domingo, 8 de janeiro de 2023

Réquiem para uma ilusão: a trajetória do comunismo no Brasil, 1922-1992 - Gustavo Marques

A melhor síntese sobre a história do comunismo no Brasil, objeto de um livro ainda mais importante.

Réquiem para uma ilusão: a trajetória do comunismo no Brasil, 1922-1992

por Gustavo Marques

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal

n. 11, Brasília, 2021, ISSN: 2525-6653; p. 251-280 

Trechos de capítulos selecionados da obra O Livro Negro do Comunismo no Brasil: mitos e falácias sobre a história da esquerda brasileira (Editora Jaguatirica, 2019).


Este artigo é uma versão resumida dos Capítulos 1, 2 e 3 d’O Livro Negro do Comunismo no Brasil: mitos e falácias sobre a história da esquerda brasileira, de minha autoria, cujo lançamento se deu por ocasião do seminário “A Trajetória do Comunismo no Brasil”, realizado no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF) em 11 de dezembro de 2019, do qual participei, juntamente com os professores Paulo Roberto de Almeida (que escreveu o prefácio do livro) e Hugo Studart. Tratarei aqui, num esforço de síntese, dos primórdios do movimento comunista no país, desde suas origens no anarquismo (tema do Capítulo 1 do livro) até a dissolução do Partido Comunista Brasileiro (PCB), no começo dos anos 1990, passando por suas várias fases (objeto dos Capítulos 2 e 3, em um total de sete Capítulos). 

            Inicialmente, vale observar que a abordagem crítica do tema aqui proposto – como evidenciado pelo próprio título da obra, inspirada em Le Livre Noir du Communisme – continua a ser um tabu, mesmo após mais de 30 anos depois da queda do Muro de Berlim e da implosão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Como afirmo na Introdução ao livro (MARQUES 2019: 25-34), persistem, grosso modo, duas percepções antagônicas a respeito do comunismo no Brasil: 1) de um lado, à esquerda, a visão heroica, voltada para a glorificação e/ou para a justificação das ações da esquerda radical, invariavelmente mostrada como vítima e defensora da democracia e da liberdade; e 2) de outro lado, à direita, a narrativa diametralmente oposta, direcionada para a demonização dos comunistas e seus aliados, igualmente eivada de preconceitos e simplificações típicos da Guerra Fria (e mesmo anteriores a esta). Ambas as concepções se caracterizam pelo caráter proselitista e panfletário, privilegiando a propaganda político-ideológica em prejuízo do compromisso com a verdade histórica. Como tal, apenas repetem, muitas vezes, mitos e inverdades que até hoje contaminam o ambiente político (e, inclusive, acadêmico) brasileiro.      

            Foi por discordar desses dois pontos de vista parciais e reducionistas que resolvi escrever o livro. Para tanto, utilizei, como fontes, memórias, entrevistas e depoimentos de ex-militantes, tais como Agildo Barata, Apolônio de Carvalho, Armênio Guedes, Astrojildo Pereira, Dinarco Reis, Edgard Carone, Elias Chaves Neto, Giocondo Dias, Gregório Bezerra, Heitor Ferreira Lima, Hércules Corrêa, Jacob Gorender, João Falcão, Joel Silveira, Leandro Konder, Leôncio Basbaum, Luiz Carlos Prestes, Marco Antônio Tavares Coelho, Moacir Werneck de Castro, Moisés Vinhas, Nelson Werneck Sodré, Osvaldo Peralva, Otávio Brandão, Paulo Cavalcanti, Pedro Motta Lima, Samuel Wainer, Victor Konder, entre outros, bem como estudos analíticos de pesquisadores e scholars, tanto brasileiros como estrangeiros, como John W. F. Dulles, Robert Levine, Ronald Chilcote e Stanley Hilton, sem incorrer em maniqueísmos ou partidarismos de qualquer espécie. Procurei guiar-me, em minha análise, pela frase de Stéphane Courtois, na introdução a O Livro Negro do Comunismo: “não se pode deixar a uma extrema direita cada vez mais presente o privilégio de dizer a verdade; é em nome dos valores democráticos, e não dos ideais nacional-fascistas, que se devem analisar e condenar os crimes do comunismo” (COURTOIS 1999: 45). 

            Feitas essas observações preliminares, vejamos como se deu a gênese, o desenvolvimento, o apogeu e a decadência do comunismo, em sua versão soviética – “a maior utopia política que a história já registrou”, segundo Norberto Bobbio (1995: 17) – no Brasil.

 

1.     O preâmbulo anarquista, 1900-1922

Já em meados do século XIX aparecem movimentos que se apresentam como socialmente reformadores no Brasil. A Revolta Praieira em Pernambuco (1848-9) trouxe reivindicações vagamente inspiradas em conceitos socialistas utópicos então em voga na Europa. Alguns jornais da época e livros como O Socialismo (1855), do general pernambucano Abreu e Lima, tentaram aproximar-se das ideias de Pierre-Joseph Proudhon, Charles Fourier e Robert Owen. No entanto, sendo o Brasil ainda uma sociedade predominantemente rural, de economia agrário-exportadora (“semifeudal”, como seria classificada pelos ideólogos comunistas), de indústria pouco desenvolvida e praticamente sem proletariado (a “classe revolucionária”), o comunismo “científico”, na forma das ideias marxistas, somente chegaria ao país tardiamente, na virada do século XIX para o século XX. Apenas em 1883, em Recife (PE), haveria a primeira citação pública a Karl Marx, pelo filósofo Tobias Barreto – que considerava o comunismo “o mais alto grau de servidão” (BARRETO 2013: 9). Alguns anos depois, em 1889, o médico Silvério Fontes fundaria o primeiro círculo de estudos marxistas do país, em Santos (SP) (DULLES 1977: 21-2).

Mas foi somente com a vinda dos imigrantes europeus, sobretudo italianos e espanhóis, junto com os primeiros sinais de industrialização após a abolição da escravatura e a proclamação da República, que as ideias radicais de revolução social aportaram definitivamente no país, sob a forma de anarquismo e seu derivado, o anarco-sindicalismo, correntes rivais do marxismo no âmbito da Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional, 1864-72). As primeiras duas décadas do século XX foram marcadas por intensas lutas e agitações operárias, quase sempre fomentadas por anarquistas, em cidades industriais como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife. Sobretudo no alvorecer da República, multiplicaram-se greves e mobilizações sindicais, que, diante da repressão policial (“a questão social é um caso de polícia”, dizia-se), degeneraram, muitas vezes, para a violência insurrecional, com choques sangrentos com a polícia, explosões de bombas, atentados e atos de sabotagem. Em 1906, foi fundada a Confederação Operária do Brasil (COB), processando-se, a partir de então, a divisão entre lideranças sindicais anarquistas e os moderados, ou “amarelos”, como eram chamados pejorativamente por seus adversários mais radicais. O auge da agitação operária ocorreu com a greve geral de 1917 em São Paulo – a primeira do país – e a tentativa de insurreição anarquista no Rio de Janeiro (1918), abortada devido à delação de um agente policial infiltrado (DULLES 1977: 65-6). Desde então, o movimento anarquista entrou em declínio, sendo suplantado pela nova ideologia oriunda da vitória da revolução bolchevique em 1917 na Rússia – o comunismo.         

