segunda-feira, 2 de julho de 2012

A morte do Mercosul (tal como o conhecemos...) - Paulo Roberto de Almeida


A morte do Mercosul (tal como o conhecemos...)

Paulo Roberto de Almeida

O que acabam de decidir, politicamente, três membros do Mercosul, Argentina, Brasil e Uruguai, reunidos em Mendoza, no dia 29 de junho de 2012, representa, nada mais, nada menos, do que a morte do Mercosul, tal como o conhecemos. E o pior é que ele não vai dormir em paz; não haverá RIP em sua tumba.
Com efeito, a eloquente retórica bolivariana do novo membro acolhido, também politicamente, pelos três, a Venezuela, vai preencher os espaços vazios de comércio do Mercosul, agora convertido em mero ajuntamento de vontades políticas, sem qualquer respeito pela letra e pelo espírito dos tratados constitutivos. Por outro lado, o novo governo paraguaio não vai deixar de apontar as ilegalidades jurídicas e a total falta de legitimidade intrínseca das duas medidas tomadas pelos outros três membros: a “suspensão” do Paraguai até a realização de novas eleições no país e a incorporação “plena” da Venezuela ao esquema.
De fato, ambas são claramente ilegais e ilegítimas, à luz dos acordos existentes, tanto pela forma quanto pela sua substância. Que a Unasul tenha seguido os três membros do Mercosul, na decisão de também “suspender” o Paraguai de suas “atividades”, não tem nenhuma importância substantiva, uma vez que essa organização se destina mais a fazer reuniões políticas do que tratar de integração regional, tal como registrado nos manuais.
Assim, pouco depois de completar 22 anos de uma existência feita de altos e baixos, talvez mais destes do que daqueles, o Mercosul acaba de ser ferido de morte pela mais perfeita demonstração de leviandade política de que se tem notícia em toda a sua história, aliás não muito brilhante. Como na América Latina – e um pouco em todo o sistema do multilateralismo contemporâneo – organismos nunca são declarados extintos, mesmo ultrapassadas e tornadas irrelevantes suas funções precípuas, o mais provável é que o Mercosul tampouco deixe de existir formalmente; ele vai continuar arrastando-se penosamente pelo futuro indefinido, sem qualquer papel relevante no terreno econômico e comercial, mas continuará servindo de palco para a retórica política de seus dirigentes.
Convém não esquecer, tampouco, que na mesma reunião de Mendoza, os três sócios aprovaram significativa elevação das alíquotas tarifárias autorizadas para cada membro – ou seja, não se trata sequer de uma medida conjunta, do bloco – o que confirma que o Mercosul se compraz no mais tosco protecionismo de que se tem notícia desde a lei Smoot-Hawley de 1930 e o festival de barreiras comerciais elevadas pelos demais países em sua sequência. Ainda que o Mercosul não represente uma grande parcela do comércio internacional – lembremos que o Brasil, saudado como a “sexta potência econômica mundial”, não faz mais do que 1,2% dos intercâmbios globais – se trata, ainda assim, de uma péssima demonstração de protecionismo vulgar, que não contribui em nada para realçar o prestígio do Mercosul, na região ou no mundo.
O mais importante, porém, é que, já fragilizado pela tolerância demonstrada pelo Brasil em face das crescentes arbitrariedades comerciais argentinas, o Mercosul acaba de ser enterrado, inconscientemente, pelos três sócios originais do bloco. A “adesão plena” de um quinto membro, na ausência forçada – e ilegal – do quarto participante original, apenas reforça o ambiente de descalabro jurídico ao qual foi remetido o Mercosul. Pode-se perguntar se os consultores jurídicos dos países membros foram substituídos por militantes partidários na tomada de decisão de tão graves e tão prejudiciais medidas acolhidas politicamente pelos dirigentes do bloco. Temo que o Mercosul não venha a se recuperar deste golpe.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2405, 2 julho 2012

2 comentários:

  1. Vamos ver se o CESPE vai ter a coragem de fazer perguntas relativas ao Mercosul nos proximos concursos do IRBr.... E se fizer, vamos ser obrigados a dizer que a entrada da Venezuela é um acontecimento histórico para a integração regional... É deprimente ser obrigado a escrever essas coisas!!

    ResponderExcluir
  2. Epitáfio ao Mercosul:

    "Fiz de mim o que não soube,
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dómino que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti,
    [e perdi-me."
    *Excerpto do poema "Tabacaria", de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernado Pessoa).

    Vale!

    ResponderExcluir

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.