Embaixador Marcos Henrique Camillo Côrtes
Blog Brasil Soberano e Livre, 13/05/2012
José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco
Rio de Janeiro, * 20 de abril de 1845 – † 10 de fevereiro de 1912
INTRODUÇÃO
“Na história dos povos, seus gigantes se apóiam nos ombros de grandes homens.”
A Diplomacia é uma Arte e, como tal, plena de paradoxos. Os que para ela têm vocação sabem – sem que seja preciso ensinar-lhes – que estarão sempre plantando sementes de árvores cujos frutos jamais verão e nem por isso se empenham menos nessa faina. Aos que é dada a ventura de vê-los incumbe a enorme responsabilidade de avaliar objetivamente se é chegado o momento da colheita e a competência de efetuá-la sem comprometer a qualidade dos frutos. Assim ocorreu com nossas fronteiras ...
Os Grandes Homens
Historicamente, a conformação jurídica do que viria a ser o perímetro do Brasil se inicia no século XV, nas sempre difíceis negociações entre Portugal e Espanha. Pode-se considerar que o primeiro documento internacional relevante nesse contexto foi a bula Intercoetera, com a qual o Papa Alexandre VI, em 1493, dividiu entre os dois países o mundo ainda a ser “descoberto” pelos europeus.
Logo se iniciam em Tordesilhas as conversações para definir onde se situaria a linha divisória dessa partilha. Os portugueses, demonstrando dispor de Inteligência Estratégica e possuir a percepção da assimetria dos Espaços Geopolítico e Geoestratégico (séculos antes de que tais conceitos fossem definidos), conseguiram que se adotasse o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde. Por que essa distância? Por que não um número “redondo”, como 350 ou 400? Não cabe aqui debater esse ponto, que fica à curiosidade do leitor.
Ao longo dos séculos XVI e XVII, aproveitando a circunstância da união real de Portugal e Espanha (1580 – 1640), as entradas e bandeiras organizadas por lusitanos no subcontinente, especialmente a liderada por Antonio Raposo Tavares, foram expandindo a presença portuguesa, sem cometer qualquer ilegalidade visto que, estando sob o mesmo rei, não havia razão para levar em conta a linha de Tordesilhas. Não obstante, parece-me válido pensar que os portugueses jamais deixaram de ansiar pela restauração de um monarca nativo em Lisboa e terá sido com esse “objetivo nacional” em mente que Pedro Teixeira, ao empreender em 1616 a missão de explorar a calha do Amazonas, foi dando nomes de cidades portuguesas às povoações que ia fundando nas margens do grande rio.
Com a brilhante negociação do Tratado de Madri, de 1750, o brasileiro Alexandre de Gusmão ( *Santos, 1695 – †Lisboa, 1753) consegue a adoção do princípio do Uti possidetis, com o que logra a preservação do status quo territorial como garantia de paz e a fixação jurídica dos limites entre as terras das duas coroas na América do Sul. É com total justiça que, no Itamaraty. o consideramos o “Avô da Diplomacia brasileira”.
Numa certa ironia da História, os primeiros passos autônomos dos diplomatas brasileiros se dariam nas complicadas negociações para o reconhecimento da nossa independência nacional, a que se opunham tenazmente os representantes do governo de Lisboa.
Simultaneamente, nossa diplomacia tinha de se empenhar nos meandros perigosos da instabilidade crônica no Prata, com as animosidades herdadas do período colonial e os desígnios de poder de vários caudilhos da região.
No norte também havia nuvens ominosas, com as ambições territoriais da Grã-Bretanha e da França, que pretendiam estender as fronteiras de suas Guianas até a margem esquerda do Amazonas. Na metade do século XIX surgiu ainda a ameaça do projeto norte-americano de colonizar a calha desse rio com os escravos que seriam transplantados do sul dos Estados Unidos (vide adiante).
É nesse período conturbado que se desenvolve o entrosamento entre a Diplomacia brasileira e as nossas Forças Armadas, àquela época constituídas por Exército e Marinha.
Paralelamente a essas tarefas ingentes, o Ministério dos Negócios Estrangeiros trabalhava de forma constante para ir consolidando em acordos bilaterais as sólidas bases jurídicas para a fixação definitiva de nossas fronteiras. Sobressaem nessas décadas as figuras do Barão (Duarte) da Ponte Ribeiro, do Visconde do Uruguai (Paulino José Soares de Souza), de Joaquim Caetano da Silva, do Visconde do Rio Branco e, em especial, do Barão do Rio Branco.
Como é notório, a deposição do Imperador e a proclamação da República tiveram no Brasil características sui generis no contexto de mudanças súbitas e radicais de regime político. De todas essas peculiaridades, talvez a mais significativa tenha sido a “permanência” natural do Serviço Diplomático, demonstrando de modo insofismável que, na transição da Monarquia para a República, se reconheceu e preservou o profissionalismo apolítico dos diplomatas brasileiros.
Culminando a obra secular das gestões para resolver pacificamente as questões de limites com nossos vizinhos, o Barão do Rio Branco irá – ainda antes de ser Chanceler e em seguida já no exercício do cargo – encerrar com maestria inexcedível a fixação jurídica completa de nossas fronteiras.