 

2.     O PCB – primeiros tempos, 1922-1935

A hegemonia anarquista no movimento operário brasileiro chegaria ao fim nos anos 1920, mas deixou marcas profundas nos revolucionários brasileiros. Diferentemente do que se verificou nos países europeus, os primeiros comunistas no Brasil vieram não do socialismo (que se transmutou, após a crise da Segunda Internacional, em 1914, em social-democracia), mas das fileiras anarquistas. Isso se deveu, em parte, à ausência de uma tradição socialista e, também, à confusão ideológica reinante nos primeiros anos após o golpe bolchevique na Rússia em 1917. Em um primeiro momento, os anarquistas enxergaram no movimento revolucionário comandado por Lênin e Trotsky uma revolução “libertária”, em conformidade com seus ideais antiautoritários, e não como a instauração de um regime ditatorial, de partido único, sem lugar para o dissenso (uma “ditadura do proletariado”). 

Intitulando-se maximalistas (pois defendiam o “programa máximo” da revolução, em contraposição ao “programa mínimo” dos reformistas), os anarquistas não tardariam a se desencantar com o caráter totalitário do Estado revolucionário soviético. Com a chegada das notícias sobre a repressão soviética aos anarquistas, na esteira da Guerra Civil Russa (1918-21), a cisão entre esses últimos e os partidários dos bolcheviques tornou-se inevitável. Na imprensa operária, foi intensa a guerra de palavras, com ofensas e acusações mútuas, entre os fiéis ao ideal libertário e os adeptos do socialismo russo, descambando, às vezes, para a agressão fisica e mesmo mortes (DULLES 1977: 132-4 e 285). Após algumas tentativas efêmeras, um grupo de nove dirigentes, a maioria ex-anarquistas convertidos ao credo bolchevique, como Astrojildo Pereira e Otávio Brandão, formariam, em março de 1922, em Niterói (RJ), o Partido Comunista do Brasil (PCB) (CARONE 1982: 19-23).       

Nas décadas seguintes, o PCB foi apresentado por seus militantes e por muitos historiadores como uma agremiação política autenticamente nacional, independente de quaisquer ingerências externas. Essa afirmação não corresponde aos fatos históricos. O próprio ato da fundação do partido – de forma apressada, para dar tempo para que pudesse enviar um representante ao IV Congresso da Terceira Internacional ou Internacional Comunista (IC ou Komintern, criada por Lênin em 1919 para promover a revolução comunista em nível mundial), bem como as 21 condições de admissão à IC (aprovadas por unanimidade) (DULLES 1977: 146-7) –, revelam que o PCB foi, desde a origem, uma organização estreitamente vinculada à – e controlada pela – URSS. Isso fica claro, também, pela presença de um representante do Birô Sul-Americano da IC na fundação do partido, e está explicitado no próprio nome da nova legenda (surgida legalmente, com registro no Diário Oficial da União): Partido Comunista do Brasil – Seção Brasileira da Internacional Comunista (PCB-SBIC) (BANDEIRA et alli 1980: 274-7).    

       Com o tempo, essa relação umbilical com Moscou – aspecto comum a todos os partidos comunistas, no mundo inteiro, na época – só faria se acentuar, transformando-se em vassalagem e submissão pura e simples. Já na primeira crise de sua história, o “caso Canellas” (1922-3), o recém-nascido PCB deixou claro de que lado estava sua lealdade: um militante, Antônio Bernardo Canellas, enviado a Moscou como delegado do partido ao IV Congresso da IC, fazendo jus à sua formação anarquista, ousou divergir, por conta própria, de algumas decisões ali tomadas. Como resultado dessa indisciplina, os líderes da IC recusaram a admissão do PCB à organização, reconhecendo no partido influências “maçônicas e pequeno-burguesas”. De volta ao Brasil, Canellas foi sumariamente expulso do PCB, sendo submetido a uma violenta campanha de difamação e ofensas pessoais (SALLES 2005) – prática que se tornaria rotina nos PCs em geral, e no PCB em particular.

            A subordinação incondicional do PCB à URSS, via IC, manifestar-se-ia principalmente nas sucessivas reviravoltas ou ziguezagues da linha oficial soviética. Em meados dos anos 1920, os comunistas, seguindo fielmente as diretrizes da IC, buscaram aproximar-se dos “tenentes”, os jovens oficiais militares que se levantaram em armas contra o governo de Artur Bernardes (1922-26). Em 1927, Astrojildo Pereira foi à Bolívia, onde se encontrou com o ex-capitão Luiz Carlos Prestes, já celebrizado como o “Cavaleiro da Esperança”, considerado o principal líder (embora não o fosse oficialmente) da “Coluna Prestes” que, entre 1924 e 1927, percorreu o interior do país, fugindo das forças legalistas e cometendo violências contra as populações sertanejas (DRUMMOND 1986; BRUM 1994; MEIRELLES 1996).[1] O PCB faria outros contatos com Prestes na Argentina, onde estava exilado, em 1929. Por essa época, Prestes, que já mantinha contatos com comunistas argentinos e russos, aderiu ao marxismo-leninismo – o agente russo do Komintern Abraham Guralski chamou-o de “minha maior aquisição” (WAACK 1993: 32-3). Em pouco tempo, Prestes se tornaria o maior nome do comunismo no Brasil. 

            Obediente às determinações da IC, que então preconizava a aliança com outras classes como a “pequena burguesia”, o PCB, de volta à legalidade em 1927 (fora declarado ilegal após a primeira revolta tenentista, em 1922), resolveu participar das eleições, criando o Bloco Operário, mais tarde Bloco Operário e Camponês (BOC). Nessa primeira experiência “frentista”, o partido elegeu um prefeito (o de Santos) e dois vereadores no Rio de Janeiro (Otávio Brandão e Minervino de Oliveira, também candidato à presidente da República em 1930) (DULLES 1977: 297). Brandão, um dos fundadores do PCB, foi também o primeiro ideólogo do partido, publicando a primeira tentativa de interpretação da realidade nacional segundo os cânones comunistas então em voga no PCB (Agrarismo e Industrialismo, 1928) – fato apresentado por alguns autores como sinal da “independência” teórica do PCB nesse período (ZAIDAN 1988). (Brandão logo seria reduzido ao silêncio pela direção partidária, tendo sido expurgado na onda de perseguição aos intelectuais ordenada pelo Komintern.) 

