Os muito céticos, ou protecionistas, dirão que, depois que já cedemos tudo para a UE, para ter aquele acordo que já tinha se tornado maior de idade só em negociações, pode-se facilmente fazer um novo acordo com os EUA, e os "amigos" americanos aproveitarão para extrair o máximo de concessões do Brasil, já que o futuro embaixador é um trumpista convencido. Só para ter um acordo, vão ceder até um pouco mais.
PRA
Acordo de livre-comércio
Brasil-EUA
A volta às negociações internacionais abre uma série
de possibilidades para o nosso país
Rubens
Barbosa*
O
Estado de S.Paulo, 13
de agosto de 2019 | 03h00
Um
acordo comercial do Brasil com os Estados Unidos, a única superpotência global,
será sempre muito importante para a economia de nosso país. A visita do
secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, reavivou o assunto e o colocou na
agenda da relação com Washington.
Declarações
oficiais de alto nível de ambos os lados reforçaram a percepção de que um
acordo dessa importância será possível em curto prazo. “Vamos trabalhar para um
acordo comercial com o Brasil”, disse o presidente Donald Trump. O ministro da
Economia, Paulo Guedes, declarou que as negociações entre os dois países para
um acordo comercial já começaram. E Marcos Troyjo, secretário de Comércio
Exterior, afirmou que o objetivo é trabalhar por um acordo mais amplo,
incluindo produtos e tarifas. O secretário de Comércio americano observou que,
de início, os entendimentos deveriam basear-se na negociação de um acordo de
investimentos e na eliminação dos entraves e da burocracia no intercâmbio
bilateral.
Como
devem esses pronunciamentos públicos ser interpretados de forma realista e
pragmática, à luz do interesse brasileiro?
O relançamento da ideia de um acordo comercial feito
pelo governo norte-americano coincidiu, em nada por acaso, com a finalização,
depois de 20 anos, dos entendimentos do Mercosul com a União Europeia (UE). E
veio com uma advertência clara de que nada no acordo com Bruxelas deveria ser
contraditório a um acordo com os EUA, como a questão
dos standards (padrões comerciais), indicadores geográficos, produtos
farmacêuticos, químicos, automóveis e alimentos. Will Ross foi cauteloso ao
assinalar que a negociação é um processo gradual que deveria iniciar-se sem a
discussão de tarifas. Mencionou que a preferência era de um entendimento com o
Brasil (não com o Mercosul), que começaria com a negociação de um acordo de
investimento bilateral e com medidas recíprocas de facilitação de comércio,
desburocratização, harmonização de regras, enfim, de um acordo que evitasse a
bitributação. Nas conversas foram feitas referências a produtos específicos que
poderiam, a seu ver, ganhar com esse tipo de negociação: açúcar, etanol,
autopeças, trigo, economia digital.
Não
se podem alimentar ilusões precipitadas. Por mais importante e significativo
para o Brasil, nesse acordo com os EUA, apesar das declarações otimistas de
parte a parte, há limitações que não podem ser ignoradas. É realista pensar, de
início, numa forma bilateral gradualista, sem esperar pelo Mercosul. No
entanto, um acordo comercial amplo, que inclua produtos e tarifas, terá de ser
negociado com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Não esqueçamos que a
política de comércio exterior dos Estados Unidos é muito protecionista, como
provam a saída desse país do acordo com a Ásia (Parceria Transpacífica), a
renegociação do Nafta com o México e o Canadá, as dificuldades no acordo com a
UE e a guerra comercial com a China. Além disso, a autorização do Congresso
americano (TPA) para negociação de acordos comerciais expira em junho de 2021.
Em
outubro de 2020 haverá eleições presidenciais nos EUA e é pouco provável que a
atual administração norte-americana embarque em negociações sérias com o
Mercosul, até por causa do grande lobby agrícola em Estados que são cruciais
para o sucesso eleitoral de Trump. Dependendo do resultado da eleição
presidencial na Argentina, se Mauricio Macri não conseguir a reeleição,
abrir-se-á a possibilidade aventada pelo governo brasileiro de um acordo
bilateral Brasil-EUA, de negociação talvez mais rápida.
Por
outro lado, os EUA já negociaram acordos comerciais seguindo o modelo do Nafta
com todos os países das Américas, com exceção dos países do Mercosul. É difícil
imaginar um acordo do Mercosul com os EUA que não seja de adesão ao modelo
Nafta, sobretudo na área agrícola, em que residem a maior força e os interesses
do subgrupo regional.
Caso
as declarações oficiais se concretizem, as negociações de um acordo comercial
com o Mercosul, na melhor das hipóteses, somente começarão no início de 2021 e
demorarão algum tempo, o que exigirá a aprovação de uma extensão do TPA com o
Congresso, sempre demorada e difícil.
Nas
conversas do secretário de Comércio com autoridades brasileiras transpirou,
segundo o ministro Paulo Guedes, que o governo de Washington estuda uma
proposta de aliança estratégica para todo o continente, além de um acordo de
livre-comércio. Sem maiores detalhes sobre o tema, a ideia poderá estar baseada
em interesses estratégicos dos EUA, ameaçados pela crescente presença da China
na região, pelo recém-concluído acordo Mercosul-UE e pela crise da Venezuela.
É
interessante assinalar que a ideia de associação estratégica coincide com a
divulgação do acordo de associação da UE com o Mercosul, ao lado do acordo
comercial. A inclusão do Brasil, ao lado da Argentina e da Colômbia, como
aliado estratégico dos EUA não membro da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan) e a ideia de transformar a Otan num tratado que inclua o Atlântico
Sul podem ser indícios de que o governo americano está pensando em resguardar
seus interesses em termos de defesa. A negociação com o Mercosul completará a
rede de acordos comerciais no Hemisfério, o que poderia explicar a cogitação de
reviver uma nova Área de Livre-Comércio das Américas (Alca).
Como
se vê, a volta do Brasil às negociações internacionais, depois de um isolamento
de quase 20 anos, dá margem a uma série de possibilidades envolvendo nosso país
que necessitam ser analisadas de forma objetiva e sem apriorismos ideológicos,
para uma adequada defesa do interesse nacional.
Sem
a melhora da competitividade e a modernização da economia com as reformas e a
redução do papel do Estado, o setor produtivo dificilmente terá condições de
aproveitar as oportunidades que deverão surgir com o novo ambiente de negócios
regional e global.
*PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E
COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)
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