e alta do dólar acaba migrando para os preços domésticos e produzindo subida de inflação, que em certo sentido já vem ocorrendo.


    ● Esse movimento, que seria transitório, dá um tempo maior para o Banco Central?

    O BC não tem de agir agora. Roda o filme para frente. Se o câmbio para de depreciar ou valoriza, não tem problema de inflação. Agora, desde o começo do ano, ele não parou de depreciar porque existem dúvidas sobre a ancoragem fiscal. O problema não é do BC. É do Ministério da Economia e do governo. Eles têm de enfrentar para que o País saia dessa armadilha fiscal na qual estamos. Se sairmos, o câmbio talvez até valorize e esses sinais de inflação que estão começando a acontecer murcham. O BC não teria de subir os juros. Mas, se ficar validada uma certa teoria que existe dentro do governo, principalmente de alguns ministros, de que deveria aumentar gasto...


    ● Qual a saída para se evitar a crise fiscal?

    Fazer uma transferência de renda cortando gastos. Não significa aumentar gastos. Se o governo fizer reformas que economiza outros gastos e, com isso, transferir renda para quem estiver desempregado, não é um erro. É remanejamento de gastos.


    ● Não poderia haver um ajuste no teto, um meio termo? Uma flexibilização transparente do teto para permitir mais investimento ao mesmo tempo em que são feitas as reformas, como defendeu o economista Armínio Fraga em entrevista ao “Estadão”?

    O Armínio é um sujeito respeitável, mas eu discordo do que ele está dizendo. Se tivéssemos um governo com uma agenda de reformas, que tivesse enfrentando seriamente, corrigindo as distorções que existem no Brasil com um programa bem feito, talvez aquilo que o Armínio está propondo funcione. Agora, nós não temos um governo com essa qualidade. Eu discordo do Armínio porque ele está supondo que nós temos um governo.  A minha hipótese é que temos um governo muito fraco. Um presidente da República que não tem um programa. Um ministro da Economia que não tem um programa e vários outros ministros gastadores que têm programas demais. E em vez de pensar em resolver o problema do País, o nosso presidente pensa na sua eleição em 2022 para manter a sua popularidade. Isso faz que o esquema proposto pelo Armínio não tenha qualquer chance de frutificar e dar bom resultado.


    ● Por quê?

    Quando há um governo de má qualidade, é preciso impor a esse governo a restrição fiscal de fora para dentro. Essa restrição está implantada na Constituição. Se esse governo resolver mudar de roupagem, de ideologia, de forma de pensar sobre o Brasil e disser “não, desculpe, eu cometi um erro, vou sim fazer uma reforma administrativa dura, que pega os funcionários atuais e os que vão entrar” e, com isso, abrir espaço no teto para fazer transferência para as famílias de renda mais básica, eu retiro as minhas críticas. Mas o que eu estou vendo esse governo fazer não é isso. O que se discute é uma forma de flexibilizar o teto para, no fundo, continuar gastando. Um País que já gastou tudo que podia gastar. Nas condições de governo que temos, não podemos deixar de exigir que se mantenha a âncora fiscal.

    ● Há risco de o governo tentar segurar a inflação com intervenção maior no câmbio?

    A única coisa que eu digo é: o risco é fiscal. Ele se manifesta nos mercados. Ou ele se manifesta no mercado de juros, e se manifestou e inclinou a curva, ou se manifesta no mercado de câmbio, e se manifestou e depreciou (o real). Se intervier no mercado de juros achatando a curva de juros, não elimina o risco. O risco vai para o câmbio e aumenta a pressão sobre o câmbio. Se intervier no mercado de câmbio e evitar uma depreciação, o risco não foi eliminado, ele migra para o mercado de juros. Você não escapa. Não tem capacidade se segurar esse câmbio.


    ● O ambiente político, com uma disputa ferrenha pela eleição da Câmara, atrapalha?