A participação eleitoral dos comunistas teve, porém, pouca duração, pois daria lugar, a partir de 1929, a uma das política de maior sectarismo e radicalismo do PCB, chamada de “proletarização”. Mais uma vez, o catalisador da mudança esteve fora do Brasil: a linha politica sectária então adotada não foi mais do que a aplicação da nova virada política da IC após seu VI Congresso (1928) que, em contraste com a linha anterior, determinou a radicalização total dos PCs, com base na política sectária batizada de “terceiro período”. O III Congresso do PCB (1928-29) apenas ratificou essa nova orientação, sem qualquer autocrítica em relação à linha anterior – o que seria uma praxe dali em diante. Corolário dessa reviravolta sectária da IC, a “proletarização” levaria ao “obreirismo”, ou seja, ao expurgo dos intelectuais dos cargos de direção no PCB (Astrojildo Pereira, Otávio Brandão, Leôncio Basbaum), rebaixados na hierarquia partidária e obrigados a passar por longas e humilhantes sessões de “autocrítica” pelos “erros e desvios” na aplicação da linha anterior. Os intelectuais seriam afastados de seus cargos de direção e substituídos por “operários autênticos”, trabalhadores “de preferência sujos, mal vestidos e que falassem errado” (WAACK 1993: 31; BASBAUM 1976: 75-6).

No mesmo ano de 1929, realizou-se em Buenos Aires uma primeira conferência dos PCs latino-americanos, na qual foi sacralizada a caracterização do Brasil, assim como de todos os demais países da região, com o rótulo de “semicolonial” (CABALLERO 2002: 54-8) – mera transposição mecânica e superficial das análises da IC para as realidades nacionais e continental. Para garantir a aplicação dessas diretrizes, foram enviados agentes do Komintern (o casal Abraham e Inês Guralski), que passaram a controlar de fato o PCB (LIMA 1982; WAACK 1993). Na prática, a IC interveio diretamente no partido, assim como fez em outros PCs, acabando com qualquer resquício de autonomia dos comunistas brasileiros.

Não surpreende que, precisamente nessa época, tenha surgido a primeira cisão, ou “racha”, do PCB: em 1927, um grupo (encabeçado por João da Costa Pimenta, Joaquim Barbosa e Rodolfo Coutinho), refletindo a disputa hegemônica na URSS entre Stálin e Trotsky, foi expulso do partido. No ano seguinte, intelectuais como Mario Pedroso e Lício Xavier, divergindo do autoritarismo interno no partido e da submissão à IC – àquela altura já convertida num simples instrumento da vontade de Stálin –, romperam com a agremiação (alguns iriam aproximar-se, mais tarde, do trotskismo) (FERREIRA 2002: 151; DEL ROIO 1990: 102). A subserviência a Moscou também se traduziria na apatia do PCB diante da Revolução de 1930 – na visão do PCB e da URSS, um simples embate entre os imperialismos inglês e norte-americano.[2] Totalmente controlado por Moscou, por meio de seus emissários, o partido atingiria um dos pontos mais baixos de sua existência, sem nenhuma influência sobre os acontecimentos e sobre as “massas trabalhadoras”. Reflexo dessa ingerência da IC, de 1929 a 1934 o PCB teve nada menos do que onze secretários-gerais (AARÃO REIS 2018: 156).      

            É nesse momento que se processa nova transformação no PCB, com a entrada em suas fileiras de Luiz Carlos Prestes. Após o “namoro” inicial, em 1927-29, os comunistas brasileiros mudaram radicalmente de posição, passando a ver no “Cavaleiro da Esperança” mais um inimigo do que um aliado, combatendo ferozmente o “prestismo”. De forma esquizofrênica, o PCB acusava Prestes de ser um “caudilho pequeno-burguês”, ao mesmo tempo em que Prestes rompia com os “tenentes” e anunciava sua conversão ao comunismo soviético, exposta em dois manifestos (1930 e 1931) e em seu próprio movimento, a Liga de Ação Revolucionária (LAR) (DULLES 1977: 349). Paralelamente, Prestes aproximou-se da IC e, segundo o jornalista William Waack (1993: 26 e 43-4), usou o dinheiro que recebera de Getúlio Vargas e de Osvaldo Aranha (cerca de 800 contos de réis, com os quais Vargas esperava cooptá-lo para liderar militarmente a Revolução de 1930) para comprar sua entrada no QG do movimento comunista mundial. Em 1931, Prestes embarcou para a URSS, onde permaneceu por quatro anos. Nesse período, foi eleito para o importante cargo de membro da Comissão Executiva da IC (EKKI, na sigla em alemão) – contra a vontade do PCB. Talvez o único caso, na história do Komintern, de alguém que se tonou dirigente do EKKI antes de ser membro do PC de seu país (CABALLERO 2002: 112). Somente em agosto de 1934, por imposição do dirigente da IC Dimitri Manuilski (ele resolveu a situação “dando um murro na mesa”, diria depois o próprio Prestes), Prestes foi finalmente admitido no PCB (VIANNA 1991: 94).      

 

3 - A sangrenta aventura de 1935 e os anos do Estado Novo varguista (1935-1945)

O partido em que Prestes entrou era bem diferente daquele fundado doze anos antes. Da influência anarquista dos primeiros tempos, o PCB passara ao sectarismo obreirista, descambando no militarismo. Fiel a suas origens tenentistas, o antigo comandante da Coluna via a revolução comunista essencialmente como golpe militar. Essa influência militarista e golpista (putschista, como muitos a definiram) se fez presente, de forma dramática, na maior aventura da história do PCB (e da IC): a Intentona Comunista de novembro de 1935. 

Fato central na história do PCB, o movimento sedicioso de 1935 ainda é motivo de controvérsia. Até hoje, historiadores simpáticos ao comunismo, em resposta à demonização da insurreição pela historiografia “oficial”, “de direita”, repetem a tese bastante duvidosa de que os levantes de Natal, Recife e Rio de Janeiro “não foram comunistas”, ou que “não houve ordem de Moscou”. A maioria dos relatos e análises produzidos pela esquerda tende a minimizar ou a relativizar o caráter ideológico da rebelião, preferindo classificá-la como “revolução nacional-libertadora” ou “antifascista” (VIANNA 1991; PRESTES 2015), ou como a última rebelião “tenentista” (PINHEIRO 1992). Os registros históricos, porém, apontam para outra direção: não somente o movimento sedicioso foi obra dos comunistas – e não da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que após sua extinção por Vargas em julho de 1935 tornou-se um mero apêndice do PCB (PRESTES 2015: 175) –, como foi orquestrado, planejado e financiado pela IC. Esta enviou agentes e recursos (o “ouro de Moscou”, ao contrário do que se convencionou dizer, não era uma lenda) para sublevar os quartéis e derrubar o governo brasileiro. 

