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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Obituário e homenagem a Mauro Boianovsky, distinguido professor e pesquisador de história econômica; morte de Affonso Celso Pastore (FSP)

Recebido de Maurício David. Devo dizer que eu era amigo de Mauro e frequentemente eu lhe emprestava livros, retirados em meu nome, da biblioteca do Itamaraty, que ele não encontrava na biblioteca da UnB. A matéria da FSP,  mais abaixo, também traz homenagens ao economista Affonso Celso Pastore, com quem me correspondi no passado. (PRA)


Professor de Economia da UnB e referência no campo de História do Pensamento Econômico, Mauro Boianovsky faleceu nesta quarta-feira (21). 

OBITUÁRIO

MORRE MAURO BOIANOVSKY, PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNB

 

O professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Boianovsky morreu na manhã desta quarta-feira (21), aos 64 anos, em decorrência de câncer. Referência no campo de História do Pensamento Econômico, foi considerado um dos pesquisadores mais influentes do mundo, conforme lista elaborada pela Universidade de Stanford e pelo repositório de dados Elsevier em 2023.

Formado em Economia pela UnB, em 1979, Mauro fez mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e doutorado em Cambridge, na Inglaterra. Era professor titular na Universidade de Brasília, onde lecionava Teoria do Desenvolvimento Econômico, na graduação, e História do Pensamento Econômico na pós-graduação.

Com a morte de Mauro, o Brasil perde duas referências da área da economia no mesmo dia. Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, também morreu nesta quarta-feira.

Durante o doutorado, o professor fez uma tese sobre o pensamento do economista Knut Wicksell e aprendeu sueco para ler os textos originais. “Eu até brincava com o Mauro, comparando-o com Indiana Jones. O que ele fazia era ‘arqueologia econômica’: buscar os textos originais para colocar nuances que eram pouco conhecidas de economistas famosos”, diz José Luís Oreiro, professor de Economia da UnB e colega de Mauro. 

 

Além de ter sido professor na UnB, Mauro Boianovsky também foi presidente da History of Economics Society (HES), um dos mais respeitados fóruns de discussão econômica do mundo, em 2015, sendo o primeiro latino-americano a comandar o órgão. 

“Foi uma grande perda para a Universidade de Brasília e para a linha de pesquisa. Primeiro, porque é uma pessoa com notável conhecimento na área, uma das grandes referências do mundo. Ele era uma pessoa cuja publicação científica era muito importante para o programa de pós-graduação em Economia na Universidade de Brasília. E era especialista em um em um assunto que poucas pessoas têm domínio”, lamenta Oreiro. 

O vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Jorge Arbache, também lamentou o falecimento de Boianovsky. Em postagem no LinkedIn, o economista destacou que o professor era considerado “um dos mais brilhantes autores de todos os tempos” pelos seus pares na linha de pesquisa de História do Pensamento Econômico.

“A obra de Mauro foi imensa e intensa, e muito influente. Mauro recebeu os mais importantes prêmios nacionais e internacionais, era considerado pela academia de escola do pensamento econômico como um dos mais brilhantes autores de todos os tempos, ocupou os mais importantes cargos internacionais na área, e talvez possa ser considerado o economista brasileiro que mais prestígio e influência teve na sua respectiva área em nível internacional”. 

Publicado há poucas semanas atrás, o último artigo do professor, intitulado “Recollections of My Time at the History of Economics Society” (Lembranças do meu tempo na History of Economics Society), é um balanço da produção acadêmica, de sua atuação no órgão e uma espécie de despedida. 

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No arquivo anexo com a Folha de São Paulo de hoje, se poderá ler o material publicado pelo jornal paulista sobre o perfil intelectual do professor Boianovsky.

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Morre o economista Mauro Boianovsky, referência em história do pensamento econômico 

Acadêmico atuou até o ano passado como professor titular da UnB, lecionando a disciplina na qual se especializou. 

Júlia Moura

São Paulo

Morreu na madrugada desta quarta-feira (21) o economista Mauro Boianovsky, 64. Professor da UnB (Universidade de Brasília), ele era um dos principais teóricos sobre o pensamento econômico.

Boianovsky se formou em economia pela UnB e obteve mestrado na mesma área pela PUC do Rio de Janeiro (1989). Ele também era doutor em economia pela Universidade de Cambridge e PhD pela Universidade de Duke.

O economista atuou até o ano passado como professor titular da UnB, lecionando a disciplina história do pensamento econômico, assunto no qual se especializou. Também tinha experiência nas áreas de macroeconomia, teoria monetária, crescimento e desenvolvimento econômico e desemprego.

Boianovsky teve diversos trabalhos premiados. Em 2007, por exemplo, um artigo sobre a teoria econômica de Don Patinkin —economista monetário israelense— foi premiado pela History of Economics Society, entidade que reúne pesquisadores de diversos países, com foco nas discussões sobre a história do pensamento econômico.

Em 2011, ele foi laureado pela Anpec (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia) por um artigo acadêmico sobre Celso Furtado.

Quatro anos depois, foi eleito presidente da History of Economics Society para o mandato de um ano, sendo o primeiro latino-americano a chefiar o órgão, com sede nos Estados Unidos.

Boianovsky também escreveu diversos livros em parceria com colegas pesquisadores, como "Celso Furtado e os 60 anos de Formação Econômica do Brasil" e o mais recente, "A History of Brazilian Economic Thought".

