As lições de Tia Dilma
Em seus comentários mais sensatos, a presidente defendeu uma combinação de austeridade e crescimento como a fórmula mais eficiente para o ajuste europeu. A arrumação fiscal, ponderou, será muito mais difícil, penosa e pouco frutífera, se depender apenas do corte de gastos e do aumento de impostos. Mas esse comentário foi mera repetição do discurso apresentado muitas vezes por dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), por economistas de várias nacionalidades e por alguns governantes europeus. Sem acrescentar a mínima novidade em relação a esse ponto, a presidente permitiu-se, no entanto, reescrever a história econômica à sua maneira. Para reforçar sua argumentação, citou a experiência latino-americana dos anos 80 e 90, quando os governos do Brasil e de outros países foram, segundo o seu relato, orientados pelo FMI a adotar políticas de ajuste sem espaço para crescimento.
Essa versão é popular, mas a história é um pouco mais complicada e inclui detalhes mais instrutivos. Dezenas de países afundaram na crise da dívida externa, nos anos 80. O drama começou quando o Federal Reserve, o banco central americano, iniciou um drástico aumento de juros em 1979. O desastre generalizou-se em 1982, mas vários países entraram em apuros bem antes disso. A renegociação das dívidas foi vinculada a duros programas de ajuste, jamais cumpridos integralmente por alguns governos, incluído o brasileiro.
O programa inicial de ajuste adotado no Chile foi reformado e substituído, com bons resultados, depois de algum tempo. O governo coreano iniciou a arrumação em 1979. O país entrou em recessão em 1980 e em seguida voltou a crescer velozmente, com déficit fiscal reduzido, grande aumento de exportações e investimentos sempre superiores a 30% do PIB. Chile e Coreia saíram da crise com as contas públicas em ordem, inflação baixa e medidas fundamentais para competir e crescer.
Falta algo, portanto, na versão popular, repetida pela presidente Dilma Rousseff, da história da crise e dos ajustes dos anos 80. Falta explicar por que alguns países - Coreia e Chile são apenas dois dos exemplos mais notáveis - emergiram da fase de provação muito mais fortes do que antes. Outras economias da Ásia atingidas pela crise da dívida também se tornaram mais eficientes a partir da segunda metade dos anos 80. A maior parte dos países latino-americanos ficou para trás porque os governos foram incapazes, por muito tempo, de abandonar velhos vícios e de favorecer a eficiência. Não se deve atribuir esse atraso a algum excesso de austeridade, mas à insistência na prática de contemporizar em vez de enfrentar os problemas.
Quando os governantes se dispuseram, afinal, a adotar reformas e políticas sustentáveis, as contas públicas melhoraram, a inflação caiu, as contas externas se tornaram superavitárias e as reservas cresceram. Por essas mudanças, e nada mais, as ações de socorro do FMI à América Latina foram bem menos frequentes nos primeiros anos deste século do que nas três ou quatro décadas anteriores.
Nenhuma dessas conquistas é irreversível. Em alguns países, o grande risco é a tentação do populismo. No Brasil, a tentação mais perigosa é a dos controles autoritários. A intervenção nos preços dos combustíveis, as pressões para corte de juros, o jogo perigoso de tolerância à inflação e as trapalhadas na política do setor elétrico são elementos desse quadro. O atraso nos projetos da Petrobrás é uma das consequências. A presidente seria provavelmente menos propensa a dar lições se pensasse um pouco mais sobre esses fatos.
* JORNALISTA
Paulo,
ResponderExcluirTenho 25 anos e há pouco iniciei meus estudos para o CACD. Em relação ao concurso, acredito que já tive a maior parte de minhas dúvidas dirimidas. Ainda restam, no entanto, alguns questionamentos relativos à carreira, em especial um que, pela sua natureza, acredito que pode ser respondido de forma bastante informada por você.
Eu sou um liberal por formação. Não sou eleitor do governo atualmente no poder, sou antiestatista, não sou antiamericano e acredito que um capitalismo de verdade e uma política simpática ao livre comércio são as melhores ferramentas para buscarmos o desenvolvimento que o povo brasileiro tanto precisa e merece.
Tendo em vista o acima exposto, você acha que poderei ser prejudicado na carreira em função do meu perfil ideológico? É realmente verdadeira a politização do Itamaraty sobre a qual li em alguns lugares? Afinidades ideológicas sempre serão parte de qualquer avaliação de desempenho, até pela natureza objetiva da atividade, mas é verdade que hoje a afinidade ideológica tem papel muito mais protagônico do que já teve um dia?