Diferente do que se pode imaginar, a tática de “frentes poupulares” aprovada no VII (e último) Congresso da IC (julho-agosto de 1935) – resposta tardia à ascensão dos nazistas na Alemanha, para a qual contribuiu decisivamente a linha anterior de “classe contra classe”[3] –, não estava em contradição com a concepção militarista da revolução defendida por Prestes e seus seguidores. Pelo contrário, as duas táticas se complementavam: ao mesmo tempo em que via a tomada do poder como ação militar, como quartelada, Prestes e os comunistas enxergavam a ANL como uma frente de massas, a ser homogenizada e instrumentalizada pelos PCB (como de fato foi) – bastaria que o nome de Prestes fosse pronunciado, como no manifesto de 5 de julho de 1935 (“Todo Poder à ANL” – uma imitação grosseira do slogan leninista de 1917), para que as portas e os arsenais dos quartéis se abrissem e o povo saísse às ruas. Daí viria um “governo popular nacional revolucionário”, com Prestes à frente (DULLES 1985; WAACK 1993; AARÃO REIS 2018).

Sabe-se, claro, que nada disso aconteceu. Na hora da verdade, o tão louvado “gênio militar” de Prestes – um dogma repetido à exaustão nas décadas seguintes – não apareceu. Em vez disso, as três rebeliões foram rapidamente sufocadas – a última delas, no Rio, ordenada por Prestes quando os outros levantes já estavam derrotados, numa demonstração de incompetência militar imperdoável num ex-oficial do Exército. No final, a rebelião de 1935 – mal planejada, mal organizada e mal executada – serviu apenas para fornecer o pretexto que Vargas desejava para desfechar o autogolpe de 10 de novembro de 1937, que inaugurou a ditadura do Estado Novo (1937-45) – um favorecimento tão evidente que alimentou, durante décadas, rumores de provocação governamental, algo que, dado o notável despreparo demonstrado por Prestes e seus camaradas, seria desnecessário. Outro efeito colateral do putsch malogrado de 35 foi o início oficial do anticomunismo nas Forças Armadas, alimentado pelos crimes – reais ou imaginários – cometidos pelos revoltosos. A partir daí, gerou-se no Exército “um fortíssimo sentimento anticomunista e a desconfiança contra proponentes de reforma socioeconômica” (McCANN 2007: 476), que teria profundas consequências na vida política nacional.[4]

Seguindo um padrão na história do PCB, a derrota de 35 não levou a nenhuma avaliação crítica, por parte dos comunistas, da linha política que levou ao desastre. Pelo contrário, o PCB recusou-se a admitir a derrota, enquanto em Moscou houve uma verdadeira inquisição contra os agentes envolvidos na malfadada aventura (WAACK 1993: 223; ROSE & SCOTT 2010: 300). A busca de bodes expiatórios atingiu o paroxismo no assassinato da jovem Elza Fernandes (Elvira Cupelo Coloni), companheira do então secretário-geral Miranda, executada a mando de Prestes (o “caso Garota”) – um crime cuja responsabilidade ele jamais admitiu. Pelo menos mais cinco casos semelhantes (chamados pelos comunistas, eufemisticamente, de “justiçamentos”) ocorreram na época (LAFAYETTE 1946; GORENDER 1998). Inclusive no exterior: um dos voluntários brasileiros que lutaram no lado republicano na Guerra Civil Espanhola (1936-39), o tenente Alberto Besouchet, participante da revolta de 35 em Recife, foi provavelmente executado pela polícia política soviética (a NKVD, precursora da KGB) na Espanha, em data e local incertos. Acusado de “trotskismo” – o que equivalia, então, a uma sentença de morte –, seu corpo jamais foi encontrado (BASBAUM 1976: 154; CARVALHO 1997: 123; KAREPOVS 1999). Trata-se, portanto, do primeiro caso de “desaparecido político” brasileiro, décadas antes do termo entrar para o vocabulário político latino-americano.    

Vale a pena, aliás, comparar a relativamente pouca atenção dada geralmente a esses casos com o da mais famosa vítima comunista do período: a agente alemã do serviço secreto militar soviético, Olga Benario. O fato de ter mantido um relacionamento amoroso com Prestes e de ter sido deportada, grávida, para a Alemanha nazista, onde viria a ser morta num campo de concentração, cobriu Olga de uma imagem e aura de mártir, de heroína romântica, fartamente explorada em livros e filmes (MORAIS 1985). Pouca importância se dá ao fato de que ela veio ao Brasil como agente de uma conspiração internacional, bancada por uma potência estrangeira, para participar de um golpe militar contra um governo que, naquele momento, não era ditatorial. Tampouco se costuma lembrar que, pouco antes de ser presa, juntamente com Prestes (março de 1936), ela pedira a Moscou para deixar o Brasil. Menos atenção se dá, ainda, ao fato de que Moscou pouco se mobilizou para libertá-la da prisão, deixando a “campanha Prestes” aos cuidados de sua sogra, Leocádia Prestes, e de outras personalidades. Mais importante: poderia tê-lo conseguido, sobretudo após o Pacto Hitler-Stálin de agosto de 1939, que transformou as duas ditaduras em aliadas, permitindo-lhes trocar prisioneiros (Olga morreu em 1942) (AARÃO REIS 2018: 204-6). Olga poderia ter sido salva, mas a máquina repressiva do stalinismo deixou-a morrer nas mãos dos nazistas – talvez porque, morta, seria mais útil à causa do comunismo.

Esmagados em 35, nem mesmo a repressão estatal impediu os comunistas brasileiros de perseguir seus adversários à esquerda. Em 1937-38, a pretexto de divergências quanto a que candidato apoiar na eleição presidencial marcada para 1938 (que seria cancelada por causa do golpe do Estado Novo), a direção clandestina do PCB, liderada por Lauro Reginaldo da Rocha (“Bangu”) e seguindo, como sempre, ordens da URSS, promoveu um expurgo em suas fileiras. Reproduzindo, em escala menor, os “processos de Moscou” stalinistas, a direção partidária interveio no Comitê Regional de São Paulo, expulsando vários militantes, acusados de “trotskistas”, e publicando seus nomes verdadeiros na imprensa partidária – um presente para a polícia (KAREPOVIS 2003).[5] Pouco depois, a infâmia suprema: em nova (e surpreendente) virada política, o PCB, mais uma vez obedecendo cegamente às determinações de Moscou, e seguindo o exemplo dos demais PCs submetidos à influência soviética, apoiou o infame Pacto Molotov-Ribbentrop, determinando que escritores ligados ao partido, como Jorge Amado e Oswald de Andrade, colaborassem com o jornal pró-nazista Meio-Dia, publicado no Rio de Janeiro e financiado pela embaixada alemã (SILVEIRA & MORAES NETO 1990). E assim se processou o “milagre” de que, durante quase dois anos, intelectuais comunistas, cumprindo uma tarefa do PCB, escreveram para uma publicação que enaltecia o Terceiro Reich… 

