Eu tinha conhecimento da edição francesa do livro, La Grande Parade. Essai sur la survie de l'utopie socialiste (Paris: Plon, 2000), mas não o encontrei nas livrarias quando morei em Paris em 2012. Devia ter comprado outros, pois, pois agora, os preços em euros e de frete da Abebooks.fr são bem menos competitivos do que a rede americana.
O título em inglês traduz exatamente o significado da obra, já que o título original não se adaptaria bem a uma tradução literal, dados os significados múltiplos de parade, e o tradutor americano, Diarmid Cammell, -- que já tinha traduzido L'Obsession Anti-américaine, que eu li em Português --, realizou uma obra admirável, deixando vários conceitos em francês mas explicando ao leitor americano o seu significado em footnotes.
Mas, o que interessa aqui, depois dos lamentáveis debates eleitorais do primeiro turno, seria recuperar o conceito de utopia, já que uma candidata -- que precisa estudar muito muito antes de se candidatar a qualquer outra coisa, começando por síndica do seu condomínio; vejam esta brincadeira séria que fizeram de sua ignorância enciclopédica alunos inteligentes da UnB: http://www.brasilpost.com.br/2014/09/22/luciana-genro-entrevista_n_5865358.html -- se referiu várias vezes a suas crenças (sim, crenças) como sendo uma "utopia concreta".
Ora, este livro do conhecido polemista francês -- cujos primeiros livros eu tinha conhecido muito cedo, quando eu ainda era um estudante esquerdista ao recém chegar na Europa e me deparar com o seu Ni Marx, Ni Jesus -- se dedica justamente a desmantelar as utopias socialistas que conseguiram sobreviver ao desmantelamento do muro de Berlim, do império soviético e da própria experiência histórica do socialismo real. O que sobrou, ele reconhece, foram ideias, e ideias são bem mais resistentes do que as construções humanas, como já tinha reconhecido paralelamente François Furet, um grande historiador liberal, tocquevilleano, mas que tinha vindo, como muitos, do marxismo, e até do PCF, que ele abandonou logo depois do massacre de Budapeste e do XX congresso do PCUS. Eu fiz uma grande resenha do seu livro Le Passé d'une Illusion, que pode ser lida neste post.
O socialismo deu dois suspiros e depois morreu, a despeito de remanescentes ridículos aqui e ali -- pequenas ilhas de miséria, uma vez que a China é um imenso experimento de capitalismo autocrático, o que pode parecer uma contradição anti-Friedmaniana, de Capitalism and Freedom -- mas ainda sobraram, justamente no terreno das (más) ideias, esses órfãos do socialismo, todos eles burgueses ou pequenos burgueses vivendo confortavelmente no capitalismo, e que insistem em continuar propagando utopias, na verdade muito pouco concretas.
Esse pessoal se reagrupou na última fortaleza inexpugnável do socialismo, o terreno da utopia. O socialismo em si, como explica Revel, não é imune a críticas. Mas a utopia está além e acima de qualquer recriminação. Ela é simplesmente inatacável, já que não se reporta a nenhum sistema existente, mas a uma vaga aspiração a um porvir melhor.
O socialismo sempre pode ser criticado, pelas falhas dos seus promotores -- eles "não fizeram direito o serviço", houve defeitos aqui e ali, se não fosse o capitalismo, mas o "ideal sempre foi válido" -- mas a utopia está fora do alcance de críticas concretas.
Pois bem, mas quando a candidata desmiolada e ignorante -- mas que ainda assim amealhou um bocado de votos, e não se sabe se os seus eleitores eram igualmente desmiolados e ignorantes, mas ela certamente era -- se referiu à sua "utopia concreta", não me lembro de alguém ter-lhe perguntado o que, exatamente, ela pretendia dizer com isso. Acho que ninguém, e nem mesmo ela saberia explicar, pois a verdade é que ela não sabe, não tem a menor ideia e nem pretende ter, pois não tem tempo de estudar, como lhe recomendaram os estudantes (que eles, sim, estudaram o socialismo e viram que não dá certo, o que Ludwig von Mises já tinha comprovado desde 1919).
Não sei se este livro de Revel já foi traduzido para o Português (qualquer um) e publicado no Brasil ou em Portugal, mas deveria: eu poderia oferecer um exemplar a essa candidata ignorante, se ela se comprometesse a lê-lo, o que eu duvido que faria, pois poderia abalar as suas convicções.
Mas, pelo que vejo pelos debates online nas redes de comunicação social acho isso impossivel. O pessoal que é true believer, ou seja, os criacionistas políticos, que são os órfãos do socialismo, são totalmente infensos a qualquer raciocínio lógico que venha a negar as suas crenças mais arraigadas, exatamente como os criacionistas, que acham que o mundo só tem um pouco mais de 4 mil anos e que os dinossauros (que conviveram obviamente com os homens, pois que também foram criados por deus em algum momento de distração) só não sobreviveram porque não couberam na arca de Noé.
Esse pessoal está além, acima, fora do escopo de qualquer argumento histórico, lógico, filosófico, experimental, simplesmente behaviorista (que elas chamariam de positivista, como se soubessem do que se trata), e estão completamente perdidos em sua nave da utopia.
São esses que sustentam a candidata desmiolada -- a verdadeira, não a utópica -- a despeito de reconhecerem que ela não é exatamente o ideal com quem sonhavam, e são esses que inventam todas as mentiras que depois vão servir aos menos informados (que estão em todas as regiões do país) como prova de que estão fazendo o melhor possível neste governo possível.
Eles são impossíveis.
Mas, se você não é um true believer, se você não é um criacionista político, você vai gostar de Jean-François Revel, de qualquer livro dele, embora este seja um dos mais adaptatados à nossa época e aos nossos problemas. Ele vai curá-lo de um monte de bobagens que você vai ouvir (ou já ouviu) de seu professor em classe, como também de candidatos que precisariam voltar para as salas de aula, como aquela candidata da utopia concreta que não teve vergonha de afirmar verdadeiras barbaridades nas suas aparições de TV. E o pior é que ela acreditava estar dizendo coisas geniais. Mais pior ainda, como diria o chefe da quadrilha, é que um monte de "babacas" se deixaram levar pelas suas palavras e ainda votaram no estupor.
Se eles tivessem lido este livro, não correriam esse risco.
Acho que se comprarem na Abebooks, mesmo pagando 11 ou 15 dólares de frete, ainda sai mais barato do que comprar na Cultura. Recomendo.
Boa noite, sem utopias...
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 11 de outubro de 2014.
PS: Recomendo uma visita ao site dedicada a ele e sua obra, que tem, inclusive, algumas referências em Português:
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