    No passado, tínhamos uma coisa que se chamava presidencialismo de coalizão. Ela existiu no governo FHC, quando tinha três partidos, o PMDB, PSDB e PFL, que fizeram um acordo prévio. A reeleição foi um erro que trouxe consequências. Depois, tivemos a derrubada da cláusula de  barreira pelo Supremo (exigência para que partidos atinjam desempenho mínimo na votação para continuar tendo direito à propaganda gratuita e ao fundo partidário). De lá para cá, liquidou-se com a possibilidade de ter um presidencialismo de coalizão. A pulverização partidária aumentou e hoje temos vinte e poucos partidos e o governo tem de fazer uma coalizão em torno de interesses pessoais e de facções dos partidos. O que estou fazendo é uma crítica direta ao Centrão, que dá suporte o presidente no Congresso. O Centrão não é um grande partido de centro, mas uma coalizão de partidos fisiológicos que só aprovam à custa de transferência de renda para o seu Estado, uma determinada estatal, o que no fundo torna extremamente difícil fazer reformas que cortem gastos.


    ● Mas o presidente também não mostra disposição de perder a popularidade com medidas duras de corte de gastos…

    Não, não tem da parte do presidente simpatia por um modelo que produz mais austeridade fiscal. E não há da parte do Congresso o desprendimento de saber que o Brasil precisa de apoio. Numa situação como esta, vamos chegar ao fim deste ano com desemprego em 16%. É só fazer conta. Não é o pico. No começo de 2021, vai subir ainda mais. Vira o ano com zero de ajuda emergencial para os 66 milhões que recebiam e um desemprego de 16%. Olha a pressão que vem para aumentar gasto!


    ● Como se responde a essa pressão?

    Fazer uma transferência de renda cortando gastos. Não significa aumentar gastos. Se o governo fizer reformas que economiza outros gastos e, com isso, transferir renda para quem estiver desempregado, não é um erro. É remanejamento de gastos.


    ● Há um movimento nessa direção?

    Não. Então, vemos pressão sobre o câmbio, inflação e o coitado do BC tendo de conviver com esse tipo de dilema.


    ● O BC vai responder como?

    Já vimos algumas reações. Estamos vendo o Roberto Campos Neto (presidente do BC) lutando e conseguindo uma vitória importante quando convenceu o Davi Alcolumbre  (presidente do Senado) a votar a autonomia do BC. Ele tem de ter autonomia. Ele pode mexer na taxa de juros à vontade, mas se o presidente quiser demitir o presidente do BC , ele põe alguém mais dócil e está tudo feito. O BC sabe que corre o risco de subir juros. Se ele não tiver as condições adequadas e o câmbio começar a depreciar, vai ser compelido a subir. Se ele subir a taxa, precisa ter independência política. Se a parte fiscal falhar, o risco de subir é muito alto.


    ● O presidente do BC estaria, então, se preparando, com a autonomia, para pressões futuras no caso de ter de subir os juros?

    Isso. Ele jamais vai confessar. Se eu estivesse no lugar dele, estaria fazendo a mesma coisa.


    ● Há condições de avançar até final do ano a votação das propostas econômicas?

    Eu gostaria que pelo menos a PEC emergencial (com medidas de cortes de despesas, principalmente relacionadas a servidores) fosse aprovada até o final do ano. Não tenho esperança que saia a reforma tributária, administração, nada disso.


    ● Como a economia do Brasil entra 2021?

    Entra com muita incerteza, entra com investimento lá embaixo, economia andando de lado, pressão sobre o câmbio e o risco da inflação subir em 2021. É um cenário muito feio.


    ● A equipe econômica do ministro Paulo Guedes está negando essa visão?

    Não consigo ver uma estratégia que faça sentido para resolver o problema. Não sei o que eles estão querendo ganhar de tempo. Mas sou crítico à forma como estão conduzindo a situação. Ela vem falhando muito na concepção da agenda de reformas e está com timing e  objetivos errados.


    ● O que pode ajudar a melhorar a economia?

    Uma reforma administrativa bem feita que abranja tudo e uma reforma tributária que tire as distorções, a PEC 45 (proposta de reforma tributária que tramita na Câmara). Essas duas coisas ajudam muito.


    ● Há risco de dominância fiscal?