                   

4.     Legalidade e populismo, 1945-1948

Duramente perseguido após 1935, o PCB voltaria à superfície dez anos depois, em 1945, dessa vez em uma conjuntura internacional favorável, com a reviravolta propiciada pela vitória dos Aliados contra o Eixo nazi-fascista na Segunda Guerra Mundial. Getúlio Vargas, antes inimigo e ditador, era agora aliado e democrata: reestruturado em 1943, após a chamada “Conferência da Mantiqueira”, o PCB declarou apoio a Vargas, endossando, de fato, o “queremismo”, movimento político para que o ditador permanecesse no poder. Na prática, os comunistas se tornaram uma linha auxiliar do populismo varguista.[6]

Anistiado em abril de 1945, Prestes conclamou seus seguidores a “esquecer o passado” e a ajudar o governo, sob o argumento da “união nacional” – arremedo da política stalinista de aliança de guerra. Desse modo, o partido se opôs à queda de Vargas, em outubro (CARONE 1982b: 59-63). Pouco depois são convocadas eleições gerais e o PCB, já legalizado, consegue eleger 14 deputados federais, a quarta maior bancada do Congresso Nacional, com Prestes como senador. Nas eleições presidenciais de 2 de dezembro, o partido lança candidato próprio, o desconhecido Yedo Fiúza, que consegue cerca de 10 por cento dos votos.

Essa época marca o apogeu da existência legal do PCB, que alcança cerca de 180 mil filiados, com duas editoras e oito jornais diários, tornando-se o maior partido comunista da América Latina (HILTON 1991: 208; CABALLERO 2003: 109-120). É o auge, também, do culto da personalidade de Prestes, com a realização de comícios multitudinários do “Cavaleiro da Esperança”, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na Assembleia Nacional Constituinte, os parlamentares pecebistas, entre os quais Jorge Amado, Carlos Mariguella, Gregório Bezerra e João Amazonas, defendem causas consideradas populares e progressistas (como a lei de liberdade religiosa), mas também propostas retrógradas e mesmo racistas, como a proibição da imigração japonesa. Também se opuseram à ideia de criar uma estatal do petróleo (a futura Petrobras), pois pretendiam beneficiar uma empresa soviética… (MAGALHÃES 2012: 187-8). Em seus discursos na tribuna do Senado, Prestes travou alguns duelos verbais com representantes da direita, nos quais deixou entrever seu pouco tato político e seu pouco apreço pela democracia. Em um deles, em 1947, justificou o enforcamento de Nikolai Petkov, opositor ao regime comunista da Bulgária. Para Prestes, “a pena tinha sido justa”, e o enforcamento fora “merecido”, pois Petkov “fora julgado de acordo com a lei do país”. Um ano antes, em outro pronunciamento, que teria consequências funestas para ele e seu partido, afirmou desajeitadamente, ao responder a uma provocação feita por outro senador, que, em caso de guerra entre o Brasil e a URSS, ficaria do lado dos soviéticos (AARÃO REIS 2018: 249).

Declarações inábeis e desastradas como essas, mais do que a influência de fatores externos como o início da Guerra Fria,[7] contribuíram para criar o clima político necessário à cassação do registro legal do PCB, por 3 votos a 2, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em maio de 1947, com base no argumento de que se tratava de uma organização política obediente a um centro de poder estrangeiro (a URSS). Embora tenha havido sanha política na decisão, é inegável que ela esteve amparada legalmente (VILLA 2011: 86). O próprio nome do partido – Comunista do Brasil – denotava o pertencimento a um movimento internacional (àquela altura, não mais o Komintern, extinto em 1943, mas a Kominform, igualmente servil a Moscou).[8] Apesar de certo exagero dos militares brasileiros quanto ao perigo real representado pelos comunistas, o fato é que o PCB era, inquestionavelmente, um instrumento da política exterior soviética.[9] Um ano depois, em 1948, os mandatos dos parlamentares eleitos pelo PCB, como o próprio Prestes, foram cassados, dessa vez numa decisão juridicamente questionável. Em ambas as ocasiões, Prestes, revelando incrível imprudência e falta de visão política, duvidou até o último instante que o partido teria o registro cassado e os mandatos seriam extintos, nada fazendo para enfrentar essa possibilidade – o que, mais uma vez, facilitou o trabalho da repressão, custando a prisão de muitos militantes (PERALVA 1962: 192).

5.     O período sectário, 1948-1958

Começava aí uma nova reviravolta na trajetória do PCB, marcada – mais uma vez – pelo extremismo e pelo sectarismo. De volta à ilegalidade, o partido radicaliza e, num giro de 180 graus, troca a moderação dos anos 1945-47 pelo apelo à revolução armada e à tomada imediata do poder, sem qualquer intermediação, adotando, nas palavras do próprio Prestes, “a política mais stalinista e rígida de toda a sua existência” (Apud OIKAWA 2011: 131, nota 140). Em dois manifestos (1948 e 1950), rompe radicalmente com a orientação anterior, advogando a derrubada violenta do governo do marechal Eurico Dutra (1946-51), a quem chama de “fascista”. Sobretudo no último documento (o “Manifesto de Agosto”), defende a criação de uma “frente democrática de libertação nacional” e de um “exército popular de libertação nacional” nos moldes do exército maoista recém-vitorioso na China em 1949 (CARONE 1982b: 108-112). 

Esse delírio ultraesquerdista tomou forma prática com a realização de movimentos grevistas de cima para baixo, “na marra”, por decreto do partido – “greves pela greve”, como os classificou o dirigente comunista Hércules Corrêa (1980: 63) –, e com a implantação, no final dos anos 1940, de uma guerrilha na região de Porecatu, próxima a Londrina (PR). Inicialmente um conflito local pela posse de terras, o confronto assumiu um caráter político depois que o PCB deslocou militantes para a área (entre os quais, o jornalista João Saldanha), com vistas a transformar o movimento dos lavradores numa luta pela tomada do poder, sem o consentimento daqueles. O resultado, após alguns assassinatos e choques com a polícia, foi um fracasso total (OIKAWA 2011).