O acadêmico estava com câncer no fígado em estágio avançado. Ele deixa dois filhos, Ilana e Daniel David e uma neta, Isabela. O sepultamento aconteceu às 16h30 desta quarta, no Cemitério Israelita de Brasília. Não houve velório.

 

Para o mestre, com carinho 

A verdade é que Affonso Pastore foi embora cedo, considerando tudo o que podia e queria compartilhar 

Alexandre Schwartsman 

Judeu, é doutor em economia (Universidade da Califórnia, Berkeley) e ex-diretor do Banco Central

Soube há pouco da morte do Affonso Pastore. Avisei algumas pessoas e várias me responderam, além da tristeza, com "falei com ele há uma semana", "teria reunião semana que vem" e assemelhados.

Apenas isto já seria uma homenagem ao mestre. 84 anos (estive nas comemorações dos 80) e ativo como nunca. Não só com clientes, mas nos presenteando semanalmente com sua análise clara e contundente.

Engraçado, nunca fui formalmente aluno dele. Fiz boa parte do curso à noite, e não posso reproduzir aqui o que ele disse certa vez sobre a possibilidade de ser escalado para o noturno.

Mas sou obviamente um discípulo. Sempre foi meu modelo como economista: rigoroso analiticamente, cuidadoso com dados e estatísticas; sincero como poucos.

E generoso! Comigo e com muitos outros. Quando me tornei consultor (supostamente concorrente, hahaha), não hesitou em me ajudar.

Não há espaço aqui para listar suas enormes contribuições à análise econômica. Recomendo 3 livros. Dele mesmo, "Inflação e Crises", uma história monetária do Brasil nos últimos 60 e tantos anos; "Erros do Passado: Soluções para o Futuro", uma revista aos temas de sua carreira.

E, claro, "A Economia com Rigor", coletânea em homenagem ao mestre organizado por Ilan Goldfajn e Fernando Dantas, um belo apanhado das contribuições do Pastore.

Tive a felicidade de tê-lo também como amigo. Jantamos nós quatro no final do ano passado. Estava bem, mais magro, alguma dificuldade para caminhar por conta de uma cirurgia. E lúcido, agudo e atento, com planos para o futuro!

A verdade é que foi embora cedo, considerando tudo o que podia e queria compartilhar. Vai fazer (já faz!) uma falta imensa.

Deixo aqui uns versos que me parecem apropriados.

"Naquela mesa está faltando ele/E a saudade dele está doendo em mim."

 

Affonso Pastore, um economista na periferia 

Ele era aplicado, enfatizava a evidência empírica, sabia teoria e produzia teoria 


Samuel Pessôa 

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Officy (JBFO). É doutor em economia pela USP​ 

Pastore pertence a uma tradição de profissionais de economia que nasceu com Eugênio Gudin e passou por Mário Henrique Simonsen e Delfim Netto. São profissionais formados no Brasil, que formaram muitas gerações de economistas, estudaram com cuidado a nossa economia e profissionalmente conciliaram vida na academia, no setor privado, no serviço público e mantiveram por anos colaboração regular na imprensa.

A contribuição intelectual de Pastore tinha duas características. Primeira, Pastore era um economista aplicado cujo foco eram problemas brasileiros. Se especializou por inflação pois era o problema que estava dado. Pastore, sem nenhuma pieguice, era patriota. Nosso subdesenvolvimento era o seu tema.

A segunda característica de Pastore era a ênfase na evidência empírica. Pastore olhava muito os dados e gastava muita energia levantando os dados. Sabia teoria e produzia teoria. Mas a ênfase era a empírica. A teoria organizava os dados. Mas a palavra final era da evidência empírica.

Há pelo menos três contribuições importantes de Pastore. Na tese de doutoramento ele testou a conjectura do pensamento estruturalista de que a oferta de bens agrícolas não respondia aos incentivos de preços. Acreditava-se que a concentração da propriedade da terra impedia que houvesse a resposta da oferta. Pastore mostrou que nada havia de diferente com a agricultura brasileira. Encontrou algum suporte para a tese estruturalista somente na região Nordeste.

Na sua tese de livre docência Pastore documenta —a partir de um levantamento de dados meticulosíssimo— que a desinflação que ocorreu nos primeiros anos da ditadura militar coincidiu com alteração na forma de financiamento do déficit público. Se na virada dos anos 1950 para os anos 1960 a expansão monetária financiava o déficit público, no período posterior ela financiava a acumulação de reservas. Havia relação entre a desinflação no período e a mudança do regime de política econômica.

Um trabalho inconcluso foi seu artigo teórico "Inflação e expectativas com a política monetária em uma regra de taxa de juros", publicado na Revista Brasileira de Economia em 1990.

Após a saída dos EUA da convertibilidade do dólar em ouro as economias passaram a operar em um regime de moeda fiduciária. Não valia mais o padrão ouro. Moeda era papel pintado. Qual era a governança de um regime monetário de moeda fiduciária? A resposta foi uma regra de fixação de juros em que os juros crescem a uma velocidade maior do que a diferença da inflação da meta inflacionária. Essa regra simples foi derivada por John Taylor. Pastore em seu artigo na RBE chegou perto de independentemente derivar a regra de Taylor. Faltaram duas linhas de álgebra.

Pastore estava sempre na fronteira do conhecimento olhando a teoria e os dados, preocupado com o futuro do país.