    É uma situação na qual, devido à expansão fiscal muito forte, a eficácia da política monetária desaparece. A capacidade da política monetária controlar a inflação,  no limite, pode até desaparecer. Se o governo ficar preso ao teto, não vejo esse risco. Vejo a potência da política se mantendo e a capacidade de o BC controlar a inflação. Mas, se abandonar e furar o teto, aí sem dúvida ficamos sujeitos à dominância fiscal.


    domingo, 18 de outubro de 2020

    'A solvência do governo está em risco' - Affonso Celso Pastore (OESP)

    'A solvência do governo está em risco'

      Affonso Celso Pastore, economista, ex-presidente do BC

      O Estado de S. Paulo16/10/2020


      Ex-presidente do Banco Central, o economista Affonso Celso Pastore avalia que a forte concentração de vencimentos de títulos do Tesouro Nacional no início de 2021 é um problema "seriíssimo" de administração da dívida pública.

      Ao Estadão, Pastore diz que o presidente Jair Bolsonaro, senadores e deputados têm feito "ouvidos moucos" aos riscos fiscais para a economia.

      l O que está acontecendo no mercado de dívida? A percepção de risco de solvência do governo piorou enormemente. No ano passado, a dívida bruta fechou em 78% do PIB. Ela vai fechar esse ano perto de 100%. O déficit primário vai ser 15% do PIB e o governo vai colocar uns 15% a mais de dívida. E o Tesouro tem de rolar toda a dívida que está vencendo. Como o risco de solvência aumentou, o mercado demanda um prêmio muito alto para comprar os papéis. Quanto mais longo, mais alto o risco.

      Para não aumentar mais o custo e piorar a dinâmica da dívida, o Tesouro está optando por trocar por títulos com vencimentos mais curtos, reduzindo ainda mais o prazo médio de vencimentos.

      l Mas o mercado está demandando cada vez mais prêmios? O mercado está demandando prêmios porque o risco de insolvência do governo cresceu.

      Se ele tivesse colocando títulos com prazos longos, estaria subindo o custo médio da dívida. A opção que fez foi de encurtar o prazo médio da dívida. O prazo médio já vinha encurtando desde que o País perdeu o grau de investimento. Nós já tivemos épocas que a dívida era rolada no overnight (aplicações financeiras de curtíssimo prazo). Lá nas calendas gregas, há muitos anos. Só que aquela dívida era de 30%, 40%. Não de 100%.

      l Por que integrantes do governo e do Congresso não acreditam no que está acontecendo? Nós tentamos explicar, eu tento, todo mundo tenta. Mas eles teimam em não entender.

      Fazem ouvidos moucos. Não estou falando do Tesouro, do BC. Esses sabem. Estou falando dos senadores, dos deputados e do presidente da República, que absolutamente não entendem o problema.

      l Falta uma estratégia de comunicação de saída dessa crise? Além da estratégia de comunicação, falta uma estratégia econômica que até hoje o ministro Paulo Guedes não explicitou qual é.



      domingo, 16 de agosto de 2020

      Irresponsabilidade fiscal no governo Bolsonaro - Affonso Celso Pastore

      A irresponsabilidade fiscal e o 'efeito Thaler'
      Affonso Celso Pastore
      O Estado de S. Paulo, 16/08/2020

