Com orçamento apertado, Dilma freia pilares da política externa de Lula
Por - iG Brasília |
Presidente enfrenta críticas por ter desempenho diferente de Lula na área internacional: viajou menos, recebeu menos chefes de Estado e enfrenta queixas na área de direitos humanos
O governo da presidente Dilma Rousseff tem sido criticado, inclusive internamente, por não dar o mesmo protagonismo à política externa brasileira que marcou a administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.Com restrições de orçamento, Dilma deixou de fazer repasses a órgãos multilaterais de defesa de Direitos Humanos, não depositou o que havia prometido de ajuda humanitária para refugiados da Síria, viajou menos e também recebeu menos chefes de Estado em visita ao Brasil. Além do aperto fiscal, alegado pelo próprio Planalto, a pouca desenvoltura de Dilma com as questões mundiais é reconhecida por integrantes do próprio governo como “estilo Dilma”.
Embora a presidente tenha adotado a postura de continuidade dos eixos implantados por Lula – de busca da liderança na América Latina, de estreitamento das relações com a África e de fortalecimento da relação com países do hemisfério sul, a chamada cooperação sul-sul – o desempenho da presidente, para muitos agentes da política externa brasileira, não teve o mesmo destaque. E isso, afirmam, tem contribuído para reduzir a influência do país perante a comunidade internacional.
“Eu diria que houve uma redução da intensidade do relacionamento com os países da América do Sul, apesar dela ter cumprido os compromissos”, analisou o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do Itamaraty.
“Não há a mesma intensidade de contatos que havia no passado. Embora não haja como dizer que houve mudança de rota, de princípios”, reforçou Guimarães, que chegou a participar do governo do ex-presidente Lula, conduzindo a Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Visitas e viagens
O estilo de Dilma se reflete nos números. Nos três primeiros anos de governo, a presidente recebeu 21 visitas de chefe de Estado, sendo algumas repetidas, como a da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, da Argentina, e do presidente do Uruguai, José Mujica, que Dilma chegou a receber informalmente para um jantar no Palácio da Alvorada. Já o ex-presidente Lula, em seus três primeiros anos de governo, recebeu 63 visitantes, mais até que Fernando Henrique Cardoso, que recebeu 50 visitantes em seus primeiros três anos de governo.
Dilma também viajou bem menos que Lula. Comparando os três primeiros anos de seu mandato, Dilma visitou 31 países. Nos primeiros três anos de Lula, ele visitou 49 nações e, nos três primeiros anos do segundo mandato, esteve em mais 59 países. Em comparação com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que pegou fama de quem viajava demais, os dois petistas superaram sua marca. FHC visitou nos três primeiros anos de seu primeiro mandato 26 países e no segundo mandato, mais 27.
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Para a África, continente priorizado por Lula em sua atuação internacional, Dilma reduziu pela metade as visitas. Nos primeiros três anos de seu primeiro mandato Lula fez 15 viagens ao continente. Já no segundo mandato, Lula fez mais 14 viagens à África. Dilma, por sua vez, fez 7 viagens ao continente africano.
Dilma cumpriu a agenda na opinião de membros do governo. Viajou à China no primeiro ano de governo, em uma visita com forte cunho empresarial, não faltou a nenhuma reunião de cúpula dos Brics (bloco de cooperação formado por Brasil, Rússia, Índia, China a África do Sul) e da Celac (Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos) e esteve na África.
Contraste de estilos
O estilo “menos atuante” que antes era atribuído por diplomatas brasileiros ao ex-ministro Antonio Patriota, hoje é atribuído a própria presidente. Patriota deixou o cargo após o desastrado episódio da fuga do senador boliviano Roger Molina para o Brasil. Em seu lugar, Luiz Alberto Figueiredo Machado assumiu o cargo, mas não se sentiu mudança no ritmo do Itamaraty.
Para Samuel Pinheiro Guimarães, a política externa brasileira sofre o impacto do contraste entre a desenvoltura de Lula com as questões internacionais, adquirida mesmo antes de se tornar presidente, e a falta de afinidade de Dilma como tema.
“Antes de ser eleito presidente, Lula já tinha feito inúmeras viagens ao exterior para atender compromissos da internacional socialista, dos sindicatos, de modo que ele tinha uma prática internacional extraordinária. Ele já tinha sido coordenador do Foro de São Paulo dos movimentos de esquerda da América Latina e, neste processo, ficou conhecido pessoalmente por muitos líderes, não só na América Latina, como no mundo todo”, disse Guimarães.
“Lula tinha uma desenvoltura, uma tranquilidade para este tipo de tema devido ao seu relacionamento anterior. Sempre que líderes estrangeiros vinham ao Brasil, para visitar a Dilma, muitas vezes pediam audiência com Lula e ele estava em São Bernardo”, exemplificou. “Ele ficou conhecido pessoalmente por esses líderes, de modo a facilitar muito esta relação”, ponderou.
Guimarães, no entanto, destaca a posição firme que a presidente apresentou perante a crise no Paraguai, na defesa do ingresso da Venezuela no Mercosul, e também perante as denúncias de espionagem feita pelos Estados Unidos que atingiram, inclusive, dados pessoais da presidente.
