A morte do Mercosul (tal como
o conhecemos...)
Paulo Roberto de Almeida
O que acabam de decidir,
politicamente, três membros do Mercosul, Argentina, Brasil e Uruguai, reunidos
em Mendoza, no dia 29 de junho de 2012, representa, nada mais, nada menos, do que
a morte do Mercosul, tal como o conhecemos. E o pior é que ele não vai dormir
em paz; não haverá RIP em sua tumba.
Com efeito, a eloquente
retórica bolivariana do novo membro acolhido, também politicamente, pelos três,
a Venezuela, vai preencher os espaços vazios de comércio do Mercosul, agora convertido
em mero ajuntamento de vontades políticas, sem qualquer respeito pela letra e
pelo espírito dos tratados constitutivos. Por outro lado, o novo governo
paraguaio não vai deixar de apontar as ilegalidades jurídicas e a total falta
de legitimidade intrínseca das duas medidas tomadas pelos outros três membros:
a “suspensão” do Paraguai até a realização de novas eleições no país e a
incorporação “plena” da Venezuela ao esquema.
De fato, ambas são
claramente ilegais e ilegítimas, à luz dos acordos existentes, tanto pela
forma quanto pela sua substância. Que a Unasul tenha seguido os três membros do
Mercosul, na decisão de também “suspender” o Paraguai de suas “atividades”, não
tem nenhuma importância substantiva, uma vez que essa organização se destina
mais a fazer reuniões políticas do que tratar de integração regional, tal como registrado
nos manuais.
Assim, pouco depois de
completar 22 anos de uma existência feita de altos e baixos, talvez mais destes
do que daqueles, o Mercosul acaba de ser ferido de morte pela mais perfeita
demonstração de leviandade política de que se tem notícia em toda a sua
história, aliás não muito brilhante. Como na América Latina – e um pouco em
todo o sistema do multilateralismo contemporâneo – organismos nunca são
declarados extintos, mesmo ultrapassadas e tornadas irrelevantes suas funções
precípuas, o mais provável é que o Mercosul tampouco deixe de existir
formalmente; ele vai continuar arrastando-se penosamente pelo futuro
indefinido, sem qualquer papel relevante no terreno econômico e comercial, mas
continuará servindo de palco para a retórica política de seus dirigentes.
Convém não esquecer,
tampouco, que na mesma reunião de Mendoza, os três sócios aprovaram
significativa elevação das alíquotas tarifárias autorizadas para cada membro –
ou seja, não se trata sequer de uma medida conjunta, do bloco – o que confirma
que o Mercosul se compraz no mais tosco protecionismo de que se tem notícia
desde a lei Smoot-Hawley de 1930 e o festival de barreiras comerciais elevadas
pelos demais países em sua sequência. Ainda que o Mercosul não represente uma
grande parcela do comércio internacional – lembremos que o Brasil, saudado como
a “sexta potência econômica mundial”, não faz mais do que 1,2% dos intercâmbios
globais – se trata, ainda assim, de uma péssima demonstração de protecionismo
vulgar, que não contribui em nada para realçar o prestígio do Mercosul, na
região ou no mundo.
O mais importante, porém,
é que, já fragilizado pela tolerância demonstrada pelo Brasil em face das
crescentes arbitrariedades comerciais argentinas, o Mercosul acaba de ser
enterrado, inconscientemente, pelos três sócios originais do bloco. A “adesão
plena” de um quinto membro, na ausência forçada – e ilegal – do quarto
participante original, apenas reforça o ambiente de descalabro jurídico ao qual
foi remetido o Mercosul. Pode-se perguntar se os consultores jurídicos dos
países membros foram substituídos por militantes partidários na tomada de decisão
de tão graves e tão prejudiciais medidas acolhidas politicamente pelos
dirigentes do bloco. Temo que o Mercosul não venha a se recuperar deste golpe.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2405, 2 julho 2012
Vamos ver se o CESPE vai ter a coragem de fazer perguntas relativas ao Mercosul nos proximos concursos do IRBr.... E se fizer, vamos ser obrigados a dizer que a entrada da Venezuela é um acontecimento histórico para a integração regional... É deprimente ser obrigado a escrever essas coisas!!
ResponderExcluirEpitáfio ao Mercosul:
ResponderExcluir"Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dómino que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti,
[e perdi-me."
*Excerpto do poema "Tabacaria", de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernado Pessoa).
Vale!