Vivendo com Livros: uma loucura gentil
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Índice
À guisa de prefácio
HISTÓRIA
1. Pierre Renouvin: Histoire des relations internationales
2. Pandiá Calógeras: A Política Exterior do Império
3. Hélio Vianna: História Diplomática do Brasil
4. Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil
5. Amado L. Cervo/C. Bueno: História da Política Exterior do Brasil
6. Carlos M. Pelaez/Wilson Suzigan:
História Monetária do Brasil
7. John W. F. Dulles: Mr Dulles e o Brazil
ECONOMIA
8. Paul Krugman: Rethinking International Trade
9. Santiago Fernandes: A Ilegitimidade da Dívida Externa
10. Pedro da Motta Veiga: A Evolução do Mercosul: cenários
11. José Maria Aragão: Harmonização de Políticas no Mercosul
POLÍTICA
12. Alexandre Soljénitsyne: Lénine à Zurich
13. Movement for Socialist
Renewal: Manifesto for a new USSR
14. Lodgaard/Birnbaum (eds): Overcoming Threats to Europe
15. José Carlos Mariategui: Política Exterior y Diplomacia
16. Daniel Yergin: The Prize: The Quest for Oil, Money and Power
17. Jean-Christophe Rufin: L’Empire et les Nouveaux Barbares
18. Maria Helena Tacchinardi: A Guerra das Patentes
19. Moniz Bandeira: Estado e Política Internacional na América
Latina
SOCIOLOGIA
20. Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil
21. Helder Gordim da Silveira: Integração latino-americana
22. Rubens Antonio Barbosa: América Latina em Perspectiva
23. Pedro Scuro Neto: Pactos e Estabilização Econômica
24. Hélio Jaguaribe: Brasil 2000
DIREITO
25. A. A. C. Trindade: Repertório Brasileiro de Direito
Internacional
26. José A. E. Faria: Princípios, Finalidade do Tratado de
Assunção
FILOSOFIA
27. Sérgio Paulo Rouanet: Édipo e o Anjo: Freud e Walter Benjamin
28. Sérgio Paulo Rouanet: Teoria Crítica e Psicanálise
29. João Almino: O Segredo e a Informação: ética e política
30. Sérgio Bath: Maquiavelismo: a
prática política segundo Maquiavel
31. Francis Fukuyama: The End of History?
CIÊNCIA
32. Stephen Jay Gould: Ever Since Darwin/Mismeasure of Man
33. Martinière-Cardoso (eds): Coopération Scientifique France-Brésil
34. Livros de
Paulo Roberto de Almeida
35. Nota sobre o
autor
Detalhes do produto
- Formato: eBook Kindle
- Tamanho do arquivo: 555 KB
- Número de páginas: 344 páginas
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À guisa de prefácio
Es, pues, de saber, que este sobredicho hidalgo, los ratos que
estaba ocioso... se daba a ler...; y llegó a tanto su curiosidad y desatino en
esto, que vendió muchas hanegas de tierra... para comprar libros... y así llevó
a su casa cuantos pudo haver dellos. (...) En resolución, él se enfrascó tanto
en su lectura, que se le pasaban las noches leyendo de claro en claro, y los
dias de turbio en turbio; y así, del poco dormir y del mucho leer se le secó el
celebro, de manera que vino a perder el juicio.
Miguel de Cervantes
Saavedra
Ainda não me ocorreu, apesar do excesso de leituras, a fatalidade que se
abateu sobre o cavaleiro da Mancha. Em todo caso, meu cérebro não parece ter
secado pelo fato de também passar muitas noites na companhia dos livros ou
escrevendo sobre eles. Este livro, que fala exclusivamente de outros livros,
pode ser considerado como o resultado de algumas dessas noites de leitura.
As resenhas de livros, como se sabe, têm geralmente o estranho hábito de
revelar não exatamente o conteúdo do livro examinado ou o que diz o autor em
causa, mas mais frequentemente o que pensa deles o próprio resenhista. Este
volume não pretende ser uma exceção a essa regra não-escrita da prática do book-review, mesmo se ele a implementa
de uma maneira particular.
