Por Armando Castelar Pinheiro
Valor Econômico, 7/02/2014
Li a citação outro dia em um artigo: "o pânico não destrói capital; ele meramente revela a extensão em que ele foi previamente destruído pelo seu uso em atividades irremediavelmente improdutivas". A frase é de John Mills, um empresário britânico do século XIX, mas tem relevância para hoje, aqui, também.
Em especial, creio que o mesmo raciocínio se aplica ao aperto por que alguns países emergentes estão passando e à polêmica se isso resulta da mudança das condições externas ou da má qualidade da sua política econômica.
Para alguns analistas, o mau momento dos emergentes nada mais é do que um novo capítulo na crise financeira internacional iniciada em 2007. Essa também parece ser a visão do governo brasileiro. A origem da crise dos emergentes seria, nessa interpretação, a desaceleração do crescimento chinês - e da Ásia emergente como um todo - e o início do processo de normalização da política monetária americana.
O ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da nova matriz econômica
A forte expansão da Ásia emergente entre 2009 e 2011 (8,2% ao ano) foi fundamental para impedir uma desaceleração mais forte da economia mundial após a quebra do Lehman Brothers. Nesse período, a região respondeu por 53% da expansão do PIB mundial, mais do que o dobro da sua participação nesse agregado. Isso puxou para cima o preço das commodities ex-petróleo, que aumentou 26% nesse quadriênio, facilitando a vida de países como o Brasil.
A partir de 2012, o crescimento da região desacelerou, para 6,4% ao ano, com o preço das commodities caindo 11%. A China, em especial, está crescendo menos, fazendo um ajuste que visa limitar a expansão do crédito e redirecionar a demanda doméstica para o consumo. Com isso, a expansão do investimento chinês caiu de uma média de 15% ao ano entre 2001-10 para 8,5% em 2011-13, prevendo-se nova queda, para cerca de 6% ao ano, no resto desta década.
Ainda que a China possa ter contribuído para a desaceleração latino americana, ela não explica o mau momento dos emergentes. Basta ver que países no olho do furacão, como Turquia e Ucrânia, não têm relação comercial relevante com a China.
Nesse sentido, a redução das emissões monetárias pelo banco central americano (Fed) parece uma explicação mais consistente. O Fed vinha imprimindo US$ 1 trilhão ao ano, dinheiro que, dadas as baixas taxas de retorno nos países desenvolvidos, correu atrás de ativos nos emergentes. A gradual redução dessas injeções de liquidez e a melhora nos retornos oferecidos em investimentos nos EUA e Europa, em função da aceleração do crescimento, estariam por trás da desvalorização dos ativos dos países emergentes.
Não obstante, ainda que China e EUA tenham afetado os emergentes, isso não explica porque alguns foram tão mais afetados do que outros. Assim, enquanto o CDS médio de África do Sul, Turquia, Indonésia e Brasil subiu 92 pontos base nos últimos 12 meses, para 2,22%, para Chile, México, Peru e Colômbia a alta média foi de 23 pontos, para 1,10%. É por isso que, na visão do FMI, não há uma crise generalizada de emergentes, mas uma crise em alguns emergentes, aqueles com fundamentos econômicos e políticos ruins. Os mercados financeiros estão "shorting" só alguns emergentes.
A preocupação com estes países transcende a apreensão com a sua capacidade de garantir financiamento externo. O que está em questão é se eles serão capazes de fazer os ajustes necessários, sem comprometer o balanço dos agentes privados ou gerar turbulências políticas, que limitariam o crescimento econômico por um período prolongado.
Tome-se o caso do Brasil. O país tem grandes reservas internacionais, mas há anos tem também uma inflação e um déficit externo elevados. Com a queda dos preços das exportações, a desvalorização cambial, e a alta dos juros longos, o país necessita reduzir a demanda doméstica. Isso passa por apertar as políticas monetária e fiscal, o que vai reduzir o crescimento e complicar a dinâmica da dívida pública, a menos que o ajuste fiscal seja muito forte.
Crescimento baixo e juros altos vão elevar a inadimplência, enfraquecer o balanço dos bancos públicos e exigir nova capitalização pelo Tesouro. Haverá perdas elevadas, mas, como observou Mills, o ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da "nova matriz econômica".
Quão provável é que se adotem remédios suficientemente fortes nos países mais frágeis? Pouco, pois são medidas impopulares e inconsistentes com a visão dos seus governos sobre a economia. O mais provável é que se façam reformas marginais, que mitiguem o ritmo de deterioração econômica. É isso que ilustra o exemplo argentino.