O jeito discreto dos ministros de Dilma na política externa também reforça o contraste. Hoje, ministro da Defesa, Celso Amorim foi um dos ministros de Lula e é tido no meio diplomático como uma figura que opinava mais em sua área de atuação e influenciava mais nas questões políticas. O mesmo não se diz dos ministros de Dilma. Enquanto Figueiredo pouco tem opinado sobre política externa, Amorim acabou imprimindo no Ministério da Defesa um pouco da relação intensa que já tinha com outros países durante o governo Lula.
Em dois anos à frente da pasta, ele viajou a todos os países da América do Sul, esteve em Angola, Namíbia, Moçambique e em Cabo Verde, países africanos onde o Brasil auxilia com cooperação na área de Defesa. No âmbito da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), Amorim coordenou a iniciativa brasileira de formar um Conselho Sul-americano de Defesa que reúne ministros da Defesa de todos os países do bloco.
Direitos Humanos
Ao assumir o governo, Dilma disse que daria mais importância às questões de Direitos Humanos e que adotaria este tema como eixo da política externa. No entanto, as críticas à sua atuação se avolumam também nesta área. Nenhuma doação foi feita pelo governo brasileiro nos últimos quatro anos para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que sobrevive com recursos doados pelos Estados signatários e instituições internacionais.
As últimas doações, embora modestas se comparadas com as de outros países, ocorreram em 2006, no valor de US$ 98,5 mil dólares; em 2008, no valor de US$ 300 mil e, em 2009, quando o Brasil contribuiu com US$ 10 mil.
Na opinião da coordenadora do Programa de Política Externa e Direitos Humanos da Conectas Direitos Humanos, Camila Assano, a falta de doações indica “falta de compromisso do governo brasileiro com o tema de direitos humanos, apesar do discurso contundente de crítica às violações de direitos”, observado tanto no governo de Lula, quanto de Dilma. “O Brasil tem demonstrado que é bom em apontar onde está o problema. Falta, no entanto, fazer parte efetiva da solução dos problemas”, criticou. “Existia um protagonismo maior do Brasil. É sensível perceber que houve redução”, disse.
Um exemplo citado por Camila Assano de “pouca disposição” do Brasil em ajudar com recursos financeiros refere-se ao anúncio feito pelo governo, em janeiro deste ano, na II Conferência de Doadores do Kuwait, na qual se comprometeu a doar US$ 300 mil para o alívio da crise humanitária na Síria. “Foi o menor valor dentre todos os países que estiveram no Kuwait e Montreux”, critica. Na ocasião, o anfitrião Kuwait fez a maior doação, no valor de US$ 500 milhões e os Estados Unidos se comprometeram em doar US$ 380 milhões. “Só para compararmos, o México doou US$ 3 milhões”, criticou Camila Assano.
Apesar do valor considerado baixo em comparação com os demais países, os recursos ainda não constam do site da ONU, após mais de quatro meses da promessa. O dinheiro teria que ser repassado para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) para serem usados no atendimento a crianças deslocadas pela guerra civil na Síria.
De acordo com o Itamaraty, também nesse caso, o repasse ainda não foi feito devido a “restrições orçamentárias”. O governo informou ainda que não há data prevista para o depósito e que isso será feito tão logo haja condições para o repasse.
Outro episódio que, na opinião de defensores de direitos humanos, demonstrou descaso do Brasil com o tema ocorreu também em janeiro deste ano. O Brasil foi o único a não enviar o chanceler para a Conferência de Paz na Síria, ocorrida em Montreux, na Suíça. A pedido de Dilma, Figueiredo ficou no Brasil para prepará-la para sua viagem para o Fórum Econômico de Davos, do qual ela participaria pela primeira vez. Restou ao Itamaraty enviar o número dois na hierarquia, o secretário-geral da pasta, o embaixador Eduardo dos Santos. “Isso indica descaso. Demonstra que o Brasil não está preocupado à altura com a questão”, comentou Camila Assano.
Mulheres
Outra atitude do governo de Dilma Rousseff que gerou um clima de frustração em entidades defensoras de direitos humanos foi a de manter a posição de abstenção, perante a Organização das Nações Unidas (ONU), em relação a violações de direitos humanos no Irã. “Antes de tomar posse, Dilma chegou a discordar da posição tomada pelo governo de Lula de se abster. No entanto, o governo brasileiro fez a mesma coisa em 2011, 2012 e em 2013”, afirmou Camila Assano.
A resolução da ONU, votada pela primeira vez em novembro de 2010, condena o Irã pela adoção de pena morte por apedrejamento de mulheres condenadas por adultério. Na época, o governo brasileiro, comandado por Lula, adotou a posição de abstenção por não considerar que o tema teria que ser discutido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU e não na Assembleia Geral.
A posição contrária de Dilma foi colocada em entrevista ao jornal norte-americano Washington Post, na qual ela disse que não concordava com a forma que o Brasil havia votado e que não mudaria de opinião após sua posse.
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