domingo, 19 de maio de 2013

O esquizofrenico sistema tributario brasileiro - Folha de S.Paulo


PESADELO FISCAL
Gargalo tributário
Série mostrará, a cada 15 dias, os entraves tributários do país; veja hoje como o governo leva R$ 45 de cada R$ 100 pagos por um vinho gaúcho
RICARDO MIOTO, DE SÃO PAULO
Folha de S. Paulo, 1905/2013
Alguns países se orgulham da sofisticação das suas cadeias produtivas. Não é, com frequência, o caso brasileiro. Aqui, complexa é a cadeia tributária, tão cheia de detalhes e siglas que, em uma representação gráfica, como a desta página, quase oculta a ação do setor produtivo.
Em 2012, a carga tributária do país chegou a inéditos 36,27% do PIB, minando a competitividade. Aqui, uma garrafa de vinho paga 45% de impostos. Na concorrente Argentina, apenas 26%.
Além da carga alta, duas questões tornam a tributação um tema momentoso.
Uma é que em junho se torna obrigatório incluir a carga tributária na nota fiscal. Para os entusiastas, a população criará uma consciência inédita, passando a cobrar (e votar pela) redução de impostos.
A outra questão é que o governo federal tem levantado a bandeira da desoneração tributária. Não é renúncia fiscal pura, mas troca: em alguns setores, deixa-se de arrecadar 20% da folha de pagamento das empresas para cobrar de 1% a 2% do faturamento.
As empresas fizeram as contas. Alguns setores, como TI, intensivo em mão de obra, comemoram. Outros viram que seria uma fria. Mesmo as vinícolas, ainda não contempladas, não querem o "benefício".
"Não vale a pena. O vinho usa muita mão de obra no campo, mas a folha de pagamento da indústria em si não é grande", diz Kelly Bruch, pesquisadora em direito e agronegócio na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A noção de que as "desonerações" propagandeadas pelo governo nem sempre significam de fato redução da carga tributária traz uma pergunta maior: será possível em algum momento reduzir para valer os impostos no país?
A resposta passa pela Constituição de 1988. Ela foi generosa em expressões como "é direito de todos e dever do Estado". Assim, criou aqui, em tese, um sistema de proteção social de país rico europeu.
Mas o texto pouco tratou de financiamento. Roberto Campos, provavelmente o mais famoso constituinte crítico a isso, viveu até 2001 reclamando que ninguém se perguntou quem pagaria a conta.
Alguns direitos, até pelo exagero, não pegaram. O lazer é um exemplo: difícil imaginar alguém processando o Estado por estar entediado. A moradia também é utopia.
Direitos mais objetivos, porém, acarretaram mudanças bem concretas na sociedade --e custos para o governo.
Exemplos são o SUS e a expansão dos benefícios previdenciários. Outro direito social, a educação, foi em alguma medida levado a sério, e nos anos 1990 o país teve sucesso em universalizar a educação básica. Processos contra o Estado por ele não estar provendo tratamentos ou pensões se tornaram comuns.
Como nossa renda segue pequena (PIB per capita de US$ 12 mil ao ano, ante US$ 50 mil dos EUA), a conta ficou difícil de pagar. Foi preciso aumentar muito os impostos --e nem assim eles são suficientes para financiar serviços públicos que prestem. No começo dos anos 90, a carga tributária era de 24% do PIB.
Houve ainda certa moralização das contas públicas. O Brasil sempre financiou gastos públicos com dívidas ou expandindo sua base monetária --na prática e traduzindo do economês, isso significa imprimir dinheiro.
As duas opções nada mais são do que jeitos de jogar o custo para as gerações futuras, que terão respectivamente de pagar a dívida ou lidar com maior inflação (pense que mais dinheiro circulando significa que ele vai ficando menos valioso).
Mudanças na gestão econômica (no fim dos anos 80, o Banco Central parou de imprimir dinheiro para bancar empréstimos irresponsáveis do Banco do Brasil; nos anos 1990, foram criadas metas de gasto público, via superavit primário) e na legislação (em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal) tornaram mais difícil elevar gastos públicos sem aumentar impostos. Resultado: eles aumentaram.
Para reduzir tal mordida, quantificada na relação entre impostos e PIB, é possível:
1) Cortar impostos. Mas vamos desistir do Estado de bem-estar social de 1988?
2) Aumentar o PIB. Mas o números mostram que estamos tendo dificuldade nisso.
Assim, o cenário não é de otimismo. Se não for possível cortar a carga tributária, é razoável fazê-la ao menos deixar de ser o Frankenstein atual.
O Brasil tem mais de 80 tributos. Surgem mais 30 normas por dia. Nas palavras do economista Clóvis Panzarini, "a cada edição do Diário Oficial', o sistema tributário brasileiro fica pior".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.