A luta armada no Brasil:
depoimento de um quase combatente (1)
Paulo Roberto de Almeida
A luta armada representou,
no contexto das crises políticas vividas pelo Brasil nas décadas de 60 e 70 do
século passado, uma conjuntura especial e um fenômeno específico, embora
bastante grave, do ponto de vista do nosso destino futuro enquanto nação, que a
maior parte da população desejava democrática e inserida numa economia de
mercado. A despeito de ter sido relativamente circunscrita no tempo, com uma
duração total inferior a dez anos, a luta armada deixou, entretanto,
consequências permanentes, ou residuais, na história política nacional, que
devem ser devidamente avaliadas, se a sociedade brasileira pretende, realmente,
superar os traumas individuais e coletivos causados pelos tristes episódios
daquele período.
Cabe registrar,
inicialmente, que esses efeitos continuados da luta armada no Brasil se situam
inteiramente no campo dos partidos e movimentos ditos de esquerda, que não
parecem ainda ter se desligado de suas antigas crenças, bem como dos traumas e
obsessões do passado, uma vez que os outros grandes contendores daquele
fenômeno, as Forças Armadas, encontram-se totalmente inseridos no ambiente de
reconciliação democrática e de construção de uma institucionalidade totalmente
comprometida com os objetivos de paz, prosperidade e de normalidade política
desejados pelo povo brasileiro. Isto me parece bem evidente na movimentação
atual do governo e dos partidos de esquerda – que aliás, hoje em dia, são uma
coisa só – em torno da chamada Comissão da Verdade e seu trabalho que me parece
enviesado e muito longe de buscar ou estabelecer a verdade, parecendo bem mais
um movimento vingativo contra os que derrotaram os promotores da luta armada
naquele passado hoje distante.
Pretendo, neste curto
depoimento pessoal, oferecer minha avaliação do passado remoto, como testemunha
e ator secundário que fui dos dramas vinculados à luta armada, e efetuar,
depois, um proposta sensata quanto aos desafios do presente. Espero ser
bastante objetivo e imparcial na minha exposição de certos fatos, bem como
muito realista quanto à maneira de interpretar esses fatos e de tirar deles
consequências para os dias que correm. Trata-se de uma contribuição totalmente
desinteressada – focada em fatos, menos que em
argumentos de cunho político – ao esclarecimento dos mais jovens e alguns menos
jovens, mas que não passaram por essas vicissitudes, sobre aquela fase da vida
brasileira, que justamente buscamos superar para o bom entendimento nacional.
O Brasil dos anos 1960: breve recapitulação histórica
Desde meados da década
anterior, nos estertores do segundo governo Vargas, o Brasil vivia em
permanente crise político-militar, agravando-se as turbulências no início dos
anos 1960 em função do comportamento bizarro do presidente eleito Jânio Quadros
e da momentosa posse do vice-presidente (eleito pela chapa concorrente) João
Goulart. A situação, durante os seus três anos de mandato (primeiro em regime
parlamentarista, depois no retorno ao presidencialismo), se caracterizava por
constantes greves, inflação crescente, quebra de autoridade em diversas
instâncias do poder estatal, inclusive no âmbito das Forças Armadas, e intensa
radicalização política por parte dos movimentos que pretendiam para o Brasil
opção semelhante à dos países comunistas, indo até, em certos meios, à
preparação para a guerrilha rural, em moldes cubanos ou chineses.
O movimento civil-militar
– não lhe cabe o nome de golpe, nem de revolução – que derrocou o regime da
República de 1946 representou apenas o ponto culminante dessa fase de crise
aguda, não sendo nem o resultado de uma conspiração organizada pela direita e
pelas elites – como pretende a esquerda – nem o acabamento de algum desígnio
imperial no contexto da Guerra Fria – como pretendem os paranoicos
anti-imperialistas e antiamericanos das mesmas correntes. Ele ocorreu porque
grande parte da sociedade, representada majoritariamente pela classe média,
demandava uma solução aos descalabros administrativos, à corrosão do poder de
compra, ao clima de desordem política, à percepção do aumento da corrupção que
caracterizavam o governo Goulart.
Talvez os militares
devessem ter aguardado as eleições do ano seguinte, e ter apostado numa solução
democrática em face desse quadro turbulento, mas o fato é que o agravamento da
situação induziu algumas lideranças civis e militares a atuarem de imediato contra
o governo, sem que a necessária coordenação de todas as forças políticas se
fizesse num sentido mais consentâneo com a legalidade constitucional. Existem
momentos na história de um país nos quais a população decide assumir ela mesma
as atribuições de um poder constituinte originário; foi o que parece ter
ocorrido em março de 1964, quando a grande maioria da população brasileira
secundou e se solidarizou com as Forças Armadas que assumiram o comando
involuntário daquele movimento. A história poderia ter sido outra, mas ela é o
que é: incontrolável.
(continua...)
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