Ainda antes de partir para Brasília, fazendo trânsito por Porto Alegre, eu redigi, e enviei ao futuro chefe, uma nota bastante crítica quanto ao momento vivido no Brasil, nos planos econômico, político e moral, sendo progressivamente pessimista em cada um deles. Esse trabalho, exageradamente intitulado de “breve diagnóstico” e de “propostas para ação”, recebeu o n. 1137, e permaneceu inédito durante todo o tempo, sendo apenas agora divulgado sem cortes.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2/09/2018
Breve diagnóstico e propostas de ação
Nota sobre a conjuntura em outubro de 2003
Paulo Roberto de Almeida
Reservado; não copiar, não distribuir.
Porto Alegre, 26 de outubro de 2003
Concentrarei minha breve análise do momento atual, e farei minhas sugestões de atuação no futuro imediato, em torno de três dimensões, apenas, da ação governativa: a econômica, a políticae a moral (ou ética).
Do ponto de vista da economia, ao contrário do que vêm dizendo os críticos mais renitentes (que por acaso são os antigos e/ou velhos aliados da causa), a postura assumida pelo governo parece ser, a despeito dos riscos inerentes ao baixo crescimento e o escasso potencial de criação de empregos, a única possívelnuma conjuntura de dificuldades persistentes nos planos interno e externo.
Independentemente do fato de que a estratégia de administração econômica tem agradado os banqueiros e os economistas ortodoxos e descontentado, como é notório, os economistas “alternativos” — como aqueles que se reuniram em Brasília, entre os dias 10 e 13 de setembro de 2003, no XV Congresso Brasileiro de Economistas, e aprovaram a “Carta de Brasília”, com uma forte posição crítica sobre os rumos atuais da política econômica — ou mesmo a comunidade mais ampla de “trabalhadores acadêmicos” — como os reunidos na ANPOCS, em Caxambu, de 21 a 24 de outubro de 2003 —, a única constatação que pode ser feita nesse capítulo é a de que os propositores de uma estratégia desenvolvimentista-distributivista falharam redondamente, até aqui, em propor alguma estratégia factível de gestão econômica alternativa, que logre assegurar estabilidade e que promova o crescimento, dentro das limitações empíricas existentes (que são totalmente ignoradas por esses críticos).
Meu diagnóstico, portanto, é o de que a estratégia econômica deve ser não apenas mantidacomo preservadade críticas internas, com a sugestãode que o governo promova nova reunião interna com a base parlamentar (e eventualmente do PR com os ministros) com o objetivo de aprofundar os esclarecimentospertinentes e lograr coesão adicional em torno dessa estratégia de ação. Poderei fornecer, em documento à parte, “respostas” às críticas formuladas pelos economistas “alternativos”.
Do ponto de vista da política, por outro lado, não há como deixar de concordar com muitos analistas políticos e jornalistas sérios, de que uma metade do governo, pelo menos, tem deixado fortemente a desejar em sua ação (ou falta de), trazendo ônus reais para o PR, assim como para a gestão política global do governo. Em parte isso deriva do “custo natural” de um processo de transição inédito para os padrões da política brasileira, mas também pode ser explicado pela inexperiência administrativada nova equipe e pela composição heterogênea do primeiro escalão, fruto de uma composição partidária necessária no momento de assunção do governo.
Meu diagnóstico é o de que o governo tem funcionado com excesso de retórica e pouca ação coordenada ou, para resumir, mais com base em Antonio Gramsci (conceitos abstratos) do que com base em Peter Drucker (gestão pragmática e focada em resultados). As sugestões não são simples, mas talvez elas passem por um enxugamento mais ou menos radical da máquina e pela definição de um conjunto de ações governativas centradas no atendimento das questões mais cruciais de interesse direto da população. Essas questões me parecem ser basicamente duas: emprego (ou renda) e segurança.
O governo não está em condições de, nem poderá, garantir o primeiro elemento, pois isso incumbe à iniciativa privada, bastando que a macroeconomia não atrapalhe indevidamente a microeconomia (o que é problemático, uma vez que o Estado continua a ser o principal despoupador líquido da economia, afetando o sistema produtivo). Mas ele tem e precisa garantir o segundo elemento da equação, segurança, junto com o provimento de serviços básicos, que são essencialmente saúde e educação (este o principal garantidor de que o coeficiente de Gini poderá mover-se um pouco mais para baixo até 2006). Minha sugestão concreta seria a de que o novo governo se concentrasse nessas ações básicas nos próximos três anos.
A questão moral, finalmente, tem a ver com a credibilidade do governo, e esta me parece estar seriamente no limite de um diagnóstico negativo por parte da população, com base em alguns eventos ou episódios bastante conhecidos no período recente (nem todos, é verdade, situados na esfera do executivo, mas a população não tem a sutileza das necessárias distinções, atribuindo-os todos ao “governo”). A experiência indica que uma vez operada a caracterização da “indiferença” ou da “conivência” do governo, torna-se difícil reverter o grau de confiança antes disponível, isso no seio de uma grande massa que pode ter votado como o fez em outubro de 2002 não com base em considerações de natureza econômica ou política, mas essencialmente em função de preceitos éticos. Minha sugestão é a de que o governo atue pronta e radicalmente nessa frente, à margem e independentemente de qualquer processo futuro ou em curso de reforma ministerial.
A governabilidade exige que a economia funcione bem (ou que pelo menos ela não provoque desgastes adicionais), que a política seja eficiente (ou que pelo menos ela aparente ser) e que os padrões éticos do governo sejam inatacáveis (aqui sem qualquer compromisso). Estes critérios devem ser escolhas do estadista. Todo o resto é secundário.
Paulo Roberto de Almeida
Porto Alegre, 26 de outubro de 2003
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