      (O) plano inicial do governo Bolsonaro era sustentado por duas estacas: satisfazer seus eleitores mais fiéis com o discurso típico da direita populista que assumiu o poder em muitos países e, para garantir a sua reeleição, executar algumas reformas que mantivessem, nos últimos anos do primeiro mandato, a inflação baixa e o crescimento econômico elevado. Vem mantendo a primeira estaca, mas além da aprovação da reforma da Previdência a sua equipe econômica nunca foi além de manifestar intenções, algumas boas, e outras péssimas.
      Seguíamos este caminho quando chegou a pandemia. Como manter a popularidade diante de uma crise sanitária que acarreta grandes custos econômicos? Governos que dão valor ávida humana optaram por um rígido lockdown seguido de uma testagem com ampla cobertura para abrir controladamente a economia. Buscavam, ao mesmo tempo, poupar vidas e reduzir os danos econômicos. Porém, com pouco apreço à vida humana Bolsonaro optou pela negação do problema sanitário, conspirando contra o afastamento social. A intensidade da negação não derrotou a pandemia, e ele foi forçado a enfrentar consequências fiscais, dentre as quais estava uma ajuda emergencial a dezenas de milhões de brasileiros próximos da linha da pobreza.
      Para sua surpresa, o que inicialmente foi percebido como um custo transformou-se em um ganho político. Aajuda emergencial aumentou a sua popularidade, animando-o a iniciar viagens pelo País, dando os primeiros passos na campanha para sua reeleição. Mas o que ocorrerá quando terminarem as transferências?
      Uma das contribuições de Richard Thaler, o ganhador do Nobel de Economia em 2017, foi revelar que as pessoas são muito mais afetadas por perdas inesperadas do que por ganhos inesperados. Se ele estiver certo, e não tenho dúvidas de que esteja, quando a ajuda emergencial terminar, a frustração da perda por parte dos beneficiados será maior do que a satisfação decorrente do ganho inesperado, provocando uma queda da popularidade de Bolsonaro que, por sua vez, sentirá um custo dessa perda bem maior do que o benefício do ganho, que já terá ido embora.
      Como é tarde para desfazer o erro no combate à pandemia, ele será tentado a: encontrar um substituto da ajuda emergencial que sustente sua popularidade e encontrar razões para flexibilizar o teto de gastos, estimulando o crescimento. Provavelmente proporá um programa de renda mínima, mas não tenho esperanças de que alcançará objetivos socialmente desejáveis como o de eliminar a pobreza extrema, e que ao mesmo tempo seja fiscalmente neutro. Para livrar-se do "efeito Thaler", sustentando sua popularidade junto aos menos favorecidos, precisa de algo próximo à extensão da ajuda emergencial, que seria o "cavalo de Troia" usado para derrotar os argumentos em defesa do teto de gastos. Na sequência viria o que para ele é mais importante: a aprovação de um programa de investimentos em infraestrutura com recursos do governo federal, também fora do teto de gastos.
      Os erros cometidos nos últimos anos no campo da infraestrutura nos convenceram que com leilões competitivos e uma regulação eficiente, os investimentos realizados pelo setor privado através de concessões geram retornos sociais muito mais elevados do que os realizados diretamente pelo governo. Se o governo estiver em busca da eficiência, e não de ganhos políticos, poderemos manter o compromisso com o teto de gastos e reduzir os prêmios de risco, preservando a capacidade do mercado de capitais financiar os investimentos a taxas de juros baixas, sem precisar da ajuda do governo.
      Porém, o que o Bolsonaro busca não é maximizar os retornos sociais, e sim consolidar alianças que o ajudem atingir seu objetivo: a reeleição. Se, de um lado, terá que enfrentar a resistência à flexibilização do teto de gastos por parte de alguns deputados e senadores, contará com a influência sobre os congressistas exercida por governadores aos quais serão oferecidos alguns dos projetos de infraestrutura com recursos federais, incentivando-os a pressionar em favor de mais gastos.
      A sociedade tem que se mobilizar pressionando os congressistas para que se busquem retornos sociais elevados e o respeito ao teto de gastos, caso contrário viveremos uma versão mambembe da malfadada saga de que "gasto é vida".
      EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

      domingo, 5 de janeiro de 2020

      Affonso Celso Pastore: As razões da recuperação (OESP)

      O otimismo ao final de 2019
      Affonso Celso Pastore
      01:26:42 | 05/01/2020 | Economia | O Estado de S. Paulo | Affonso Celso Pastore | BR

