sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A indignidade e a perversidade de Bolsonaro na pandemia - Carmen Licia Palazzo

Nota preliminar PRA: Apreciaria se o atual PGR retomasse as acusações da CPI da Pandemia e indiciasse a tropa de meliantes que “eliminou”, literalmente, dezenas, centenas, talvez milhares de brasileiros durante a pandemia da Covid.

[Da perversidade de um golpista]

Depoimento de Carmen Lícia Palazzo sobre o comportamento do ex-presidente golpista durante a pandemia

“Durante a pandemia, dei muitos cursos online, fui muito ativa na internet e estive em contato estreito com centenas de jovens. Como gosto de conversar, participei também de grupos de discussão de diversas turmas. Ainda hoje, vários desses contatos permanecem, o que me deixa feliz.

Procurei, na época, me informar com muita seriedade sobre o vírus, sua prevenção e consequências. Estive em contato com médicos, li relatórios, notícias do Brasil e do exterior. E, talvez por estar muito bem informada e através de pessoas seríssimas, incluindo médicos infectologistas (e três deles que estavam atendendo emergências de hospitais brasileiros), é que me mantive o tempo todo indignada com as atitudes do então Presidente da República. Ele, de maneira absolutamente imoral, fez pouco da gravidade da situação, mesmo sabendo que estava errado. Por motivação política. Por maldade.

Assisto agora o trabalho da PF com alívio e, mesmo que não se trate de suas atitudes em relação à Covid, ou pelo menos não só delas, não fica a menor dúvida, para qualquer pessoa decente e honesta, sobre o quanto esse homem foi nocivo para o Brasil.

Votei e votarei em qualquer pessoa que não represente o bolsonarismo. Escolherei sempre o que me parecer o melhor. E, em primeiros turnos, sempre temos gente boa ou razoável concorrendo. Vale o voto neles para que se mantenham, ainda que saiam derrotados da eleição, em alguma função útil ao país. No caso, agora, a Simone Tebet tem sido um bom apoio ao Haddad e tem costurado outros apoios também necessários. É bom que ela seja ministra. E é bom, muito bom mesmo, que um ser humano "normal", ainda que dele eu tanto já tenha discordado, seja o atual Presidente. 

Não lavo as mãos perante decisões difíceis. Eu as enfrento, analiso a situação e, em política, voto nos que considero que pertencem ao lado menos cruel, menos trágico da humanidade. E assim continuarei.

A PF está fazendo um ótimo e corajoso trabalho. É imoral que algumas pessoas digam que se trata de perseguição política. Só não vê quem não quer, tudo o que aconteceu. E, sobre as FFAA, já não dá mais para dizer, como muitos gostam, que se trata apenas de "dissidentes", ou de apenas uns poucos e irrelevantes militares, os responsáveis por atos imorais e transgressores. Temos uma larga amostra da atuação ignóbil de muitos deles, inclusive dos mais graduados e próximos do poder, e do silêncio conivente e criminoso de tantos outros. Tivemos o tal acampamento de golpistas, com centenas de faixas pedindo o golpe e com os militares da ativa apoiando-os. Evidências não faltam. 

Deixo algumas considerações para meus amigos no face, principalmente para os mais jovens, esperando que nunca se esqueçam do comportamento do Bolsonaro e de muitos de seus assessores e ministros durante aquele período terrível (e para que sempre lembrem o quanto aquelas pessoas foram nefastas e mesmo criminosas):

1. por motivação política houve deboche explícito da parte do Presidente, na TV e em entrevistas diversas, a respeito do vírus da Covid. Ele insistiu que a Coronavac não servia para nada, mesmo quando ela era a única vacina disponível e ainda que médicos competentes confirmassem que ocorriam menos mortes em vacinados do que nos casos daqueles que chegavam nas emergências sem a vacina;

2. em inúmeras oportunidades o Presidente insistiu que o uso de máscaras deveria ser evitado e, no seu entorno, disse explicitamente a assessores que não queria vê-los usando máscaras. Foi a diversos eventos desprotegido, inclusive com a presença do então ministro Tarcísio que fez questão de manter o mesmo posicionamento;

3. o próprio Presidente fez corpo mole atrasando a compra de vacinas mais eficientes e, por esse motivo, houve, de acordo com especialistas, maior disseminação da doença no Brasil e um número de mortes mais elevado do que aquele que era esperado;

4. a presidência da República fez divulgações mentirosas, baseadas, e já se sabia, em notícias forjadas, sobre o uso de medicamentos não apenas ineficientes mas também nocivos à saúde, para tratar do vírus;

5. a escolha para ministro da Saúde de um militar sem qualificação para o cargo, o general Pazzuelo, que teve comportamentos péssimos em mais de uma oportunidade, inclusive em uma visita ao Norte do país, supostamente para resolver problemas de falta de respiradores, foi igualmente um acinte.

Acho importante ter muito claro todo o ocorrido para que se saiba que além do projeto de golpe com uso de violência e de mortes, além dos atentados à democracia, o bolsonarismo representa o mais alto grau de crueldade, com comportamentos absolutamente desumanos em todas as suas atitudes.

Que nossos filhos e netos saibam do que e de quem se trata. Que nossos filhos saibam que a vida da população foi covardemente arriscada para atender os desvairios de um suposto líder político que era endeusado por adeptos que nele projetavam seus próprios problemas, suas frustrações, suas necessidades de pertencimento a algum grupo, ainda que se tratasse de um grupo cruel e iníquo.

Espero que esse meu texto abra os olhos de alguns que ainda estão receosos de enfrentar de maneira corajosa o que ocorreu. É importante, sim, tomar partido quando alguém mais jovem nos perguntar, nos próximos anos, o que ocorreu no Brasil no trágico período no qual até pessoas de bem seguiram um bando cruel de fanáticos que, muitas vezes, tinham inclusive o desplante de se dizer religiosos. As cenas ditas de oração que vimos naquela oportunidade eram extremamente constrangedoras, com o apoio  tanto do Presidente quanto de sua esposa. E ao dizer isso não me refiro a práticas religiosas normais e nem à espiritualidade do povo brasileiro, mas ao uso deliberado das crenças e da fé individual para finalidades políticas imorais. 

Nada é mais importante, no Brasil atual, do que buscar justiça, uma justiça que passa pela punição exemplar do que temos de mais cruel (e, felizmente, também mais tosco e ignorante, o que permitiu a descoberta da verdade) na nossa História recente. Vamos permanecer atentos e vigilantes.

E que sobretudo a juventude se torne ciente de tudo o que aconteceu! São os votos dessa professora aposentada (ou semi-aposentada, hehe) mas ainda ativa e participante da vida real.”

Carmen Lícia Palazzo

[Brasilia, 22/11/2024]

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