Sob a égide dessa linha sectária adotada nos anos 1948-58, o PCB transformou-se, nas palavras de Agildo Barata (1978: 361-2), “numa espécie de seita mística, fanatizada, a obedecer cegamente a um chefe único ao qual tecem os mais alucinantes elogios e endeusamentos”. Nesse contexto de sufocamento intelectual, o marxismo era considerado “uma ‘doutrina completa e acabada’, e transformado numa coleção de dogmas, defendido pelo escolástico princípio de autoridade: magister dixit” (PERALVA 1962: 251). Essa atitude traduziu-se, ironicamente, em velhas práticas “burguesas”, como o mandonismo e o autoritarismo nas relações entre os dirigentes e os militantes de base, tratados muitas vezes com desprezo. A intolerância com opiniões divergentes, o controle da vida privada e a falta de democracia interna – características comuns a partidos e movimentos de ambos os extremos ideológicos – encontraram um representante perfeito no então número dois do PCB, Diógenes Arruda Câmara. Responsável pela segurança de Prestes, Arruda se impôs como o chefe, na prática, do partido, agindo como um “mini-Stálin”, exigindo obediência cega, punindo dissidentes e censurando intelectuais (FERREIRA 2002: 287). Nesse ambiente deletério, foram frequentes as vinganças e ajustes de contas pessoais, disfarçadas de divergências ideológicas. Houve, inclusive, assassinatos – um exemplo horripilante foi a execução de um militante anônimo, acusado de traição, cujo corpo foi derretido com ácido numa banheira (CORRÊA 1994: 73). Mais tarde, em mais uma ironia do destino, o “arrudismo” seria transformado em bode expiatório dos “erros e desvios” do PCB nesse período, enquanto Prestes alegaria nada saber dos abusos que ocorriam no partido, pois estaria, como faria questão de dizer posteriormente, em completo isolamento – uma desculpa conveniente, posta em dúvida por alguns dirigentes (REIS 1982: 123). 

Essa postura radical e sectária do PCB – descrito por Agildo Barata como uma “máquina infernal” (PERALVA 1962: 245) – levou ao afastamento dos comunistas das massas operárias que dizia representar, fato comprovado em movimentos feitos à revelia do partido, de forma quase espontânea, como a “greve dos 300 mil” em São Paulo (1953) e, principalmente, na crise política que resultou no suicídio de Vargas (agosto de 1954). Nessa ocasião, a falta de sintonia do partido com a classe trabalhadora ficou evidente, com os comunistas colocando-se ao lado dos “reacionários” da UDN contra o “pai dos pobres”. Jornais do PCB foram atacados pela massa furiosa, em reação ao apoio dado pelo partido de Prestes ao movimento para depor Getúlio. Mesmo assim, o IV Congresso (1954) manteve a linha sectária, com poucas alterações (CARONE 1982b: 126-136). Nas eleições de 1955, os comunistas ensaiaram uma mudança, dando apoio à chapa de Juscelino Kubitschek, mas continuaram incapazes de intervir na realidade, apesar das bravatas de seus representantes em Moscou sobre o papel (nulo) por eles exercido na “novembrada” de 1955, tal como narrado em O Retrato, crítica pioneira – e demolidora – do PCB escrita por Osvaldo Peralva (1962: 140-8). 

Mas a verdadeira tempestade ainda estaria por vir e, quando veio, foi fulminante: a revelação (parcial) dos crimes de Stálin por Nikita Krushev, no XX Congresso do PCUS, em fevereiro de 1956, abalou o PCB até os alicerces. Inicialmente recebido com negativas veementes pelos comunistas, o “relatório secreto” de Krushev, divulgado na imprensa, e o processo de “desestalinização” desencadeado, a partir de então, no movimento comunista internacional levaram à maior crise da história do partido, particularmente séria por atingir o maior mito vivo do comunismo nacional – Prestes. Seguiu-se uma enxurrada de desabafos e críticas internas, uma verdadeira “lavagem de roupa suja” nas páginas da imprensa comunista.

Após meses de silêncio, em novembro de 1956 a direção partidária resolveu encerrar de vez o debate, na forma de um documento apelidado apropriadamente de “carta-rolha”, no qual proibiu qualquer crítica ao socialismo e à URSS. A crise teve como efeito a saída ruidosa do PCB, por um lado, de antigos militantes, como Agildo Barata (líder da revolta do 3º Regimento de Infantaria no Rio de Janeiro, em 1935), em 1957, por discordar dos rumos stalinistas da sigla, e, por outro lado, o afastamento gradativo de dirigentes fiéis ao stalinismo, como João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar (em 1962, esse grupo, inconformado com o abandono do stalinismo e usando como pretexto a mudança de nome oficial da sigla por motivo de registro eleitoral, rompeu com o PCB, formando o PCdoB, que desde então reivindica ser o partido fundado em 1922). Outros comunistas conhecidos, como o romancista Jorge Amado, logo se afastaram da militância: enojado, o autor de Gabriela escreveu que se sentia “cercado de sangue e lama” (Apud VAIA 2013: 69; e KONDER 1980: 100).        

 

6.     A miragem do poder, 1958-1964

A mudança de rumo foi concretizada em 1958, com a publicação da chamada “Declaração de Março”, documento no qual o partido abandonou a visão estreita e dogmática do stalinismo em favor de uma abordagem pragmática e mais moderada, centrada na necessidade de tecer alianças com setores “progressistas” da “burguesia nacional”, com base na ideia de “revolução nacional-democrática” (CARONE 1982b: 176-196). Era o PCB tentando adaptar-se aos novos tempos, de ascenso do nacional-populismo. 

Beneficiado pelo clima de semi-legalidade dos anos JK, o partido entrou, assim, em uma nova fase ascendente. Seu V Congresso (1960), realizado de forma legal, aprofundou a linha tática e estratégica da Declaração de Março de 1958, parecendo prenunciar a conquista pacífica do poder, via reformas. O PCB, embora pequeno e enfrentando a concorrência de outras correntes políticas de esquerda (Ação Popular, PCdoB, Política Operária, Ligas Camponesas), viu crescer substancialmente sua influência, sobretudo durante o governo reformista de João Goulart (1961-64). No entanto, tal como ocorrera em outros momentos de sua história, o radicalismo retórico, aliado ao reboquismo à liderança janguista (os dois fenômenos não se excluíam), o triunfalismo etc. levaram o partido a superestimar suas próprias forças e a subestimar as do adversário, enveredando por uma atitude golpista, a exemplo da esquerda radical e do próprio Goulart (VINHAS: 1982; REIS 1982). Essa postura revelou-se em fatos como a entrevista de Prestes à TV Tupi, em janeiro de 1964, na qual ele confirmou, de forma jactanciosa, frase a ele atribuída anteriormente (“já somos governo; falta-nos, porém, o poder”), flertando perigosamente com a ideia de reeleição de Goulart (o que era inconstitucional). Em outra ocasião, em palestra em Moscou, Prestes foi ainda mais enfático: indagado sobre o que os comunistas e seus aliados fariam caso os “reacionários” se levantassem contra o governo Jango, ele disse: “se a reação levantar a cabeça, nós a cortaremos de imediato” (MAGALHÃES 2012: 278-280). Coerente com essas palavras, o PCB apoiou a revolta dos sargentos em Brasília (setembro de 1963) e o motim dos marinheiros no Rio (março de 1964), chancelando a quebra da hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas (AARÃO REIS 2018: 313-4).[10] Quando veio o golpe, em 31 de março-1º de abril de 1964, os comunistas, mais uma vez, foram pegos de surpresa.        

