Algumas "teses" passam por verdades. Como não estou de acordo com algumas delas, permito-me fazer correções a essas "verdades inquestionáveis".
1) Este é o pior Congresso de todos tempos. Não, não é: este é apenas um Congresso "normal", que reflete as realidades políticas brasileiras, e os "tempos" ainda não acabaram. Teremos Congressos ainda piores do que este, pela simples razão de que o Brasil se encontra em plena construção de sua "democracia de massas". Inevitável, assim, que as antigas representações elitistas sejam podadas em favor de novos representantes das classes populares e de setores organizados: sindicatos, igrejas, movimentos sociais, grupos de interesse setorial, etc. O sistema político é uma importante modalidade de ascensão social, atraindo arrivistas e oportunistas que têm no Congresso um excelente vetor de "negócios" de todo gênero.
2) A carga tributária brasileira já bateu no teto, impossível subir mais. Outro ledo engano. Não há limite teórico para a carga tributária, embora possa haver limites práticos, dada a conhecida relação entre taxação e receitas. Quem disse que a carga tributária não pode aumentar mais não conhece a sanha arrecadatória da nossa máquina fiscal, uma das mais eficientes do mundo. As despesas contratadas pelo Estado têm de ser financiadas de alguma forma e o governo vem criando novas fontes de gastos por meio dos programas sociais. Ou seja, continuaremos pagando cada vez mais para o Estado cobrir essas "obrigações", que, diga-se de passagem, são demandadas pela própria sociedade. O povo brasileiro adora o Estado, implora que o Estado venha em seu socorro com programinhas sociais ou com alguma nova prestação especial.
3) A corrupção atingiu limites nunca vistos, não é mais possível continuar assim. Difícil saber, pois não dispomos de um "corruptômetro" para medir avanços e recuos da corrupção. Quantos "por cento" do produto interno bruto (PIB) são intermediados de maneira heterodoxa? Difícil saber, não é mesmo? Não temos base de comparação, histórica ou atual. O certo é que a corrupção tende a aumentar quando fluxos de receitas e de pagamentos transitam pelos canais oficiais, uma vez que transações puramente privadas são vigiadas pelas partes, cada uma cuidando do seu rico dinheirinho. O dinheiro da "viúva" é um pouco de todo mundo: existem milhares de programas "essenciais" para o bem-estar público, objeto de planejamento, discussão congressual, alocação, empenho, licitação, leilão, concorrência, doação, etc. É evidente que num sistema assim alguns dos muitos intermediadores encontrarão alguma maneira de desviar o dinheiro "público" para seu próprio usufruto. Quanto maior proporção do PIB brasileiro passar pelos canais públicos, maiores serão as oportunidades de corrupção. A corrupção só diminuirá quando menores volumes de recursos passarem pelos canais oficiais. Elementar, não é mesmo?
4) A qualidade da educação já atingiu patamares mínimos, tem de melhorar. Os otimistas incuráveis acham que a escola pública já piorou o que tinha de piorar e que daqui para a frente o movimento será no sentido de sua melhoria. Eu acho que ainda não atingimos o fundo do poço, independentemente do volume de recursos que se jogue no sistema atual. Existe uma incultura generalizada na sociedade, detectável nos canais públicos de televisão e nas universidades de modo geral, sem mencionar as "saúvas freireanas" do Ministério da Educação (MEC). Resultado paralelo de nossa "democracia de massas" e de um descaso generalizado com a escola pública, mais e mais pessoas ignorantes ascendem a posições de mando, com o que continuam contribuindo para a deterioração ainda maior do ensino, público ou privado. Uma ignorância enciclopédica atinge os mais variados campos do saber humano; como não existe muita autocrítica, ela continua impunemente produzindo efeitos deletérios sobre o nosso sistema de ensino. Acreditem, não há nenhum risco de melhoria da educação brasileira no futuro previsível.
