Parece que alguns empresários estão perdendo o medo de contestar o governo...
Paulo Roberto de Almeida
'Beicinho' e política industrial
Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S.Paulo, 19/02/2014
A preocupação do governo com a fragilidade do seu desempenho econômico
foi explicitada pelas reações do ex-ministro Fernando Pimentel, do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e do ministro Paulo Bernardo, das
Comunicações, à entrevista do presidente do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos, concedida ao Estado
(9/2). O presidente do Iedi, sócio da Natura, enfatizou o esgotamento do atual
modelo econômico e defendeu a sua reformulação com ênfase na integração da
economia brasileira à economia internacional, por meio de acordos com a União
Europeia (UE) e os EUA, com equacionamento dos obstáculos argentinos.
A reação de Fernando Pimentel foi desqualificar a entrevista, com o
argumento de que seria "política": "A Natura hoje tem uma
posição partidária, de apoio a uma candidatura de oposição ao governo Dilma
Rousseff". Passos seria "militante de um projeto eleitoral de
oposição" e não seria o caso de responder às suas críticas "porque
elas não foram feitas no âmbito do debate". E, no entanto, as críticas de
Passos são mais do que razoáveis, alinhadas com o sentimento generalizado de
que a política industrial do governo, que teve Pimentel como principal
responsável, tem sido um retumbante fracasso.
Em sua entrevista de despedida como ministro, Pimentel, mais uma vez,
mostrou falta de intimidade com os assuntos de sua pasta, ao referir-se
enfaticamente às altas margens de lucros das montadoras como se fosse algo
surpreendente. É bem sabido que foi na sua gestão que foi implementado o
programa Inovar Auto, hoje questionado pela UE, que beneficia as montadoras com
vantagens tributárias associadas ao IPI que, somadas à atual tarifa de 35%,
levam a proteção nominal a pornográficos 70%. Talvez proteção alta tenha alguma
relação com margens de lucro despropositadas?
É curioso que, à época em que o Iedi defendia ardorosamente a proteção
alta e a desvalorização cambial, sem preocupações quanto às consequências
macroeconômicas, em sintonia com a emergente "nova matriz
macroeconômica", nunca se tenha ouvido qualquer comentário no governo
sobre o alinhamento político de seus dirigentes.
Há grande heterogeneidade nas posturas empresariais em relação ao
governo. A posição de alguns setores, como o automotivo, de apoio à política
industrial, simplesmente revela o tratamento diferenciado de que se beneficiam.
Segundo a Anfavea, "o governo (...) minimizou possíveis consequências (da
crise) ao (sic) setor automotivo e à (sic) economia como um todo". Não é
por acaso que, no recente confronto entre a Anfavea e a emergente Abeifa,
concorrente na representação empresarial do setor automotivo, tenha escapado o
argumento de que a Anfavea teria "acesso livre aos gabinetes em
Brasília".
Paulo Bernardo, na sua crítica a Passos, optou por alegações também
rasteiras. Como Pimentel, fugiu da substância como o diabo da cruz. Sugeriu que
Passos estaria "fazendo beicinho" e que as dificuldades entre governo
e empresariado poderiam ser resolvidas com "discussões da relação".
Para o ministro, analistas que tenham independência em relação ao governo são
descartados pois "ninguém entende o que eles falam". E pontifica:
"O cidadão não entende conceitos macroeconômicos, mas sabe se a economia
está indo bem ou mal". O recorrente truque presidencial de apelar para
discurso enfático quando falta substância ao argumento está sendo copiado por
sua equipe.
Quem fez de fato "beicinho" nos últimos tempos foi a chefe de
Paulo Bernardo, ao ameaçar não participar da programada cúpula Brasil-União
Europeia. Em reação pueril, estaria irritada com a queixa europeia em Genebra
quanto ao IPI discriminatório e à Zona Franca de Manaus. Se tivesse tomado
melhores decisões quanto à política industrial, teria evitado tais achaques e
turbulências. "Beicinho", agora, não vai resolver.
*Marcelo de Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de
Cambridge e professor titular no departamento de Economia da PUC-RIO.
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