 

7.     De “Partidão” a partidinho, 1964-1992

Com a tomada do poder pelos militares em 1964, o PCB sofreu mais um duro golpe, que deu início a um longo declínio. Enfraquecido desde 1956, e abalado por novas quedas de segurança como o “caso das cadernetas” (MAGALHÃES 2012: 327-8), o mito Prestes perderia cada vez mais seu antigo brilho, e a hegemonia do partido sobre a esquerda, desafiada desde 1961, chegaria ao fim, nos anos seguintes, com o surgimento de diversos “rachas” ou dissidências, em especial de setores que se opunham à linha “pacifista” e “reformista” do PCB, a qual responsabilizavam (esquecendo do tom belicoso da atuação das esquerdas durante o governo Goulart) pela derrota em 64. Coube à direção partidária tentar recolher os cacos do partido, buscando inutilmente manter a coesão interna enquanto se multiplicavam as cisões favoráveis à luta armada, inspiradas nos exemplos revolucionários de Cuba, da Argélia, do Vietnã e da China maoísta (ALN, PCBR, MR-8 etc.). 

Esse processo se tornou irreversível após o VI Congresso (1967), que basicamente manteve a orientação do congresso anterior (CARONE 1982c: 49-80). A partir de então, o PCB viu sua influência minguar rapidamente, embora esta continuasse forte junto a intelectuais e artistas (inclusive em parte da imprensa e na jovem e pujante mídia televisiva). Em 1968, destoante das novas agremiações radicais de esquerda, o partido praticamente não teve qualquer papel decisivo nas agitações estudantis e nos protestos de rua contra o regime militar, mantendo-se à margem da onda de libertarianismo que tomava conta de parte do mundo ocidental: pelo contrário, o PCB, obediente a Moscou, apoiou a invasão da Tchecoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia naquele ano (como o faria novamente em 1979, com a invasão soviética ao Afeganistão). Mais: em um “namoro escandaloso”, alguns membros do PCB chegaram a publicar, em 1970, um jornal, Fato Novo, que enaltecia o governo… Médici! O órgão louvava, em especial, a política externa nacionalista e anti-EUA do governo militar, consubstanciada em medidas como o mar teritorial de 200 milhas (PRESTES 2015: 432).  

Os elogios de parte de sua militância à ditadura militar e a oposição à luta armada – por motivos puramente táticos e políticos – não livrou o PCB de ser alvo da repressão política, que se concentrou, nos anos 1968-74, nos grupos guerrillheiros de esquerda. Extintas as guerrilhas, a máquina repressiva do regime dos generais voltou-se, nos anos 1974-75, para o partido, que teve vários de seus dirigentes e militantes mortos ou nas listas de “desaparecidos” políticos. Forçado a se exilar na Europa, o Comitê Central acabou dividindo-se em duas frações: a “eurocomunista” (liderada por Armênio Guedes), sediada em Paris, adepta das teses reformistas dos partidos comunistas espanhol, italiano e francês; e a “ortodoxa”, chefiada por Prestes, no exílio em Moscou desde 1971 – onde era desprezado pelos líderes soviéticos por causa da derrota de 64 (PRESTES 1992; AARÃO REIS 2018: 355-8). Esses grupos se distanciaram cada vez mais, à medida que a influência de Prestes decrescia e o PCB buscava uma aliança com o partido de oposição legal ao regime, o MDB (alguns membros do partido foram eleitos pela legenda). Abriu-se uma crise interna, cujo ponto mais baixo foi o “caso Salles” (1978), quando um dirigente do partido, José Salles, protegido de Prestes, envolveu-se num rumoroso escândalo de tráfico de drogas, supostamente para ajudar nas finanças do partido (AARÃO REIS 2018: 390 e 402-416). 

Com o prestígio seriamente abalado, já de volta ao Brasil após a decretação da Anistia (1979), Prestes publicamente rompeu com a direção do PCB, publicando uma ressentida “Carta aos Comunistas” (PRESTES 1980), na qual acusou os demais dirigentes de “abandonar o marxismo-leninismo” e retornou ao radicalismo e à fraseologia revolcionária dos anos 1930. Afastado da secretaria-geral (na qual foi substituído por Giocondo Dias, por sua vez sucedido por Salomão Malina) e, em 1983, do próprio partido, Prestes terminaria seus dias de forma melancólica, recusando-se a apoiar a candidatura de Tancredo Neves à presidência da República – ele não via diferença fundamental entre o político mineiro e Paulo Maluf (AARÃO REIS 2018:439; PRESTES 2015: 525-6) – e aproximando-se do PDT de Leonel Brizola. Teve a sorte de morrer pouco antes da dissolução da URSS, cujo regime político, assim como as ditaduras socialistas do Leste Europeu, defendeu até o fim.         

A morte poupou Prestes do constrangimento de testemunhar o esfacelamento de seu sonho comunista. Também o poupou de ver o fim do PCB, extinto em 1992 após seu IX Congresso (os VII e VIII Congressos ocorreram em 1982 e em 1988). Ao contrário do que muitos esperavam, o PCB definhou após conquistar a legalidade, em 1985. O “Partidão” se transformara em partidinho. 

 

8.     Algumas conclusões

Nascido na esteira de uma revolução que pretendia ser mundial, o comunismo, apesar da política adotada por Stálin a partir do final dos anos 1920, jamais pretendeu ser um movimento nacional, restrito às fronteiras de um único país.  Sua encarnação no Brasil, o PCB, jamais foi um movimento autônomo, independente da URSS: sempre seguiu, de uma forma ou de outra, os ditames da política exterior soviética, que era a política da revolução comunista internacional, via Komintern ou diretamente por Moscou. Tampouco foi um movimento democrático, nos moldes parlamentares ou liberais: pelo contrário, sua relação com a democracia pautou-se, sempre, por uma visão instrumental, e não por um compromisso filosófico; como um meio para chegar ao poder ou, caso o tomassem, como um obstáculo para exercê-lo. 

Em todos os momentos em que o PCB aderiu ao jogo eleitoral e parlamentar (em 1927-29, 1945-47 e após 1985), o objetivo era valer-se das instituições democráticas, não para defendê-las, mas para superá-las, de modo a fazer avançar o programa socialista, tendo em vista, em última instância, o socialismo, a ditadura do proletariado. Mesmo após a aparente “conversão” do PCB à ideia democrática, sobretudo após a publicação, em 1979, do artigo de Carlos Nelson Coutinho, “A Democracia como Valor Universal”, na Revista Civilização Brasileira (ligada ao PCB), os comunistas, enquanto permaneceram fiéis ao credo leninista, jamais enxergaram na democracia mais do que uma forma de dominação “burguesa”, no que não se distinguiram, no essencial, das correntes de esquerda que pegaram em armas contra o regime militar (RIDENTI, 1993; GASPARI: 2002).

