O que nos espera depois das eleições?
Não
há saída: novo governo terá de buscar apoio para aprovar as reformas
Affonso Celso Pastore
O Estado de S. Paulo, 7 Outubro 2018 | 05h00
Se os partidos de centro tivessem se unido
em torno da ética e da integridade, repudiando abertamente o estilo corrupto e
não democrático do PT, talvez tivessem um candidato no segundo turno das
eleições. A valorização do real na última semana – algo que era esperado se o
centro político estivesse no segundo turno – deve-se menos à confiança na
capacidade de
Bolsonaro, e mais à queda da probabilidade
do desastre de um novo governo do PT. Com a vitória do PT, seria praticamente
impossível escapar da dominância fiscal, mas por causa da polarização política,
que reduz o apoio à aprovação de medidas para a consolidação fiscal, corre-se o
risco de que isso ocorra qualquer que seja o governo eleito.
Ao contrário de um ataque especulativo
sobre as reservas em um país com câmbio fixo, como no Brasil em 1999, que se
assemelha a um ataque cardíaco, a dominância fiscal é uma doença degenerativa.
Com o governo incapacitado de controlar os gastos públicos através de reformas
que levem aos superávits primários necessários, a dívida pública manterá um
crescimento insustentável, elevando o risco de insolvência do setor público,
acarretando várias consequências.
Diante do aumento de riscos, os
estrangeiros vendem parte de sua posição de títulos públicos, remetendo
dinheiro ao exterior, o que deprecia o real e eleva a inflação, obrigando o
Banco Central a aumentar a taxa de juros, que se eleva em relação à taxa de
crescimento econômico. Assim, o aperto monetário acelera o crescimento da
relação dívida/PIB, aumentando o risco de insolvência, provocando nova saída de
capitais, depreciando ainda mais o real e elevando a inflação, fechando-se um
círculo vicioso.
Se o BC se submeter ao Tesouro financiará
parte dos déficits públicos emitindo moeda, como recentemente foi feito – com
fracasso estrondoso – pela Argentina. Por algum tempo a estratégia pode enganar
os incautos, mas, ao final, o Tesouro será forçado a vender mais títulos
públicos, sendo empurrado para a “repressão financeira”.
Uma de suas formas é criar a
obrigatoriedade de fundos de pensão, companhias de seguro ou mesmo bancos, manterem
uma proporção mais elevada de títulos públicos em seus ativos. Cria-se uma
demanda forçada que permite vender mais títulos a preços mais elevados (juros
mais baixos), porém à custa da expulsão (crowding-out) dos investimentos
privados. Outra forma que leva ao desastre, mas que tem enorme apelo entre os
militantes da esquerda, são os controles de capitais. Investidores estrangeiros
ou brasileiros passam a ser obrigados, caso queiram remeter os recursos ao
exterior, a pagar um imposto (o IOF) tanto maior quanto mais elevada for a
remessa. O Brasil e a América Latina têm larga experiência nessa prática que,
sabemos, tem apenas efeito temporário.
Em todos esses casos a dominância fiscal
se instala, minando progressivamente a saúde do organismo econômico,
afugentando investimentos e reduzindo o crescimento econômico. Ao final,
chega-se ao colapso da estratégia que, no entanto, pode demorar algum tempo.
Atualmente, a tentação de seguir por esse caminho é maior devido ao nível muito
elevado do “caixa único do Tesouro” deixado pelo atual governo, e à facilidade
de cumprir a “regra de ouro” por causa do câmbio depreciado, permitindo ao
próximo governo retardar o início da repressão financeira.
O drama adquire coloração mais intensa
porque o novo governo assumirá com a renda per capita dos brasileiros em torno
de 10% inferior à que existia no início da atual ciclo, ao final de 2013, e com
a taxa de desemprego perto de 12,5%, mas, excluindo os que trabalham por conta
própria e os subempregados, ela supera 22%. É preciso voltar a crescer, e a
“fórmula mágica” muito ao agrado de economistas heterodoxos (com apoio de
alguns políticos “pragmáticos”) é o uso das reservas internacionais para
financiar os investimentos. É um caminho que eleva ainda mais o risco, pressionando
mais a taxa cambial e a inflação, aumentando a pressão para a repressão
financeira.
Não há saída: o novo governo terá de
buscar apoio para aprovar reformas politicamente custosas que levem à
consolidação fiscal. Se falhar, criará um quadro cujas linhas gerais são as
descritas neste artigo, variando apenas na intensidade.
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO
DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS
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