O risco é que em algum momento a situação piore a ponto de iniciar uma fuga de capitais domésticos, bem mais desestabilizadora que a saída de investidores estrangeiros. Então será preciso uma mudança política para restabelecer a credibilidade do governo, mas isso pode não se dar de forma suave. Pode ser um processo longo, tortuoso e talvez sem final feliz.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
Leia mais em:
http://www.valor.com.br/opiniao/3422618/crise-dos-emergentes#ixzz2smERjFFr
Li a citação outro dia em um artigo: "o pânico não destrói capital; ele meramente revela a extensão em que ele foi previamente destruído pelo seu uso em atividades irremediavelmente improdutivas". A frase é de John Mills, um empresário britânico do século XIX, mas tem relevância para hoje, aqui, também.
Em especial, creio que o mesmo raciocínio se aplica ao aperto por que alguns países emergentes estão passando e à polêmica se isso resulta da mudança das condições externas ou da má qualidade da sua política econômica.
Para alguns analistas, o mau momento dos emergentes nada mais é do que um novo capítulo na crise financeira internacional iniciada em 2007. Essa também parece ser a visão do governo brasileiro. A origem da crise dos emergentes seria, nessa interpretação, a desaceleração do crescimento chinês - e da Ásia emergente como um todo - e o início do processo de normalização da política monetária americana.
O ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da nova matriz econômica
A forte expansão da Ásia emergente entre 2009 e 2011 (8,2% ao ano) foi fundamental para impedir uma desaceleração mais forte da economia mundial após a quebra do Lehman Brothers. Nesse período, a região respondeu por 53% da expansão do PIB mundial, mais do que o dobro da sua participação nesse agregado. Isso puxou para cima o preço das commodities ex-petróleo, que aumentou 26% nesse quadriênio, facilitando a vida de países como o Brasil.
A partir de 2012, o crescimento da região desacelerou, para 6,4% ao ano, com o preço das commodities caindo 11%. A China, em especial, está crescendo menos, fazendo um ajuste que visa limitar a expansão do crédito e redirecionar a demanda doméstica para o consumo. Com isso, a expansão do investimento chinês caiu de uma média de 15% ao ano entre 2001-10 para 8,5% em 2011-13, prevendo-se nova queda, para cerca de 6% ao ano, no resto desta década.
Ainda que a China possa ter contribuído para a desaceleração latino americana, ela não explica o mau momento dos emergentes. Basta ver que países no olho do furacão, como Turquia e Ucrânia, não têm relação comercial relevante com a China.
Nesse sentido, a redução das emissões monetárias pelo banco central americano (Fed) parece uma explicação mais consistente. O Fed vinha imprimindo US$ 1 trilhão ao ano, dinheiro que, dadas as baixas taxas de retorno nos países desenvolvidos, correu atrás de ativos nos emergentes. A gradual redução dessas injeções de liquidez e a melhora nos retornos oferecidos em investimentos nos EUA e Europa, em função da aceleração do crescimento, estariam por trás da desvalorização dos ativos dos países emergentes.
Não obstante, ainda que China e EUA tenham afetado os emergentes, isso não explica porque alguns foram tão mais afetados do que outros. Assim, enquanto o CDS médio de África do Sul, Turquia, Indonésia e Brasil subiu 92 pontos base nos últimos 12 meses, para 2,22%, para Chile, México, Peru e Colômbia a alta média foi de 23 pontos, para 1,10%. É por isso que, na visão do FMI, não há uma crise generalizada de emergentes, mas uma crise em alguns emergentes, aqueles com fundamentos econômicos e políticos ruins. Os mercados financeiros estão "shorting" só alguns emergentes.
A preocupação com estes países transcende a apreensão com a sua capacidade de garantir financiamento externo. O que está em questão é se eles serão capazes de fazer os ajustes necessários, sem comprometer o balanço dos agentes privados ou gerar turbulências políticas, que limitariam o crescimento econômico por um período prolongado.
Tome-se o caso do Brasil. O país tem grandes reservas internacionais, mas há anos tem também uma inflação e um déficit externo elevados. Com a queda dos preços das exportações, a desvalorização cambial, e a alta dos juros longos, o país necessita reduzir a demanda doméstica. Isso passa por apertar as políticas monetária e fiscal, o que vai reduzir o crescimento e complicar a dinâmica da dívida pública, a menos que o ajuste fiscal seja muito forte.
Crescimento baixo e juros altos vão elevar a inadimplência, enfraquecer o balanço dos bancos públicos e exigir nova capitalização pelo Tesouro. Haverá perdas elevadas, mas, como observou Mills, o ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da "nova matriz econômica".
Quão provável é que se adotem remédios suficientemente fortes nos países mais frágeis? Pouco, pois são medidas impopulares e inconsistentes com a visão dos seus governos sobre a economia. O mais provável é que se façam reformas marginais, que mitiguem o ritmo de deterioração econômica. É isso que ilustra o exemplo argentino.
O risco é que em algum momento a situação piore a ponto de iniciar uma fuga de capitais domésticos, bem mais desestabilizadora que a saída de investidores estrangeiros. Então será preciso uma mudança política para restabelecer a credibilidade do governo, mas isso pode não se dar de forma suave. Pode ser um processo longo, tortuoso e talvez sem final feliz.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
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