      De onde vem o otimismo que ao final de 2019 levou o Ibovespa a mais de 110 mil pontos? Em parte, isto se deve à expectativa de que a taxa de crescimento em 2020 será em torno de duas vezes superior à de 2019, mas há outra razão mais importante que é a mudança na composição das carteiras de ativos provocada pela percepção de que há uma queda permanente da taxa real de juros de curto e de longo prazo. Não é uma mudança que eleva apenas os retornos esperados nos investimentos em ações e em ativos reais. Provoca, também, efeitos significativos sobre a recuperação da economia.
      Para entender de que forma ocorrem os "efeitos reais" tomemos o exemplo de grandes investidores institucionais, como são os fundo de pensão. Quando as NTN-B de 10 anos rendiam em torno de 8% ao ano cobriam com folga os seus compromissos atuariais, o que permitia que seus gestores mantivessem 100% dos investimentos alocados nesse ativo. Agora que as NTN-B rendem apenas 3% ao ano não mais cobrem seus compromissos, forçando-os a elevar a proporção de ações nas suas carteiras de ativos. A consequência é um aumento significativo da demanda de ações, contribuindo para a melhora das perspectivas de sucesso em ofertas públicas iniciais abrindo o caminho para que muitas empresas elevem sua capitalização e melhorem sua governança, beneficiando a economia como um todo.
      Importante, também, é o benefício aos investimentos na construção civil.
      Taxas reais de juros mais baixas elevam os preços dos imóveis melhorando a expectativa de retorno nos investimentos na construção, e os juros reais mais baixos reduzem o custo dos financiamentos tanto durante a construção quanto para os compradores dos imóveis. Há ao mesmo tempo estímulos à oferta e à demanda de imóveis.
      Finalmente, a portabilidade dos financiamentos permite que o comprador refinancie em outro banco, a taxas de juros mais baixas, o imóvel anteriormente adquirido, com a competição entre os bancos forçando a queda da taxa de juros em novos financiamentos.
      A construção civil já havia sido beneficiada quando através da MP, posteriormente transformada em Lei, o governo anterior disciplinou os distratos na compra de imóveis. Anteriormente, quando o comprador de um apartamento desistia do imóvel o construtor era obrigado a devolver todas as prestações acrescidas dos juros.
      Para o comprador tudo funcionava como se tivesse feito um investimento em renda fixa no qual além da garantia da plena de devolução do principal e juros ganhava de graça a "opção" de trocar tal investimento por um apartamento. Nenhum banco poderia competir com esta vantagem. Porém como o custo do distrato recaia integralmente sobe o construtor havia um desestímulo à construção civil.
      Era introduzido na construção civil um enorme risco, e esta foi uma das razões pelas quais o setor foi extremamente afetado durante a recessão de 2014 a 2016. A queda permanente da taxa real de juros se somou ao estímulo vindo da eliminação deste risco, e muda radicalmente as perspectivas deste setor em 2020 e nos próximos anos.
      Não se deve ter a ilusão de que estes fatores produzirão um salto instantâneo e forte na formação bruta de capital fixo, da qual um pouco acima de 45% se refere à construção civil, metade do qual cabe aos investimentos em infraestrutura. Primeiro, porque embora as percepções de mudança alterem instantaneamente os preços dos ativos, somente afetam o lado real da economia com defasagens longas. Segundo, porque estamos falando de apenas uma fração da formação bruta de capital fixo, da qual mais de 50% depende das compras de máquinas e equipamentos por parte da indústria, que continua deprimida. Na construção civil, contudo, os últimos dados do PIB já evidenciaram sinais de reação, e o Caged indica que a contratação líquida de trabalhadores com carteira assinada no setor vem aumentando, embora em intensidade baixa relativamente ao que ocorre no comércio e no setor de serviços. Finalmente, embora restritos a São Paulo os dados do Secovi mostram uma significativa elevação dos lançamentos e das vendas de imóveis.
      Estamos longe de comemorar o início de um ciclo de crescimento sustentável. São apenas indicadores de uma sólida recuperação cíclica, que para se transformar em crescimento sustentável requer reformas que elevem a eficiência produtiva da economia. Mas pelo menos nos dá o alento de que a política monetária vem cumprindo o seu papel.
      ] EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.
      ESCREVE QUINZENALMENTE

      domingo, 7 de outubro de 2018

      Affonso Celso Pastore: a agenda economica incontornavel (OESP)


      O que nos espera depois das eleições?
      Não há saída: novo governo terá de buscar apoio para aprovar as reformas
      Affonso Celso Pastore
      O Estado de S. Paulo, 7 Outubro 2018 | 05h00

