Um tiro no pé da Política Externa Brasileira
Marcelo Rech, 26/02/2015
As relações entre Brasil e Indonésia
atingiram o seu nível mais baixo após a presidente Dilma Rousseff negar-se, na
última sexta-feira, 21, a receber as cartas credenciais do novo embaixador do
país em Brasília, em retaliação à decisão do governo indonésio de manter a
execução do traficante brasileiro Marco Archer, em janeiro.
Ainda em janeiro, a presidente chamou à
Brasília o embaixador do Brasil em Jacarta, Paulo Soares, após o governo
indonésio negar o seu pedido de clemência ao brasileiro.
Nesta semana, o governo da Indonésia
chamou o embaixador Toto Riyanto de volta. O país está sem embaixador no Brasil
e o presidente indonésio considerou o gesto da colega brasileira “hostil” e
“abrupto”. Riyanto deve permanecer na Indonésia até que o Brasil sinalize
disposição em receber
suas credenciais. Ainda na sexta-feira,
20, o embaixador do Brasil em Jacarta, Paulo Soares, foi chamado à chancelaria
indonésia para consultas – gesto que no meio diplomático é entendido como de
desagrado pela contraparte.
A decisão da presidente da República
revela-se verdadeiro tiro no pé da já combalida Política Externa Brasileira.
Não ajuda em nada e deve piorar ainda mais a situação de Rodrigo Gularte, outro
traficante brasileiro preso naquele país e condenado à morte.
A humilhação a que foi submetido o
embaixador indonésio ocorre no momento em que aquele país decide submetê-lo a
uma perícia médica para constatar se de fato, ele sofre de esquizofrenia. Com
isso, Gularte poderia cumprir a pena numa instituição penal médica e com o
tempo, até ser autorizado a voltar para o Brasil.
Nesta terça-feira, 24, o presidente da
Indonésia afirmou que nenhum dos condenados à morte por tráfico de drogas será
poupado. Também deixou claro que as datas das execuções serão mantidas. Ele
criticou duramente as tentativas de interferência nos assuntos internos do seu
país e afirmou que vai ordenar a que a lei seja cumprida, apenas isso. Para a
chancelaria indonésia, o gesto da presidente Dilma Rousseff é “inaceitável”.
Consequências
Como se não bastasse, o vice-presidente
indonésio também reconheceu que o seu governo poderá rever a decisão de comprar
aviões civis e militares da EMBRAER e um sistema de mísseis – ASTROS 2020 –
fabricado pela brasileira AVIBRAS. Em 2010 e em 2012, foram assinados dois
contratos de venda de 16 Super Tucanos.
Além disso, outro contrato para a
aquisição de 20 jatos EMBRAER 190 está pronto para ser assinado com opção de
compra pela Indonésia de mais dez aviões do mesmo modelo.
O contrato com a AVIBRAS para a entrega
de 36 unidades do Sistema Astros, no valor de US$ 500 milhões, foi assinado em
2012, mas ainda não entrou em vigor. Inclusive, a AVIBRAS está montando um
escritório em Jacarta apenas para executar o contrato.
Caso a Indonésia decida rever estes
contratos, o prejuízo econômico para as respectivas empresas será irreversível.
Para a AVIBRAS poderá representar o próprio futuro.
A Indonésia também vinha trabalhando
para derrubar uma norma interna que obriga o país a comprar carnes apenas do
mercado regional asiático. Com isso, o Brasil poderia entrar no mercado de
exportação de frango, pato e peru.
A brasileira VALE também é a maior
mineradora de níquel da Indonésia desde 2006. A empresa investiu cerca de US$
3,5 bilhões na exploração e refino de níquel. Ali estão empregados quase seis
mil pessoas.
Dependendo da evolução dos fatos, a
empresa também poderá sofrer as consequências das decisões tomadas no Planalto.
Outro impacto negativo diz respeito aos
investimentos indonésios no Brasil. A empresa Riau Pulp por meio da Bahia Pulp,
em Camaçari (BA), tem investimentos de US$ 500 milhões para a produção de
celulose para a exportação.
Tudo isso poderá ser revisto graças à
decisão da presidente de retaliar um país soberano por conta de dois
traficantes internacionais de cocaína.
Cenários
A presidente da República telefonar ou
escrever a um colega Chefe de Estado para pedir clemência a um cidadão
brasileiro, é algo aceitável e admitido inclusive do ponto de vista
diplomático;
A presidente negar o recebimento de
credenciais diplomáticas de um representante estrangeiro configura
interferência em assuntos internos de um país soberano;
A presidente queimou um importante ativo
– a credibilidade da política externa brasileira – na defesa de dois nacionais
presos por tráfico internacional de drogas;
Do ponto de vista dos direitos humanos,
a dor das famílias é compreendida, mas a presidente buscou neste episódio,
criar uma comoção nacional em torno dos traficantes brasileiros presos na
Indonésia – como forma de criar um fato político capaz de retirar dos meios de comunicação,
a prioridade às denúncias que todos os dias salpicam o seu governo;
A sociedade brasileira não tragou o
engodo: os dois brasileiros sempre foram vistos como traficantes internacionais
de drogas, presos em um país cujas leis são rigorosas e cumpridas;
A humilhação a que submeteu o diplomata
indonésio implicará em custos altíssimos para o país, inclusive com a
possibilidade de vários contratos de exportação, incluindo aviões e mísseis,
serem cancelados.
Resta saber agora o que farão as empresas
envolvidas indiretamente na crise, pois poderão ser elas as que pagarão pela
estupidez arquitetada no Planalto
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