Com efeito, os resenhistas profissionais costumam ostentar um certo air
blasé ou de détachement vis-à-vis da
obra resenhada, típicos de quem se julga no direito de falar bem (ou mal) do
autor, sem outros objetivos que os de parecer erudito ou de impressionar o
leitor. A grande vantagem desta coletânea em relação às antologias de
resenhistas é talvez o fato de que ela não foi feita por um resenhista profissional,
mas sim por um simples amante dos livros.
Os trabalhos aqui coletados foram escritos não por encomenda de algum editor
ou diretor de folha literária, mas como resultado de minha livre escolha,
motivado única e exclusivamente pelo desejo de realizar eu mesmo uma espécie de
“homenagem voluntária” aos livros ou aos autores selecionados. Essa postura é
tanto mais defensável e legítima que muitas das resenhas aqui incluídas não
foram escritas para serem publicadas e nem mesmo se referiam a obras do momento
ou a autores vivos. Motivou-me o simples gosto da palavra escrita, que
responde, neste caso, a meu incontrolável, constante e não tão secreto vício da
leitura.
Efetivamente, tenho vivido com livros, pelos livros e para os livros uma
boa parte de minha vida, provavelmente dois terços de uma existência passada na
atenta fixação do papel impresso. Entretanto, até onde alcançam minhas
lembranças da primeira infância, não se pode dizer que o gosto da leitura
constituísse uma espécie de kismet
pessoal ou que ele estivesse entranhado num certo ambiente familiar.
Não me lembro, por exemplo, que minha casa contivesse muitos livros, pelo
contrário, provavelmente muito poucos. Meus pais, típicos filhos de imigrantes
pobres, de extração camponesa portuguesa e italiana, tinham sido criados entre
o trabalho e a escola, processo que conduziu a uma educação primária incompleta
nos dois casos. Mas, como todos os imigrantes, ambos davam uma importância
muito grande à educação formal dos filhos, o que, dadas as condições de penúria
material em que vivíamos, não necessariamente se traduziu em aquisição
voluntária de outros livros que não, chegada a hora, os didáticos.
Foram circunstâncias fortuitas que me fizeram chegar aos livros e com eles
passar boa parte de minha vida. Minha casa, na então Chácara Itaim, bairro
paulistano do Jardim Paulista, ficava muito próxima de uma biblioteca infantil,
que eu passei a frequentar antes mesmo de estar formalmente alfabetizado. Na
“Biblioteca Anne Frank” passei todos os anos de minha infância e os primeiros
da adolescência. Uma vez treinado nas primeiras letras, na “atrasada” idade dos
sete anos, passei a ler furiosamente: lia com avidez, não só na própria
biblioteca, como todos os dias retirava sistematicamente um ou dois livros para
ler em casa, à noite. Se não li todos os livros da biblioteca, devo ter chegado
muito perto disso.
Alguns anos depois, trabalhando durante o dia e estudando à noite, passei a
frequentar as bibliotecas do centro de São Paulo: a pública “Mário de Andrade”,
a liberal e circunspecta da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a
especializada em economia do Centro das Indústrias, a da USIS, junto ao
Consulado dos Estados Unidos, a da União Cultural Brasil-Estados Unidos e
várias outras mais. Também comecei a percorrer incessantemente as livrarias do
centro da cidade, em especial a velha Brasiliense, na Barão de Itapetininga, e a
Zahar, na Praça da República.
Enfim, foram anos e anos de contato com os livros, lendo em toda e qualquer
circunstância, em casa ou no trabalho, na escola e nos transportes públicos,
sob chuva ou sol quase se poderia dizer. Raramente, ou quase nunca, saía de
casa sem um livro na mão ou na pasta: qualquer oportunidade era boa para se
avançar na leitura, mesmo na fila do recrutamento militar (quando estava
acompanhado de Gustavo Corção, uma leitura insuspeita nos anos do regime
militar). Ao deixar o Brasil pela Europa, no começo dos anos 70, arrastei
comigo uma biblioteca que certamente deve ter intrigado diversos agentes
alfandegários. No velho continente, como não podia deixar de ser, passei boa
parte de uma longa estada de sete anos voluntariamente encerrado em bibliotecas
universitárias, sobretudo a do Instituto de Sociologia da Universidade de
Bruxelas. Continuei depois esse hábito nas demais cidades a que fui levado por
força de uma vida profissional sempre nômade.