Apesar disso, a história do comunismo no Brasil continua a ser contada pela ótica do heroísmo e da vitimização, com ênfase não na luta, mas nas perseguições e no sofrimento em nome da “causa” – como se o fato de ter sido perseguido por uma ideia a tornasse válida e mesmo moralmente superior. Certamente, não fossem as repressões que sofreram – sobretudo nos anos 1937-45 e 1964-85 –, os adeptos de Marx, Lênin e Stálin (e de Trotsky, e de Mao, e de Castro) não seriam vistos por esse olhar generoso, mas pela ótica mais fria e menos emocional de sua ideologia – e de sua prática. O que permite concluir que a repressão e a censura, alimentadas por um anticomunismo primário e irracional, foram suas maiores aliadas. O comunismo no Brasil não se distinguiu, no essencial, das ideias totalitárias que lhe deram origem. Atualmente, sobrevive como mito, relíquia ou fantasma, alimentando as ilusões e os delírios dos dois extremos ideológicos.        

Talvez nenhum outro autor brasileiro tenha sintetizado de maneira tão clara e objetiva o caráter totalitário do PCB – e do comunismo em geral – quanto Osvaldo Peralva. As palavras que seguem foram escritas no começo dos anos 1960. No entanto, creio não ser absurdo afirmar que elas valem para todo o período que foi aqui abordado. Por isso, é com elas que encerro este artigo:

O Partido Comunista sempre foi um corpo estranho na vida nacional, devido a que nunca teve estratégia própria, e sim apenas objetivos táticos, enquadrados na estratégia geral do movimento comunista, ou melhor, da União Soviética, através do Komintern, do Kominform (ou do Bureau de Praga). 

O PCB sempre apoiou incondicionalmente os atos soviéticos e sempre subordinou os interesses brasileiros aos interesses do Kremlin. Por isso, embora participando de muitas campanhas progressistas, tinha um fundo negativista e reacionário, constituindo-se assim na maior fraude política da História do Brasil (PERALVA 1962: 266-7).

 

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[1] Em 1926, um grupo de comunistas pernambucanos, chefiado pelo tenente Cleto Campelo, tentou uma revolta armada no interior de Pernambuco, com vistas a unir-se à Coluna, sendo rapidamente desbaratada pelas tropas do governo – foi a única vez que os comunistas se envolveram diretamente em um levante tenentista (MEIRELLES 1996: 491-2; DULLES 1977: 204-5).

[2] Fiel à orientação de Moscou, o PCB se manteve alheio ao movimento de 1930. Houve apenas uma exceção: um pequeno grupo de militares, em contraste com a linha do partido, aderiu à insurreição em Itaqui, Rio Grande do Sul, criando um soviete (o “soviete de Itaqui”) (DULLES 1977: 357-8).

[3] Decorrente da política do “terceiro período” adotada pela IC em seu VI Congresso (1928), a linha de “classe contra classe” levou à sectarização dos comunistas, que passaram a ver como principais inimigos os social-democratas (chamados de “social-fascistas”). O resultado foi a vitória eleitoral do Partido Nazista de Adolf Hitler na Alemanha, em 1932. (SERVICE 2007: 167-178).

[4] Para se ter uma ideia do descalabro em que os insurretos de 35 se movimentavam, o então secretário-geral do PCB, Antônio Maciel Bonfim, o “Miranda”, em seus “relatórios-baluarte” em Moscou, convenceu seus patrões soviéticos de que os cangaceiros do Nordeste – inclusive o famoso Lampião – eram uma força guerrilheira aliada aos comunistas, “defensores da liberdade, defensores da vida do camponês”… (VIANNA 2003: 76). Mimetizando a visão mecanicista importada da URSS, o PCB preconizava, ainda, a criação, no Brasil, de “repúblicas de índios e de negros” independentes (DEL ROIO 1990: 212-3).

[5] A acusação de “trotskismo” seria das mais infamantes nas fileiras do PCB. O artigo 13 dos estatutos do partido proibia os militantes até mesmo de manter relações pessoais com trotskistas (FERREIRA 2002: 162). 

[6] Quase ao mesmo tempo, o partido aliava-se a políticos populistas e notadamente corruptos, como o governador de São Paulo Adhemar de Barros, com quem firmou um acordo em 1947. Vigorava “a venda de votos a quem mais pagar, nas vésperas das eleições”, segundo Leôncio Basbaum (Apud MAGALHAES 2012: 226).

[7] Tornou-se comum a afirmação de que a cassação do registro do PCB e o rompimento de relações diplomáticas com a URSS, no mesmo ano, teriam sido o resultado direto de pressões dos EUA. Trata-se de um mito, que a propaganda comunista e certo antiamericanismo, que vê a mão de Tio Sam em tudo, só fizeram reforçar. Na realidade, a Casa Branca colocou-se contra a decisão de romper com a URSS (SILVA 1976: 479). Na mesma época, militares brasileiros, desde 1935 imbuídos de forte sentimento anticomunista, queixavam-se do que viam como a “excessiva tolerância americana em relação ao comunismo” (HILTON 1991: 211). 

[8] A Constituição de 1946, artigo 141, parágrafo 13, dizia: “É vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem” (Apud VILLA 2011: 86).

[9] Leôncio Basbaum escreveu, em suas memórias, que nessa época o PCB era “incapaz de espirrar sem pedir a permissão de Moscou” (BASBAUM 1976: 181).

[10] Exemplo do apoio do PCB à radicalização dos setores militares subalternos, o discurso do líder da revolta dos marinheiros, o “cabo” José Anselmo dos Santos, na assembleia em que se amotinaram, foi escrito pelos dirigentes comunistas Carlos Mariguella e Joaquim Câmara Ferreira (MAGALHÃES 2012: 295).  

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Apresentação do livro de Gustavo Marques no site da Amazon.com.br: 

Inspirada em O livro negro do comunismo, publicado por Stéphane Courtois na França em 1997, esta obra, de autoria do diplomata Gustavo Henrique Marques Bezerra, versa sobre a trajetória do movimento comunista e sua influência na vida política e cultural brasileira desde o advento do anarquismo e do marxismo, no final do século XIX, até o começo dos anos 1990, com a falência dos regimes comunistas do Leste Europeu. O livro, que tem características monumentais - pois é fruto de mais de 10 anos de intensa pesquisa histórica ampla e minuciosa, em mais de 400 títulos entre fontes primárias (depoimentos, memórias, entrevistas, documentos) e secundárias, nacionais e estrangeiras, e que se divide em 6 capítulos, com quase 900 páginas e milhares de notas - coloca ênfase em fatos geralmente omitidos e/ou pouco explorados pela historiografia brasileira, majoritariamente de esquerda, que revelam o "lado obscuro" dos comunistas e seus aliados no Brasil ao longo do século XX.


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