sexta-feira, 31 de março de 2017

CAMEX no Itamaraty: o melhor arranjo - Samo Goncalves

O melhor arranjo para a política comercial brasileira
Por Samo Gonçalves
Valor Econômico, 31/03/2017

A recente decisão do governo de transferir a Secretaria­Executiva (SE) da Camex para o Ministério do Desenvolvimento, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), por meio do Decreto 8.997/2017, posteriormente revogado, tem suscitado inúmeras ponderações a respeito do arranjo institucional de comércio exterior mais benéfico ao conjunto da sociedade brasileira.
Na semana passada, em artigo intitulado "A Camex e o interesse nacional", o
embaixador Rubens Barbosa defendeu a continuidade da SE­Camex no
Itamaraty com base em dois argumentos: 1­ a necessidade de assegurar certa previsibilidade ao setor privado na condução de temas de comércio exterior, sobretudo após as importantes e positivas mudanças promovidas pela nova Secretária­ Executiva da Camex, Tatiana Rosito; e 2­ o Mdic não necessitaria abrigar a SE porque continua dispondo de importante influência no processo decisório do órgão colegiado, uma vez que preside a maior parte de seus conselhos e comitês.
No final, o embaixador propõe uma solução de compromisso, com o retorno da presidência do comitê ao Mdic e a manutenção da SE­Camex no Itamaraty.
Complementarmente às razões arroladas pelo embaixador Rubens Barbosa, apresento argumento adicional em favor da continuidade da SE­Camex no Itamaraty. Há um crescente entendimento de que parte importante da solução dos problemas brasileiros passa por sua maior integração à economia mundial. O grau de abertura da economia brasileira, medido pela corrente de comércio em relação ao PIB (oscila em torno de 24%), é um dos mais baixos do mundo. Se considerarmos apenas a representatividade das importações no PIB, o Brasil figura como a segunda economia mais fechada do mundo, "perdendo" apenas para a Nigéria.
Embora seja a nona maior economia do mundo, o país ocupa apenas o 25o lugar em termos de exportações e o 23o no ranking dos maiores importadores, em claro contraste com as demais grandes economias mundiais. A estrutura tarifária do Brasil também é um "ponto fora da curva". A tarifa aplicada média sobre as importações ­ simples (13,5%) e ponderada (7,8%) ­ está entre as mais altas do mundo, inclusive acima da média de países com níveis de desenvolvimento comparáveis, como os demais membros dos Brics, Coreia do Sul e México.
É importante ressaltar que nenhum país do mundo atingiu níveis elevados de desenvolvimento ­ e escapou da "armadilha" da renda média ­ sem uma profunda integração aos fluxos de comércio global. O aumento da participação brasileira nesses fluxos traria não apenas os tão conhecidos benefícios diretos ­ acesso a novos mercados, produtos mais baratos, novas tecnologias, mais investimentos estrangeiros diretos, aumento da produtividade, do emprego e da renda ­, mas também indiretos, na medida em que serviria de estímulo para que o país avance na implementação da tão necessária agenda de reformas domésticas.
Responsável pela formulação, implementação e coordenação da política comercial brasileira, a Camex tem um importante papel a desempenhar na condução do processo de integração do país à economia global. Decisões estratégicas sobre a política comercial do país, como alterações nas alíquotas de importação e mudanças em procedimentos de política de defesa comercial, são tomadas no âmbito desse órgão. Haja vista os impactos horizontais e redistributivos que tais decisões têm sobre o conjunto da economia brasileira, é essencial que elas sejam tomadas com base em análises econômicas robustas e equilibradas.

Volta da SE­Camex ao Mdic tornaria a política comercial mais suscetível à influência do lobby do setor industrial

Como se sabe, a Camex é órgão colegiado, composto por diferentes ministérios, com públicos e interesses diferentes. O pressuposto da existência de um colegiado é justamente o de garantir decisões que levem em conta a visão do conjunto das pastas. Assim, é importante que a Secretaria­Executiva, que desempenha importante papel no encaminhamento das questões junto às instâncias decisórias da Camex, não esteja vinculada a ministérios setoriais na medida em que esses são mais permeáveis à influência dos lobbies.
Por dever de ofício, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) defende, de forma legítima, os interesses do setor industrial brasileiro. Em linha com as preferências desse setor, historicamente refratário a uma maior abertura da economia brasileira, o Mdic costuma adotar, nas discussões no âmbito da Camex, posição mais cautelosa em relação a uma maior abertura comercial do país. Embora legítimos, os interesses da indústria não se confundem, necessariamente, com os interesses do Brasil, já que é preciso considerar, nessa equação, as perspectivas de outros setores produtivos, além dos interesses difusos, embora não menos importantes, dos consumidores brasileiros.
O retorno da SE­Camex ao Mdic tornaria, portanto, a política comercial ainda mais suscetível à influência do lobby protecionista do setor industrial e, consequentemente, dificultaria a estratégia atual do governo Temer de elevar os investimentos e a competitividade da economia brasileira por meio de um aprofundamento da inserção do Brasil no mundo.
O Itamaraty, por sua vez, exerce papel de coordenação da política externa brasileira ­ sendo a política comercial parte dela ­ e tem por ofício externar, no plano internacional, posição que reflita o equilíbrio dos interesses dos diferentes setores do País. Essa isenção institucional lhe permite conduzir, de forma mais imparcial e equilibrada, a agenda de política comercial brasileira na SE­Camex.
Não são poucos, entretanto, aqueles que consideram que a SE­Camex deveria ser transferida para a própria Presidência da República (ou para a Casa Civil), de forma que mantivesse o caráter coordenador e transversal e, ainda, visse reforçada sua capacidade de auxiliar na resolução de visões conflitantes sobre muitos dos temas que são submetidos à Câmara. Tal arranjo permitiria manter o compromisso do novo governo com a centralidade do comércio exterior no conjunto das políticas de governo.
Em conclusão, seria desejável preservar a ambição do novo arranjo institucional da Camex, estabelecido pelo Decreto no 8.807, de 2016, que busca consolidar o caráter transversal da Câmara de Comércio Exterior, que não se confunde com as políticas e atividades específicas de ministérios setoriais, como o Mdic. É importante que o presidente Temer e a elite política do país levem tais elementos em consideração no momento de decidir em que ministério ficará abrigada a estrutura da SE­Camex.

Samo S. Gonçalves é diplomata, atualmente lotado na Missão do Brasil junto à OMC. As visões expressas neste artigo são manifestações pessoais e não refletem as posições do Ministério das Relações Exteriores.

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