      Se os partidos de centro tivessem se unido em torno da ética e da integridade, repudiando abertamente o estilo corrupto e não democrático do PT, talvez tivessem um candidato no segundo turno das eleições. A valorização do real na última semana – algo que era esperado se o centro político estivesse no segundo turno – deve-se menos à confiança na capacidade de
      Bolsonaro, e mais à queda da probabilidade do desastre de um novo governo do PT. Com a vitória do PT, seria praticamente impossível escapar da dominância fiscal, mas por causa da polarização política, que reduz o apoio à aprovação de medidas para a consolidação fiscal, corre-se o risco de que isso ocorra qualquer que seja o governo eleito. 
      Ao contrário de um ataque especulativo sobre as reservas em um país com câmbio fixo, como no Brasil em 1999, que se assemelha a um ataque cardíaco, a dominância fiscal é uma doença degenerativa. Com o governo incapacitado de controlar os gastos públicos através de reformas que levem aos superávits primários necessários, a dívida pública manterá um crescimento insustentável, elevando o risco de insolvência do setor público, acarretando várias consequências.
      Diante do aumento de riscos, os estrangeiros vendem parte de sua posição de títulos públicos, remetendo dinheiro ao exterior, o que deprecia o real e eleva a inflação, obrigando o Banco Central a aumentar a taxa de juros, que se eleva em relação à taxa de crescimento econômico. Assim, o aperto monetário acelera o crescimento da relação dívida/PIB, aumentando o risco de insolvência, provocando nova saída de capitais, depreciando ainda mais o real e elevando a inflação, fechando-se um círculo vicioso. 
      Se o BC se submeter ao Tesouro financiará parte dos déficits públicos emitindo moeda, como recentemente foi feito – com fracasso estrondoso – pela Argentina. Por algum tempo a estratégia pode enganar os incautos, mas, ao final, o Tesouro será forçado a vender mais títulos públicos, sendo empurrado para a “repressão financeira”. 
      Uma de suas formas é criar a obrigatoriedade de fundos de pensão, companhias de seguro ou mesmo bancos, manterem uma proporção mais elevada de títulos públicos em seus ativos. Cria-se uma demanda forçada que permite vender mais títulos a preços mais elevados (juros mais baixos), porém à custa da expulsão (crowding-out) dos investimentos privados. Outra forma que leva ao desastre, mas que tem enorme apelo entre os militantes da esquerda, são os controles de capitais. Investidores estrangeiros ou brasileiros passam a ser obrigados, caso queiram remeter os recursos ao exterior, a pagar um imposto (o IOF) tanto maior quanto mais elevada for a remessa. O Brasil e a América Latina têm larga experiência nessa prática que, sabemos, tem apenas efeito temporário. 
      Em todos esses casos a dominância fiscal se instala, minando progressivamente a saúde do organismo econômico, afugentando investimentos e reduzindo o crescimento econômico. Ao final, chega-se ao colapso da estratégia que, no entanto, pode demorar algum tempo. Atualmente, a tentação de seguir por esse caminho é maior devido ao nível muito elevado do “caixa único do Tesouro” deixado pelo atual governo, e à facilidade de cumprir a “regra de ouro” por causa do câmbio depreciado, permitindo ao próximo governo retardar o início da repressão financeira.
      O drama adquire coloração mais intensa porque o novo governo assumirá com a renda per capita dos brasileiros em torno de 10% inferior à que existia no início da atual ciclo, ao final de 2013, e com a taxa de desemprego perto de 12,5%, mas, excluindo os que trabalham por conta própria e os subempregados, ela supera 22%. É preciso voltar a crescer, e a “fórmula mágica” muito ao agrado de economistas heterodoxos (com apoio de alguns políticos “pragmáticos”) é o uso das reservas internacionais para financiar os investimentos. É um caminho que eleva ainda mais o risco, pressionando mais a taxa cambial e a inflação, aumentando a pressão para a repressão financeira. 
      Não há saída: o novo governo terá de buscar apoio para aprovar reformas politicamente custosas que levem à consolidação fiscal. Se falhar, criará um quadro cujas linhas gerais são as descritas neste artigo, variando apenas na intensidade. 

      * EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS