quinta-feira, 13 de junho de 2024

Crise climática não rima com crescimento - Jorge Arbache (Estadão)

Crise climática não rima com crescimento 

Simulações e estudos mostram que países da AL deverão ser especialmente afetados pelas mudanças do clima 

 

Por Jorge Arbache

 

A região da América Latina e Caribe tem crescido relativamente pouco nas últimas décadas e com um padrão bastante instável. Esse padrão ajuda a explicar o porquê de estarmos ficando para trás com relação à Ásia. Porém, apesar do traço comum, os países da região apresentam especificidades.

A elevada volatilidade do crescimento econômico em torno de uma média baixa é problemática e sugere alta exposição a choques externos e outros fatores desafiadores. O problema é que crescer pouco e com alta volatilidade não é nada indolor. Ao contrário, esse padrão cobra preço alto e, ainda mais complicado, evidências mostram que a própria volatilidade ajuda a explicar a média baixa, e vice-versa. Ou seja, trata-se de uma espécie de armadilha.

Um desses canais é o do investimento. Investidores gostam de ambiente previsível para que possam identificar, avaliar e mitigar riscos. Num ambiente incerto, o investimento tende a ser baixo ou a se dirigir para atividades especulativas. Outro canal é o da produtividade, que também é sensível à volatilidade. Esse padrão também afeta a agenda social. Períodos de alta volatilidade cobram preço alto dos mais vulneráveis e das microempresas, grupos que têm menos condições de se protegerem das tempestades.

governança; aumento da inflação e dos déficits fiscais; sistemas financeiros e mercados de capitais pouco sofisticados; alta volatilidade da taxa de câmbio; alta desigualdade de renda e tensão social; políticas econômicas pró-cíclicas; e excessiva dependência de remessas internacionais, investimento estrangeiro e investimentos de portfólio.

Recentemente, a região experimentou novas fontes de instabilidade que exacerbaram o nosso já complicado padrão de crescimento. A Crise Financeira Global de 2008-2009 levou a recessões severas seguidas por padrões de recuperação variados. Já a pandemia de covid-19 causou interrupções econômicas sem precedentes, levando a uma contração acentuada na atividade econômica seguida por uma recuperação rápida, mas altamente desigual na região.

Para fazer frente aos desafios do crescimento, a região está priorizando o comércio e o investimento estrangeiro. Infelizmente, porém, estão emergindo outras potentes fontes de instabilidade. Uma delas é a geopolítica. As tensões estão tornando os investidores estrangeiros ainda mais cautelosos e limitando o financiamento disponível para projetos de infraestrutura e desenvolvimento. As tensões geopolíticas também trazem volatilidade aos mercados financeiros globais e ajudam a explicar o crescente protecionismo, controle de capitais, restrições comerciais, tarifas mais altas e, especialmente, novas barreiras não tarifárias ao comércio. Tudo isto está contendo ambições da região de aumento das exportações e maior acesso a mercados. Vide, por exemplo, o colapso do acordo Mercosul-UE.

Mas a nova fonte mais preocupante é o clima. A elevação da temperatura e a mudança climática têm potencial de impactar significativamente o crescimento de várias maneiras. Simulações e estudos mostram que países da região deverão ser especialmente afetados pelas mudanças climáticas, o que poderá exacerbar a volatilidade, em especial numa zona com baixa capacidade adaptativa e de proteção. Pense nos efeitos do El Nino.

Na condição de importante produtor agrícola global, as mudanças climáticas poderão afetar safras em razão de alterações nos padrões de chuvas, aumento da incidência de eventos climáticos extremos e surgimento de mais pragas e doenças. Tudo isto poderá resultar em diminuição da produtividade agrícola, aumento dos preços dos alimentos e impacto sobre a segurança alimentar regional e global.

Muitos países latino-americanos dependentes de recursos naturais, como água, minerais e energia, poderão enfrentar desafios associados à alteração da disponibilidade e distribuição desses recursos com impactos na produção de energia hidrelétrica, turismo e indústrias com processos produtivos intensivos em água. As mudanças nos padrões climáticos também poderão levar à perda de biodiversidade e degradação de ecossistemas. Eventos climáticos extremos poderão danificar a já escassa infraestrutura e causar perdas humanas e econômicas significativas, tal como vimos recentemente no Rio Grande do Sul. E as mudanças climáticas poderão afetar a saúde das populações, aumentando a incidência de doenças transmitidas por vetores, como malária e dengue, 

As principais fontes da alta volatilidade na região são velhas conhecidas nossas. Ali incluem-se a dependência das exportações de commodities, que são bastante mais sujeitas à flutuações; alta exposição a choques econômicos e financeiros externos, tais como os altos juros dos EUA neste momento; instabilidade política e problemas de reduzindo a produtividade do trabalho.

Para fazer frente a esses desafios, será preciso considerar tanto estratégias de mitigação quanto de adaptação. Essas estratégias deverão considerar, dentre outros, preservar florestas, recuperar áreas degradadas, zerar queimadas e desmatamentos ilegais, preservar mananciais, investir em infraestruturas para mitigar os efeitos do aumento das temperaturas (por exemplo, melhoria na gestão da água e agricultura resiliente ao clima), diversificar a economia e implementar sistemas de alerta antecipado para eventos climáticos extremos.

Os desafios do crescimento futuro na região não serão nada fáceis. Os formuladores de políticas terão que ser criativos para dar conta dos velhos e dos novos desafios, considerando os muitos constrangimentos financeiros e limitações institucionais e de execução que temos. Ali deverão estar agendas potentes e ancoradas nas nossas vantagens comparativas, como o powershoring, o imenso potencial dos mercados de carbono, a industrialização de minerais críticos e de alimentos, a bioeconomia e a agenda de biocombustíveis. E, num contexto em que a ordem liberal internacional está perdendo fôlego, o mercado doméstico e o regional deverão ganhar atenção como fontes de demanda.

A boa notícia é que governos da região já estão conscientes desses desafios e é algo que já estão perseguindo com algum sucesso. Para avançar mais, será preciso uma combinação de políticas públicas robustas e coerentes, muita coordenação, melhoria de estruturas institucionais e de planejamento e muita visão estratégica.

Jorge Arbache é professor de economia da Universidade de Brasília


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