domingo, 7 de fevereiro de 2010

1314) Breve reflexão sobre o colonialismo

Breve reflexão sobre o colonialismo

Muito se menciona, e se condena, em certos meios, com suporte no horror gestual e o devido repúdio no plano verbal, a adoção, supostamente acrítica e subserviente, de idéias, políticas e modismos estrangeiros, importados e disseminados no país a partir de fontes tidas como mais avançadas e como se esses elementos estrangeiros – vale o destaque – fossem, para os “importadores”, o nec plus ultra do aggiornamento cultural e dos processos de modernização material.
Chama-se a essa tendência, sempre vista da perspectiva severa do nacionalismo chauvinista, de colonialismo, uma chaga certamente reprovável. Muitos falam inclusive de colonialismo mental, como uma espécie de lepra intelectual, de tara política, ou uma atitude de simples renúncia a uma solução “nacional” aos problemas nacionais. Como se, consoante a “teoria da jabuticaba” – sobre a qual já escrevi alguma coisa –, só pudéssemos recorrer à inteligência nacional para resolver esses problemas, que só poderiam encontrar a justa solução com nossos próprios recursos e nossa própria sapiência.
Como justificativa à suposta independência de pensamento encontrar-se-ia a vontade secreta de potências estrangeiras de dominar e submeter a nação, posto que o mundo se caracterizaria por uma extraordinária concentração de poder: poder econômico, político, financeiro, tecnológico, militar e, mais que tudo, poder ideológico, o mais insidioso e perigoso de todos. Cabe, portanto, aos defensores da soberania e da autonomia nacionais velar pela independência da pátria, evitar qualquer manifestação de colonialismo material e mental, numa exacerbação do nacionalismo xenófobo que daria prazer ao major Policarpo Quaresma.
Pouco se fala, no entanto, de um outro tipo de colonialismo, que é uma espécie de prisão mental em suas próprias idéias e conceitos do passado, uma subserviência a velhas crenças, que no entanto são consideradas como válidas e suscetíveis de resolver os problemas de hoje com as soluções de antigamente. Esse tipo de sujeição ao dejà vu, às supostas glórias de princípios imorredouros, é tido como defesa dos valores nacionais, mesmo quando visivelmente inadequados aos problemas do presente.
Sem mencionar o fato de que a xenofobia e a autarquia nunca foram de fato soluções a quaisquer tipos de problemas – posto que, mesmo quantitativamente, patentes mundiais sempre representarão um melhor leque de escolhas do que a limitação forçada à tecnologia proprietária exclusivamente nacional – não se sabe bem por que as soluções nacionais sempre seriam superiores às sugestões e reflexões obtidas a partir da importação de idéias e conceitos do exterior.
O colonialismo interno, de tipo vertical, ou seja, aquele que opera um retorno na flecha do tempo em direção a um passado impoluto, quando éramos “pobres, mas autênticos”, é um tipo de autolimitação cuja lógica me parece difícil de compreender no contexto do mundo globalizado. Inclusive porque também representa um tipo de importação acrítica, não do repudiado exterior, mas do amado país da inocência infantil. Abertura de espírito, em qualquer direção, me parece um comportamento correto e condizente com os dados da ciência. Inclusive porque, se ainda estamos discutindo esse tipo de “problema”, é porque algo fizemos de errado no passado que nos impediu, até agora, de alcançar o estágio avançado dos “colonizadores” e dos “dominadores”. Se não fosse por certo complexo de inferioridade mental, não precisaríamos estar discutindo essa bobagem de “colonialismo”...

Paulo Roberto de Almeida (7.02.2010)

4 comentários:

  1. É lamentável que tais discussões ainda ganhem grande expressão e motivem os mais apaixonados "cruzados" em sua luta contra o "endocolonialismo". Creio - isto é óbvio - que uma das grandes causas disso seja uma escola básica que não dê os fundamentos técnicos formais para o desenvolvimento da capacidade de inferir-se algo com rigor. Uma das caracterísitcas mais marcantes que a maior parte dos discursos desse tipo apresentam é a ênfase na "conscientização" das pessoas e o desprezo, ou o quase desprezo, por sua formação técnica (isto é, uma base sólida de lógica, matemática, etc). Em verdade, achando que se opõe, eles mais reforçam esse estado a que pretendem combater. Por fim, esses discursos parecem, de certa forma, apresentar pontos de contato com, por exemplo, os discursos nazistas por uma "ciência ariana" ou com aquele que expulsou os judeus da Península Ibérica ao se determinar o que seria o "bom e independente pensamento" por critérios alheios à lógica e à adequação de suas categorias e conceitos à realidade. No primeiro caso, o projeto nuclear dos EEUU agradeceu pelo aporte de cientistas judeus altamente qualificados provenientes da Alemanha; no segundo, não fosse por certas concepções turvas, Baruch Spinoza e David Ricardo poderiam ser portugueses. Penso que uma breve vista sobre os lugares de maior efervescência intelectual e de maior avanço técnico - Vale do Silício, etc - revelaria não um pensamento "autêntico" feito por nacionais, senão um pensamento construído indiscriminadamente por nacionais e estrangeiros. Como isso revela grande constância na história, nosso atraso intelectual não está na falta de um conhecimento "autêntico", mas numa série de fatores que impedem o florescimento cultural, científico e intelectual em terras brasileiras. Todavia, alguns teimam em reconhecê-lo (aqui tem espaço a má fé...).

    Abraços!

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  2. Convém dar uma olhada neste link ( http://cienciabrasil.blogspot.com/2010/02/olavo-de-carvalho-discute-retrocesso-da.html ) e na série de textos intitulada "O ocaso da ciência no Brasil" ali referidas.

    Um forte abraço!

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  3. Pensei ter enviado este link, mas acho que não o fiz. Todavia, acho que ele se relaciona ao que é tratado neste post.

    http://cienciabrasil.blogspot.com/2010/02/olavo-de-carvalho-discute-retrocesso-da.html

    (Vide a seguência de posts intitulada "O ocaso da ciência no Brasil" ao fim desse texto.)

    Abraços!

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  4. Excelente reflexão. Muito pertinente.

    Bem ilustrada, posteriormente, pelo leitor Vinicius Portella.

    Abraços.

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