Desde muito cedo, habituei-me também a fazer fichas de livros, sob a forma
de notas sintéticas, algumas compilações mais ou menos longas ou mesmo resenhas
críticas, em cadernos ou folhas esparsas. Infelizmente, algumas dessas resenhas
pioneiras foram perdidas com os papéis da juventude, entre a partida e a volta
da Europa. Minha primeira resenha publicada parece ter sido a de uma obra do
Erich Fromm, A Sobrevivência da Humanidade
(tradução brasileira, pela Zahar, de Can
Man Survive?), que saiu no jornal do centro acadêmico do Colégio Costa Manso,
onde eu cursava o Clássico (em torno dos 16 anos, portanto). Muitos outros
trabalhos dessa época, que precedeu minha saída do Brasil, se perderam:
lembro-me de extensos resumos de obras políticas, de leituras anotadas de
Sartre, Celso Furtado, Caio Prado, Florestan Fernandes e muitos outros autores
brasileiros ou estrangeiros.
Mais tarde, durante minha estada universitária na Europa, preenchi diversos
cadernos quadriculados, organizando-os por temas, ali compilando apreciações
críticas e resumos de dezenas de livros, sem considerar as simples notas
bibliográficas, que tinham seus cadernos especiais. Mas, essas anotações não
cobrem senão uma parte de minhas leituras, aquelas ligadas diretamente ao
estudo acadêmico ou às preocupações políticas. Dezenas de outros livros, cujos
títulos se perderam em agendas extraviadas, permaneceram sem registro, sem
falar dos muitos romances, policiais ou literários, que nunca foram objeto de
qualquer tentativa de “crítica literária”. Se fosse possível fazer uma lista
mais ou menos abrangente de minhas leituras, ela certamente ocuparia dezenas de
páginas e nunca estaria completa.
A presente seleção de livros resenhados, portanto, não cobre senão uma
ínfima parte de minhas leituras, compreendendo as obras efetivamente objeto de
apreciação crítica. Alguns dos trabalhos aqui reunidos foram, parcial ou
integralmente, publicados em revistas acadêmicas ou periódicos brasileiros,
muito embora diversas outras resenhas permaneçam inéditas até aqui. Uma única
exceção ao critério de autoria: a inclusão do resumo de minha própria tese de
doutoramento em ciências sociais, mas que no caso serve para explicar melhor
minha posição em relação à obra de Florestan Fernandes, objeto de um trabalho
na seção “Sociologia”. Várias outras resenhas não foram escritas pensando
precipuamente em sua divulgação, mas sim sob a forma de simples avaliação
pessoal no curso de um estudo. Elas são agora transcritas em sua forma
original, salvo, num ou noutro caso, pequenas adaptações de forma ou supressões
de trechos, por inadequação à atualidade ou limitações de espaço.
Mais do que simples resenhas, estes trabalhos correspondem ao que um habitual
leitor do The New York Review of Books,
como eu, chamaria de review-article, que na verdade significa aproveitar
a oportunidade da publicação de algum novo livro (neste caso, alguns antigos
também) para falar sobre os mais diversos problemas de atualidade ou de
história. O livro-objeto é, assim, uma simples escusa para uma digressão sobre
temas diversos, em outros casos quase que um exercício de estilo ou um divertissement.
Um dia, vou percorrer novamente as bibliotecas de minha infância e
adolescência e tomar nota de todos os livros que me fizeram companhia por
tantos e tantos anos. Por falta de tempo, isto não ocorrerá certamente antes da
aposentadoria, período que já antevejo como de um retorno a intensas leituras.
Esperando chegar esse tempo, decidi selecionar, à intenção dos amigos e
curiosos, algumas de minhas leituras anotadas, isto é, aquelas que resultaram
em resenhas formais e que, como tal, foram objeto de publicação.
Dedico esta primeira coletânea, com todo amor, a alguém que realiza a proeza
de ler ainda mais do que eu, Carmen Lícia, sem cuja compreensão eu não teria
cultivado, com tanta intensidade, o vício compulsivo da leitura.
Paulo Roberto de Almeida
Paris, dezembro de 1994
Brasília, 29 de dezembro de 2019
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