5) O Brasil está condenado a ser grande e importante, é o país do futuro. Essas tiradas patrioteiras nunca me comoveram, pela simples razão de que tamanho não é documento. A China sempre foi enorme, gigantesca, e decaiu continuamente durante três ou mais séculos, antes de começar a reerguer-se, penosamente, nas duas últimas décadas do século 20. Ela está longe, ainda, de ser um exemplo de prosperidade para o seu povo, mesmo que possa já ser uma potência militar e venha a ser, brevemente, uma potência tecnológica, também. A Rússia sempre foi um gigante de pés de barro, seja no antigo regime czarista, seja durante os anos de socialismo senil, até se esboroar na decadência política e no capitalismo mafioso, do qual o país ainda não se recuperou.
O Brasil sempre foi grande, e pobre, não absolutamente, mas educacionalmente paupérrimo, miserabilíssimo no plano cultural. Somos hoje um país totalmente industrializado - repito, totalmente - e uma potência no agronegócio, mas não deixamos de ser pobres, educacionalmente falando. Ainda estamos no século 18 em matéria de ensino, quando não de cultura. Bem sei que dispomos, atualmente, de um sistema de produção científica que se situa entre os 20 melhores do mundo, mas isso "atinge", se tanto, uma mínima parcela da população, uma superestrutura extremamente fina em termos sociais. O que vale, em última instância, não é poder econômico absoluto, mas o poder relativo e, sobretudo, bem-estar e prosperidade para a população, qualidade de vida, e nisso estamos muito aquém do desejável. O Brasil continuará sendo um gigante de pés de barro enquanto não resolver problemas básicos no interior de suas fronteiras. Para mim, ele continua pequeno...
3 comentários:
Caro Paulo,
Primeiro quero te dar os parabéns pelo excelente blog. Está nos meus favoritos e virou leitura obrigatória todos os dias.
Acerca da postagem, concordo que há um horizonte sombrio com relação aos assuntos citados. Congresso, carga tributária, educação e corrupção não dão sinais de reverter o status negativo em que se encontram.
Apenas quero dizer que a carga tributária não escoa somente para pagamento de programas sociais, mas também subsidia juros no agronegócio e paga os juros de nossa dívida interna. Há muitos atores além dos programas sociais...
Meu caro José Diniz,
Estou perfeitamente consciente de que existem muito mais bolsa-empresários, e de valor total infinitamente maior do que a Bolsa-Família para os pobres, do que esses subsídios ao consumo dos mais pobres.
A bolsa-empresário industrial pode ser mais deletéria do que os perdões de dívidas recorrentes do setor agrário, e isto se deve à ausência de um seguro-sagra e outros mecanismos de mercado capazes de garantir certos colchões contra riscos de colheitas.
Os juros da divida representam um pagamento muitas vezes maiores, mas isso pode ser estancado rapidamente.
A dívida só existe porque o Estado gasta mais do que arrecada, assim que terminando algumas dessas bolsas e outros gastos públicos, isso pode acabar.
Mas, veja: ainda não nasceu o político que vai acabar com os programas sociais.
Meu problema com eles não é o dinheiro, isso é o de menos.
É a mentalidade de dependencia, de assistencia que isso cria. Estamos criando uma nacao de assistidos.
Nao é normal ter 1/4 da população na assistencia estatal, não é mesmo?
Uma Argentina inteira no cartão magnético?! Isso é um país que se pretende potência?
E o mercado de trabalho?
Como fica?
Paulo Roberto de Almeida
Muito bem dito, só devo discordar de que estamos no século XVIII em matéria de ensino e cultura, porquanto nos séculos XVIII e, principalmente, XIX, tínhamos elite letrada formada na Europa, produzindo e apreciando alta cultura no Brasil, em meio aos 80% de analfabetismo. Hoje, praticamente não temos mais elite intelectual e a ''classe alta'' econômica consome o mesmo lixo musical e televisivo que se consome nas classes mais baixas e, quando resolver ler um livro, compra Augusto Cury ou Paulo Coelho; quando escreve um texto, não sabe nada de gramática, pois foi educada pelo método ''pós-construtivista''.
Aliás, a respeito de educação, não só no Brasil, com seu ''metodo'' pedagógico baseado em Paulo Freire, é essencial ler o livro ''Maquiavel Pedagogo'' de Pascal Bernadin.
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