sábado, 8 de fevereiro de 2014

O ajuste compulsorio dos emergentes - Armando Castelar Pinheiro

A crise dos emergentes
Por Armando Castelar Pinheiro

Valor Econômico, 7/02/2014

Li a citação outro dia em um artigo: "o pânico não destrói capital; ele meramente revela a extensão em que ele foi previamente destruído pelo seu uso em atividades irremediavelmente improdutivas". A frase é de John Mills, um empresário britânico do século XIX, mas tem relevância para hoje, aqui, também.

Em especial, creio que o mesmo raciocínio se aplica ao aperto por que alguns países emergentes estão passando e à polêmica se isso resulta da mudança das condições externas ou da má qualidade da sua política econômica.

Para alguns analistas, o mau momento dos emergentes nada mais é do que um novo capítulo na crise financeira internacional iniciada em 2007. Essa também parece ser a visão do governo brasileiro. A origem da crise dos emergentes seria, nessa interpretação, a desaceleração do crescimento chinês - e da Ásia emergente como um todo - e o início do processo de normalização da política monetária americana.

O ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da nova matriz econômica

A forte expansão da Ásia emergente entre 2009 e 2011 (8,2% ao ano) foi fundamental para impedir uma desaceleração mais forte da economia mundial após a quebra do Lehman Brothers. Nesse período, a região respondeu por 53% da expansão do PIB mundial, mais do que o dobro da sua participação nesse agregado. Isso puxou para cima o preço das commodities ex-petróleo, que aumentou 26% nesse quadriênio, facilitando a vida de países como o Brasil.

A partir de 2012, o crescimento da região desacelerou, para 6,4% ao ano, com o preço das commodities caindo 11%. A China, em especial, está crescendo menos, fazendo um ajuste que visa limitar a expansão do crédito e redirecionar a demanda doméstica para o consumo. Com isso, a expansão do investimento chinês caiu de uma média de 15% ao ano entre 2001-10 para 8,5% em 2011-13, prevendo-se nova queda, para cerca de 6% ao ano, no resto desta década.

Ainda que a China possa ter contribuído para a desaceleração latino americana, ela não explica o mau momento dos emergentes. Basta ver que países no olho do furacão, como Turquia e Ucrânia, não têm relação comercial relevante com a China.

Nesse sentido, a redução das emissões monetárias pelo banco central americano (Fed) parece uma explicação mais consistente. O Fed vinha imprimindo US$ 1 trilhão ao ano, dinheiro que, dadas as baixas taxas de retorno nos países desenvolvidos, correu atrás de ativos nos emergentes. A gradual redução dessas injeções de liquidez e a melhora nos retornos oferecidos em investimentos nos EUA e Europa, em função da aceleração do crescimento, estariam por trás da desvalorização dos ativos dos países emergentes.

Não obstante, ainda que China e EUA tenham afetado os emergentes, isso não explica porque alguns foram tão mais afetados do que outros. Assim, enquanto o CDS médio de África do Sul, Turquia, Indonésia e Brasil subiu 92 pontos base nos últimos 12 meses, para 2,22%, para Chile, México, Peru e Colômbia a alta média foi de 23 pontos, para 1,10%. É por isso que, na visão do FMI, não há uma crise generalizada de emergentes, mas uma crise em alguns emergentes, aqueles com fundamentos econômicos e políticos ruins. Os mercados financeiros estão "shorting" só alguns emergentes.

A preocupação com estes países transcende a apreensão com a sua capacidade de garantir financiamento externo. O que está em questão é se eles serão capazes de fazer os ajustes necessários, sem comprometer o balanço dos agentes privados ou gerar turbulências políticas, que limitariam o crescimento econômico por um período prolongado.

Tome-se o caso do Brasil. O país tem grandes reservas internacionais, mas há anos tem também uma inflação e um déficit externo elevados. Com a queda dos preços das exportações, a desvalorização cambial, e a alta dos juros longos, o país necessita reduzir a demanda doméstica. Isso passa por apertar as políticas monetária e fiscal, o que vai reduzir o crescimento e complicar a dinâmica da dívida pública, a menos que o ajuste fiscal seja muito forte.

Crescimento baixo e juros altos vão elevar a inadimplência, enfraquecer o balanço dos bancos públicos e exigir nova capitalização pelo Tesouro. Haverá perdas elevadas, mas, como observou Mills, o ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da "nova matriz econômica".

Quão provável é que se adotem remédios suficientemente fortes nos países mais frágeis? Pouco, pois são medidas impopulares e inconsistentes com a visão dos seus governos sobre a economia. O mais provável é que se façam reformas marginais, que mitiguem o ritmo de deterioração econômica. É isso que ilustra o exemplo argentino.

O risco é que em algum momento a situação piore a ponto de iniciar uma fuga de capitais domésticos, bem mais desestabilizadora que a saída de investidores estrangeiros. Então será preciso uma mudança política para restabelecer a credibilidade do governo, mas isso pode não se dar de forma suave. Pode ser um processo longo, tortuoso e talvez sem final feliz.

Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/opiniao/3422618/crise-dos-emergentes#ixzz2smERjFFr

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.