Seixas
Corrêa: o Paulo Roberto não existe!
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: comentário a entrevista; finalidade: concordar com o autor da
frase]
Poucas semanas atrás fui
solicitado a conceder uma entrevista à jornalista Consuelo Dieguez, da revista Piauí, sobre o nosso inefável chanceler
(desculpem, não sei se esse é bem o termo que se aplica ao ministro acidental)
e suas peripécias no Itamaraty, sendo que tal demanda foi feita apenas por ter eu
sido defenestrado por esse personagem de meu posto de diretor (entre 3/08/2016
e 4/03/2019) do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais numa chuvosa
manhã de Carnaval. De natureza mais para o reservoso – um pouco como o coronel
Ponciano de Azeredo Furtado, do genial romance de José Cândido de Carvalho, O Coronel e o Lobisomem –, eu não teria
me prestado a uma diatribe pública, preferindo ficar no meu canto, lendo e
escrevendo, se não fosse, justamente, por essa pedra no meu caminho geralmente
discreto, e especificamente voltado para essas leituras e escritos mal sabidos e
pouco lidos.
Mas acontece que, nessa
mesma trajetória, minhas retinas fatigadas de várias outras leituras acabaram
topando tardiamente com essa matéria da Piauí,
exatamente na manhã deste 11 de abril, numa leitura de avião e aeroporto. E qual
não foi a minha surpresa, ao deparar-me com uma frase absolutamente genial e
verdadeira, que aliás confirma o meu natural reservoso referido acima. Para os
que necessitam colocar a frase em seu contexto remeto à matéria completa, com
estes dados editoriais: Consuelo
Dieguez, “O chanceler do regresso: os planos de Ernesto Araújo para salvar o
Brasil e o Ocidente”, revista Piauí (n.
151, abril 2019, p. 20-29). A frase aparece na p. 27, quando Seixas Corrêa,
indagado pela jornalista, nega que ele me tenha punido pela “Lei da Mordaça” –
isso foi em 2001 e novamente em 2002 – e proclama solene e peremptoriamente:
O Paulo Roberto é um rapaz muito inteligente, mas, sinceramente, ele não
existe.
Quero de imediato declarar minha satisfação por ter sido objeto de uma
declaração de tão augusta figura – descendente de barões do Império e grande
servidor do Itamaraty durante décadas, tendo inclusive galgado por duas vezes o
mais alto posto reservado aos membros da carreira, o de Secretário Geral – e
afirmar, também peremptoriamente, que concordo, em gênero, número e grau, com
tal afirmação do circunspecto embaixador: Sim,
eu não existo! Ufa! Isso me dá um grande alívio
Com efeito, pelo menos agora eu não existo, funcional ou diplomaticamente,
uma vez que não tenho nenhum cargo no Itamaraty, nem terei qualquer outro cargo
em postos do exterior, pois uma pessoa que não existe não pode pretender
representar o Brasil, não é mesmo? Portanto, como antigamente, nos tempos mais
sorridentes do lulopetismo diplomático, vou ter de me recolher ao meu habitat natural,
a Biblioteca do Itamaraty, onde continuarei fazendo o que sempre fiz nessa
minha vida profissional e acadêmica de muitos livros e algumas poucas pedras no
caminho: ler, refletir, escrever, eventualmente publicar o que escrevo, seja
nas minhas ferramentas sociais, seja em revistas, seja sob a forma de livros.
Exatamente como já o fiz, na anterior travessia do deserto, durante o lulopetismo,
que demorou o exato dobro de meu autoexílio de sete anos no exterior, durante a
ditadura militar, que tampouco existe, segundo o chanceler e um anterior responsável
pelo MEC.
Entre 2003 e 2016 não tive nenhum cargo na Secretaria de Estado das
Relações Exteriores, quando então passei vários anos nesse douto exílio, especial
para bibliófilos, o que me possibilitou escrever dois ou três livros, além de
incontáveis artigos. Aliás, não sei se o embaixador Seixas Corrêa reparou, mas
esta pequena nota que escrevo num aeroporto leva o número 3.447 na minha lista
de trabalhos originais, sendo que o último trabalho publicado, justamente uma
avaliação dos cem primeiros dias da diplomacia do genro dele (na verdade não é) – “Uma revolução cultural
acontece na diplomacia brasileira”, revista Época
(10/04/2019; link: https://epoca.globo.com/uma-revolucao-cultural-acontece-na-diplomacia-brasileira-opiniao-23588268)
– leva o número 1306 da lista de trabalhos publicados. Não quero, por favor, constrangê-lo,
com esse estranho caso de um ser que não existe, mas que vive escrevendo e
publicando...
Pois eu estou muito
contente de NÃO EXISTIR, pelo menos
na perspectiva da atual, e deplorável, diplomacia do genro do embaixador Seixas
Corrêa, pois ela é uma assemblagem mal costurada de invectivas contra o
globalismo – outra coisa que, como diria aquele antigo astrólogo argentino, NO
ECZISTE! –, de lamentos e indignação sobre a decadência do Ocidente cristão –
calma, gente, Trump está aí para nos salvar –, de luta ingente contra o
marxismo cultural – que contaminou, como se sabe, pelo menos metade dos
diplomatas –, enfim, contra outros males secundários (climatismo, falta de uma
verdadeira fé, além de várias doenças de pele), mas que estão sendo
vigorosamente combatidos pelo brancaleônico exército de novos templários que
assaltou, literalmente, o governo, a sociedade, o país e a nação.
Para isso, eu
realmente não existo. Nem quero existir, pois minha biografia contaminada pelo
marxismo cultural ficaria indelevelmente marcada por uma colaboração não
desejada com um dos mais contundentes assaltos contra a racionalidade, o bom
senso, a prudência e o comedimento, que sempre caracterizaram a ação do
Itamaraty desde o Império até essa republiqueta da nova direita, que não parece
dispor de uma doutrina acabada, ou sequer de um mapa do caminho, sendo apenas
um caminhar errante e hesitante entre o nada e o lugar nenhum.
Agradeço, portanto, ao embaixador
Seixas Corrêa, por deixar patente, claríssima e declarada a minha não existência,
e posso confirmar que continuarei assim mesmo: não existindo, mas de vez em
quando escrevendo, postando ou publicando algumas coisas, a partir desse lugar
que eu muito prezo, onde já estive anteriormente: o limbo.
Termino dizendo que este
ser inexistente que vos escreve inaugura por esta pequena nota uma nova série de escritos, “Crônicas do Limbo”, através das quais
lembrarei a todos que mesmo fantasmas podem, de vez em quando, vir a incomodar
os seres existentes, que poderão, ou não, replicar nos mesmos espaços nos quais
escrevo, como sempre abertos a tudo o que for inteligente e pertinente.
Saudações etéreas...
Paulo Roberto de Almeida
Rio de Janeiro, 3447; 11 de abril de 2019
O astrólogo era espanhol, nao argentino. Chamava-se Padre Quevedo, e sim, costumava dizer que o diabo "non ecziste". Alias, o gurú de Virgina diz muito também: "Isso nao existe". Saudaçoes.
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