Pergunto porque não aguento mais ler o Amado Cervo fazendo propaganda ideológica em seus livros, infelizmente obrigatórios para a preparação para o CACD, e também porque não sei se tenho um fígado tão forte capaz de suportar a anulação das minhas convicções em nome de medalhinhas dadas aos amigos do poder.
Parabéns pelo blog, é realmente raro ver uma página com assuntos tão diversos escrita de forma tão elegante e bem informada, especialmente na blogosfera brasileira atual, repleta de amigos do rei financiados com dinheiro público.
Olá, Paulo Roberto.
ResponderExcluirCheguei a seu blog através de um link do blog do Alexandre Schwartsman.
Gostaria de lhe parabenizar pelo texto acima "As lições de Tia Dilma"; SENSACIONAL!
Esta "senhõra sem noção", em sua viagem à Espanha (assim como em qualquer outro evento público internacional), se acha no direito de "ensinar" aos dirigentes europeus a "receita" para a Europa sair da crise...
Infelizmente, por má fé ou ignorância mesmo, ela não olha para o próprio "quintal" (que está bem sujo!).
É incrível como uma pessoa que diz ter lutado (e sido presa) pela liberdade, ao ter o "poder nas mãos", se revela uma déspota autoritária, ao menos no que tange às questões econômicas.
Não por acaso, está cercada de "marionetes" por todos os lados...
Será que, no íntimo, ela realmente acha que entende alguma coisa do assunto?
Ao se negar a negociar com os setores da sociedade (a nível público e privado), ela apenas mostra sua limitação, achando que é dona da verdade absoluta.
O comportamento da mesma, nesta viagem à Espanha, chega a ser ridículo e cômico ao mesmo tempo, expondo a imagem do nosso país (que já não é lá estas coisas) à pilheria internacional.
Infelizmente não existe impeachment por incompetência; se houvesse...
Um abraço e, mais uma vez, parabéns por seu texto, que expõe as vísceras do comportamento altamente contraditório da nossa "pizident(E)"
Dois comentários anônimos e dois comentários meus:
ResponderExcluirO segundo, sobre o texto do Rolf Kuntz, quero deixar bem claro que não mereço nenhum cumprimento pelo teor do que foi postado. Eu sequer tive tempo de fazer, como é meu hábito, comentários introdutórios a essa transcrição de um texto alheio, o qual subscrevo inteiramente, integralmente e substantivamente (como já tive oportunidade de expressar aqui meu pensamento a esse respeito), mas que desta vez não me cabe receber elogios, uma vez que nada fiz, além de postar um texto que considero excelente (como sempre faz o Rolf Kuntz, um desmistificador das bobagens palacianas e dos equívocos conceituais e práticos dos keynesianos de botequim que comandam nossa política econômica).
Portanto, os cumprimentos se dirigem a ele, não a mim.
Ao segundo Anônimo, candidato carreira diplomática, digo de imediato que não há o que temer, e que ele pode, sem problemas servir ao Brasil, ao Estado, sem cair no manancial de bobagens e de erros que foram cometidos ainda recentemente no plano externo.
A menos que volte, em 2014, ou em 2018, o guia genial dos povos, o autor principal da política externa petista e sectária que foi conduzida entre 2003 e 2010 (e não apenas por ele), acredito que o componente ideológico tende a diminuir, inclusive porque eles conduzem a fracassos sobre fracassos. É certo que a grande, boa, positiva imagem do Brasil atualmente, no plano internacional, se deve muito ao ativismo do grande chefe e de seus áulicos, e muito também em termos de propaganda, publicidade (paga) dirigida e outras formas de promoção do guia genial dos povos, sendo portanto falsa e deformada. Mas é também certo que diplomatas normais não precisam sujar as mãos ou se promiscuir com certos absurdos. A única coisa a fazer é ficar quieto, e esperar que o festival de bobagens passe. O que aliás é requerido em qualquer outra corporação comandada de forma hierárquica, disciplinada e talvez autoritária.
Basta ficar quieto, e não contribuir para o aumento do PIB diplomático, a produção interna de bobagens que existe atualmente.
Paulo Roberto de Almeida
Olá, Paulo Roberto.
ResponderExcluirDesculpe-me; cometi uma gafe,ao confundir a autoria do texto "As lições de Tia Dilma".
Dirijo, então, meus parabéns à Rolf Kuntz, do "Estado de São Paulo", pelo brilhante artigo!
E também a você, Paulo Roberto, por selecionar e repercutir, em seu blog, uma matéria tão interessante e verdadeira. Afinal, não fosse por sua iniciativa, eu certamente não teria tido o prazer de ler a mesma... Mérito seu!
Um grande abraço.