E o pior é que é deliberado, ou seja, já nem se vê mais os antigos disfarces de antigamente (de poucos anos atrás), quando se aumentava o gasto público mas de maneira discreta, quase envergonhada, dizendo que se pretendia preservar as metas fiscais de pelo menos 3,1% do PIB ou algo próximo disso (e vejam que essa proporção de superávit primário não permite sequer pagar todos os juros da dívida pública, que sempre fica acima disso).
Agora, já sabemos, o governo não pretende mesmo manter disciplina fiscal, e sim gastar por conta. Por conta não se sabe bem do que, já que não consegue, justamente, pagar todos os juros da dívida, que vem aumentando gradativamente, sendo que um terço disso está em poder do Banco Central, algo que em outros países é proibido.
Tem também a deterioração rápida das transações correntes, pela redução (ou talvez até eliminação) do saldo comercial. Se os investimentos diretos não forem suficientes, vamos recorrer às reservas internacionais, mas esse dinheiro pode acabar rápido, pois quando os investidores estrangeiros perceberem que o governo está justamente gastando por conta e avançando sobre as reservas, vão sair rapidamente para evitar de perder dinheiro com a desvalorização (em princípio assegurada pelo regime de flutuação, mas nem isso sabemos se vai ser cumprido).
Ou seja, de todos os elementos estabelecidos no final dos anos 1990, o famoso tripé de 1999 -- metas de inflação, superávit primário, e responsabilidade fiscal, que vai junto, e o câmbio flutuante -- já não sobra mais nada, nadicas de peteberebas.
Os keynesianos de botequim que nos governam ainda vão conseguir afundar este país...
Paulo Roberto de Almeida
Rogério Furquim Werneck, O Globo
Está em curso uma alarmante escalada no processo de demolição institucional que, já há algum tempo, vem botando abaixo o arcabouço que sustentou a condução da política fiscal ao longo dos últimos 15 anos.
Em entrevista publicada no “Valor” em 29/4, véspera da divulgação do desastroso desempenho das contas públicas em março, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, anunciou com todas as letras que o governo deixou de trabalhar com uma meta rígida para o superávit primário, para poder ter “liberdade” para conduzir uma política fiscal mais contracionista ou expansionista, “dependendo do momento”.
Anunciou também que o novo arranjo de condução da política fiscal, já em vigor em 2013, será mantido, não só em 2014, como no próximo mandato, caso a presidente seja reeleita.
O anúncio merece toda a atenção. Afinal, o que se noticia (“Folha de S.Paulo”, 4/5) é que o secretário do Tesouro vem tendo crescente ascendência sobre a presidente e papel ativo nas articulações para a reeleição, devendo integrar a futura coordenação da campanha eleitoral.
Encarregado de conceber a “plataforma econômica para o segundo mandato”, o secretário vem sendo visto como o provável sucessor do ministro Guido Mantega.
Na verdade, o novo arranjo é ainda pior do que pode parecer à primeira vista. A ideia, esclareceu o secretário, não é eliminar a meta de 3,1% do PIB para o superávit primário do setor público e, sim, dar às autoridades fazendárias liberdade para descumpri-la na extensão que julgarem razoável, ao sabor dos acontecimentos.
A meta permaneceria como uma miragem a que o Banco Central, por exemplo, poderia continuar a fazer menção, ao explicitar as premissas sobre política fiscal que estariam pautando a condução da política monetária.
As declarações do secretário deixaram patente a desarticulação que hoje se observa entre a política monetária e a política fiscal. Num momento em que o Banco Central está supostamente empenhado em elevar a taxa de juros para conter a demanda agregada, o secretário se diz convencido de que a economia precisa ser estimulada pelo lado fiscal.
Tendo relaxado de várias formas as restrições fiscais dos governos subnacionais, o Tesouro anunciou há algumas semanas que não pretendia compensar o não cumprimento de metas de superávit fiscal pelos Estados e municípios. Mas, agora, o secretário informou que, quando uma política expansionista se fizer necessária, o Tesouro estará pronto a facilitar a expansão fiscal dos estados e municípios, já que não faria sentido que o gasto público aumentasse num nível da federação e caísse em outro.
Um arranjo de política fiscal contracíclica, seriamente concebido, que desse a devida importância à sustentabilidade fiscal, representaria grande avanço na condução da política macroecômica no país. Mas não é bem isso que o governo tem em mente.
O que o secretário quer vender como política fiscal contracíclica é só a falta explícita de compromisso com metas e regras de qualquer espécie. E a possibilidade de racionalizar qualquer desempenho fiscal, a posteriori, com uma boa história de última hora sobre política de demanda agregada.
Em países onde a política fiscal contracíclica tem sido conduzida com seriedade, as autoridades fazendárias são pautadas por metas de médio prazo, regras fiscais claras e exigências de transparência que asseguram previsibilidade e possibilidade de aferição objetiva de desempenho.
A condução da política contracíclica pode ser monitorada pelos agentes econômicos e devidamente levada em conta pelo Banco Central. Algo bem diferente da simples declaração de descompromisso com restrições à política fiscal que acaba de ser feita pelo Tesouro.
No arranjo totalmente discricionário agora instaurado, o secretário do Tesouro conduzirá a política fiscal como bem entender. Uma perspectiva que se afigura ainda mais preocupante, quando se tem em conta a visão primitiva e insensata das questões fiscais que têm pautado a atuação de Arno Augustin na Secretaria do Tesouro Nacional.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
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