Gilberto Freyre, sobre ele mesmo: um escritor, certamente, mas extremamente vaidoso; sou apenas um escrevinhador
Paulo Roberto de Almeida
Gilberto Freyre era um polimata, interessado em matérias e assuntos diversos, da antropologia à história, da sociologia à literatura, mas ele mesmo respondeu à questão de saber o que ele era, no seu livro Como e por que sou e não sou sociólogo (Brasília: Editora da UnB, 1968).
Já escrevi sobre isso num prefácio a um dos meus livros (do qual reproduzo um trecho mais abaixo).
Mas o que escreveu Gilberto Freyre? Isto:
O que principalmente sou? Creio que escritor. Escritor literário. O sociólogo, o antropólogo, o historiador, o cientista social, o possível pensador são em mim ancilares de escritor. Se bom ou mau escritor é outra coisa.
Como sempre, Gilberto Freyre falava muito de si próprio, com legítimo orgulho por sinal, pois sua obra é realmente admirável.
Mas, ao contrário dele, eu não me considero um escritor, apenas um escrevinhador, como explico abaixo.
Prefácio ao meu livro:
A Grande Mudança: Consequências econômicas da transição política no Brasil
(São Paulo: Editora Códex, 2003)
PREFÁCIO
Como e por que sou e não sou diplomata (à maneira de Gilberto Freyre) (p. 11-15)
Não sou nem pretendo ser diplomata puro. Mais do que diplomata, creio ser cientista social. Também me considero um tanto historiador e, até, um pouco, pensador.
Mas o que principalmente sou creio que é escrevinhador. Escrevinhador – que me perdoem os demais cientistas sociais a pretensão e os políticos profissionais a audácia – político. E, ao lado do diplomata, reconheço haver em mim um antidiplomata.
Se aqui destaco minha condição de diplomata – diplomata, é certo, impuro e nada ortodoxo –, é que essa condição é, em mim, irredutível. Só sendo um tanto diplomata eu me poderia dar o luxo de ser também antidiplomata em várias das minhas tendências.
São essas contradições que sempre procurei expor e, por vezes, comentar em meus trabalhos de diplomacia e de sociologia política. Quase despretensioso e nada apologético – o que seria uma apologia pro "diplomacia sua" –, quase sempre chego à autocrítica, contra minha profissão de sociólogo e por vezes contra minha própria condição profissional.
Reúnem-se aqui trabalhos que, aliás, podem ser considerados como pouco conectados à minha incerta condição de diplomata: tão incerta, para uns tantos diplomatas, como, para outros, críticos da vida cotidiana, a de escrevinhador político – condição que também procuro considerar. Mais do que diplomata ou sociólogo, sou antes de tudo cidadão brasileiro, que foi o que de fato me motivou a escrever os ensaios coletados neste volume.
Ao tentar explicar-me como possível diplomata, não poderei deixar de referir-me ao que, ao lado dessa minha discutida condição, há em mim, bem ou mal, de cientista social, de historiador e, talvez, de pensador, tornando ainda mais difícil a classificação que se pretenda fazer de homem tão desajeitadamente multidisciplinar, tão diverso sem que tal multiplicidade de interesses signifique mérito ou virtude superior.
O possível diplomata – como o cientista social, o historiador, o pensador também possíveis – só existe, no meu caso, ligado ao escrevinhador político. Quase nunca como didata, quase sempre como autodidata. Nem como pesquisador profissional, pois que não tenho meu ganha-pão nessas demais orientações e sim na condição primeira de diplomata. Nem efetivamente burocratizado nisto ou naquilo: consultor, assessor, perito, acadêmico, funcionário, sem pertencer a qualquer instituto ou agremiação política ou social. Sou um ser livre, tanto quanto me permite o pertencimento a uma instituição bissecular, altamente burocratizada, hierarquizada e disciplinada a ponto de enquadrar seus membros numa teia de comprometimentos diretos e indiretos com o chamado esprit de corps, que possuo no grau mais tênue possível.
Os parágrafos acima foram inteiramente calcados em peça similar elaborada pela pluma do escritor Gilberto Freyre – extraída do prefácio de seu livro Como e por que sou e não sou sociólogo (Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1968) –, que detém, portanto, todos os direitos autorais, intelectuais e morais sobre a forma, o conteúdo e a disposição desse texto precedente, que pretende justamente homenageá-lo enquanto pensador brasileiro, original e iconoclasta. Da mesma forma, os ensaios que seguem são devidos inteiramente à minha própria pluma (no caso, computador), também iconoclasta, e respondo integralmente pela forma, conteúdo e disposição, bem como pela paternidade moral das poucas ideias originais que eles possam conter.
(...)
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 2 de novembro de 2002
Ficha e links para o livro:
A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Editora Códex, 2003, 200 p.; ISBN: 85-7594-005-8).
Nova disponibilidade de livro fora do comércio. Divulgado, com o arquivo original em pdf da editora, e as orelhas, o prefácio e o índice, transcritos, no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/03/um-livro-contrarianista-grande-mudanca.html) e na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42309421/A_Grande_Mudanca_consequências_econômicas_da_transição_politica_no_Brasil_2003_ e https://www.academia.edu/42309422/Capa_e_Contra_Capa_A_Grande_Mudanca_2003_) e Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/342094857_A_GRANDE_MUDANCA_CONSEQUENCIAS_ECONOMICAS_DA_TRANSICAO_POLITICA_NO_BRASIL).
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