sábado, 8 de fevereiro de 2014

A ruina argentina, pelas suas proprias maos, e o papel do Brasil - Katia Abreu

Interessante este artigo da senadora Katia Abreu, mas discordo dela em vários pontos, a despeito de concordar no geral, e no essencial.
Não creio que exista o que ela chamou de complementaridade na indústria automobilística, com os vários bilhões de comércio nessa área.
Complementaridade ficou lá para trás, ainda formada no otimismo da redemocratização e dos programas de integração, quando se formou a AutoLatina (Ford e Volkswagen), como real integração das cadeias produtivas. Isso acabou, com a divergência das políticas econômicas e setoriais entre os dois países, e já deve fazer mais de 20 anos que a AutoLatina acabou. O que existe hoje é puro mercantilismo, comércio administrado de automóveis, ainda assim com restrições argentinas a cumprir a sua parte no acordo, e sempre revisando unilateralmente as obrigações contraídas no acordo anterior (foram vários, desde os anos 1980).
Esse mercantilismo garante boa parte dos volumes de comércio, o resto sobrevive, e eu insisto no sobrevive...
Tampouco discordo dela no que podemos fazer para ajudar os argentinos. Mas ajudar em quê, exatamente? A preservarem o seu modelo falido?
O Brasil tentou ajudar a Argentina no final dos anos 1990 e início de 2000, quando seu regime cambial, baseado na paridade fixa e na conversibilidade, já fazia água há muito tempo. Segui o assunto desde Brasília e em Washington. No começo estava de acordo com os apelos que FHC fazia a Clinton, e depois a Bush, para ajudar a Argentino junto ao FMI, mas a partir de certo momento achei que ela devia adotar outra política cambial, como a isso fomos obrigados, aliás, em fevereiro de 1999, por força dos mercados.
Os companheiros (brasileiros e argentinos) não gostam dos mercados, mas eles estão aí, e punem os recalcitrantes.
O Brasil ajudaria a Argentina se a obrigasse a cumprir suas obrigações regionais (sob o Mercosul) e multilaterais (no regime da OMC e do Gatt), e se parasse de ser complacente com o protecionismo unilateral, que está afundado aquele país.
Políticas erradas na Argentina estão aliás sendo aplicadas no Brasil, em nosso detrimento.
Acredito que tanto nós quanto eles ganharíamos em ser mais realistas quanto a essas realidades de mercado, por mais que os companheiros não gostem delas.
Paulo Roberto de Almeida
Argentina, ruína pela política
KÁTIA ABREU

FOLHA DE S.Paulo, 08/02/2014

É do interesse nacional do Brasil de alguma forma apoiar a Argentina, se as coisas se complicarem


Alguém já disse, examinando a história, que não é verdade que as sociedades só caminham para a frente. A chance de retroceder é quase a mesma de avançar. Nada do que foi conquistado está garantido para sempre. A presente agonia da Argentina é mais uma triste lição sobre a fragilidade das conquistas humanas.

No começo do século 20, a Argentina era uma das nações mais ricas do mundo, com recursos naturais aparentemente ilimitados e uma renda por habitante superior à da maioria dos países hoje desenvolvidos. Atualmente, sua renda per capita é de pouco mais de US$ 11.000 anuais, no mesmo nível dos demais países emergentes.

Sua economia está em ruínas, com produção estagnada e inflação de 30% ao ano. O desabastecimento é generalizado, as reservas cambiais estão no limite mínimo de segurança, esgotando-se rapidamente. Por fim, o país está com acesso vedado a todos os mercados de crédito internacional, privados e públicos.

O destino da Argentina é uma mostra apavorante do que pode fazer a loucura política. Um território pleno de riquezas e uma população educada não foram capazes de deter a destruição provocada por políticas públicas ruinosas inspiradas no populismo e na mais irresponsável demagogia.

Embora tudo tenha começado pelas mãos de um homem, a ruína argentina é uma obra coletiva, uma criação de muitos governos, de muitos políticos e até mesmo de uma parte do povo.

Olhar para a Argentina de hoje e para o caminho que se descortina à sua frente deve nos servir de advertência para o potencial destrutivo de decisões políticas equivocadas. As ideologias e a covardia diante de demandas insensatas podem arruinar uma sociedade por gerações.

Para o Brasil, no entanto, contemplar o declínio argentino com indiferença não é uma alternativa. Como dizem os diplomatas do Itamaraty, nossas relações com a Argentina não são uma escolha, são um destino.

Nossas economias têm se integrado progressivamente, apesar dos problemas. Em alguns setores, como o automobilístico, já há um alto grau de complementaridade, com um volume de comércio bilateral superior a US$ 15 bilhões.

Cerca de um quarto das importações argentinas provêm do Brasil e, em grande medida, são compostas de produtos manufaturados, que não conseguimos exportar para o resto do mundo.

No conjunto, temos obtido seguidos saldos comerciais, que só não são maiores em razão de medidas protecionistas. Elas podem ser explicadas pelo rápido esgotamento das reservas cambiais argentinas e por sua incapacidade de financiar o balanço de pagamentos nos mercados financeiros.

Quando penso em tudo isso, chego à conclusão de que é do interesse nacional do Brasil de alguma forma apoiar a Argentina, se as coisas se complicarem, como é previsível. Se suas reservas se esgotarem e a taxa de câmbio disparar, desorganizando a economia e provocando um nível de inflação que desestabilize a própria sociedade, teremos que ter algum plano para socorrer o nosso vizinho e destino de boa parte das nossas exportações.

A grande questão é que, se forem mantidas as atuais políticas e o governo argentino continuar culpando empresários e economistas por problemas que derivam de fatores reais, qualquer ajuda será inútil. Tomar decisões difíceis nas áreas fiscal e monetária, além de abrir as instituições e o comércio para a iniciativa privada, são as escolhas que restam para salvar o país.

Nesse diapasão, o eventual socorro brasileiro deve ser parte de um pacote maior, condicionado à adoção de mudanças econômicas efetivas. Se houver condições políticas para tanto, deveremos apoiar uma iniciativa internacional, que poderia ser comandada pelo FMI e pelo Banco Mundial, entidades apropriadas para gerir programas de resgate.

É preciso pensar nessas ou em outras formas para apoiar a Argentina nos ajustes necessários na sua economia. É novamente uma emergência. Porém, desta vez, as medidas têm que ser de longo prazo.

Mas o Brasil não tem o direito de fazer recomendações a um país soberano, orgulhoso de seu direito de errar. Nada vai adiantar se a Argentina não se ajudar.

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