De forma sintética, relaciono a seguir as questões de limites resolvidas a partir da independência do Brasil:
Império do Brasil
1872 – Paraguai [Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley)]
República dos Estados Unidos do Brasil (com uma exceção, todas defendidas por Rio Branco)
1895 – Argentina (Questão de Palmas)
1900 – França (Guiana Francesa) (Questão do Oiapoque)
1903 – Bolívia (Questão do Acre)
1904 – Equador
1904 + 09 – Peru
1904 – Grã-Bretanha (Guiana Britânica) (Questão do Pirara) [Joaquim Nabuco]
1905 – Venezuela
1906 – Holanda (Guiana Holandesa)
1907 – Colômbia
1909 – Uruguai
O Gigante
É amplamente conhecida, documentada e comentada a obra extraordinária de Rio Branco: a conclusão do trabalho secular de fixação jurídica de nossas fronteiras, que acrescentou 900.000 km2 ao território pátrio sem emprego da força armada. Graças a ele, podemos hoje afirmar que, desde 1909, o Brasil não tem problema algum DE fronteira, mas pode ter – e tem, como é normal no âmbito internacional – problemas NA fronteira.
Esse trabalho hercúleo é bastante conhecido nos seus resultados, embora a meu ver mereça atualmente, por parte de professores, historiadores e diplomatas, estudos mais amplos e aprofundados. Rio Branco deixou-nos, porém, todo um riquíssimo manancial de ensinamentos, de conceitos, de exemplos, de princípios e de valores só conhecido das gerações funcionais que serviram no Itamaraty. Esse é o legado intangível do Barão, do qual me ocuparei agora.
O legado intangível do Barão
Apesar de ser um escritor infatigável, Rio Branco não elaborou um “manual de prática diplomática”. O que se segue é, na realidade, uma evocação de fatos concretos para, a partir deles, definir algumas das linhas mestras que balizaram sua atuação como diplomata e como Chanceler.
1) Acatamento erga omnes do Direito Internacional
Rio Branco já havia concluído a negociação com a delegação boliviana que culminaria com o Tratado de Petrópolis, resolvendo integralmente a Questão do Acre, na qual fizera valer nossos direitos para definir a linha de fronteira. A essa altura, chegou-lhe a informação de que Plácido de Castro e seus valorosos voluntários haviam ido muito além dela, estando portanto em território boliviano. Provavelmente seria fácil deixar que essa situação trouxesse vantagens para os brasileiros. O Barão, entretanto, coerente com seu respeito pelas normas do Direito Internacional, insistiu para que Plácido de Castro retrocedesse até cruzar de volta a nova fronteira. Tendo conseguido o acatamento de sua determinação, Rio Branco foi alvo de algumas críticas nos meios políticos no Rio de Janeiro, as quais, com dignidade e bom senso, absteve-se de refutar.
2) A legítima “generosidade” na Diplomacia
O diplomata aprende, desde o começo de sua carreira, que “no relacionamento internacional não há amigos nem inimigos. Existem apenas – e sempre – interesses, conflituosos ou convergentes” .
O próprio Barão do Rio Branco enunciou de outra forma a mesma dura realidade: “O sentimento de gratidão raros homens o possuem e mais raro ainda ou menos duradouro é ele nas coletividades humanas que se chamam Nações.”
Por conseguinte, fazer unilateralmente concessão que prejudique algum interesse nacional em nome de uma alegada “generosidade” é um contrassenso em Diplomacia. Pior ainda se essa concessão for feita diante de ação ilícita da outra parte.
No entanto, há circunstâncias em que um ato de ostensiva generosidade é perfeitamente compatível com os princípios da Diplomacia. Assim ocorreu na negociação do Tratado de Limites com o Uruguai, em 1909. Para surpresa dos negociadores uruguaios, Rio Branco ofereceu estabelecer o condomínio e a livre navegação na Lagoa Mirim e no rio Jaguarão, que até então estavam inteiramente em território brasileiro . Com isso, sem acarretar qualquer prejuízo para o Brasil, o Barão eliminou, através de um gesto nobre, inevitável controvérsia no futuro e prestou um grande serviço a ambos os países.
3) Na vitória diplomática, o ideal é que o outro lado também ganhe.
De maneira simplista, costuma-se dizer que, “na guerra, o objetivo é a destruição total do inimigo”. Ora, na controvérsia diplomática, ao contrário, busca-se a vitória na negociação, porém com o cuidado de que o resultado final represente algum ganho para a outra parte. Isso não decorre de motivação caridosa, mas sim da noção que a vivência das relações internacionais ensina que a durabilidade e o pleno acatamento de um acordo dependem do grau de satisfação dos seus signatários.
O Barão demonstrou essa preocupação na difícil negociação sobre o Acre. Embora já convencido do êxito próximo e concordando com várias formas de indenização, ele se esforçou para caracterizar a satisfação, mesmo que parcial, de certas reivindicações territoriais da Bolívia, cedendo-lhe pequenos territórios próximos à foz do rio Abunã (numa região próxima ao Acre) e na bacia do rio Paraguai. Assim é que o popularmente chamado Tratado de Petrópolis tem o título formal de Tratado de permuta de Territórios e outras Compensações.
4) A autêntica vitória diplomática é silenciosa.
O trabalho diplomático competente é primordialmente conduzido em silêncio. No antigo Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, os jovens ouviam sempre dos diplomatas veteranos que deviam, na medida do possível, evitar a divulgação de seus nomes e fotografias nos jornais. O êxito da atuação diplomática se caracteriza, em boa medida, pelo anonimato dos seus responsáveis fora dos muros da Chancelaria.
Além disso, concluída a negociação, o excesso de louvor a um protagonista inevitavelmente desagradará ao outro lado, o que pode ser nocivo até mesmo para a implementação do que tiver sido acordado.
Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, dentre muitos aplausos – sem qualquer dúvida merecidíssimos – o Barão recebeu entusiásticas felicitações do prestigioso Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro. Com muita elegância e sabedoria profissional, Rio Branco fez divulgar a seguinte resposta àquela entidade:
“Sumamente penhorado pela nova manifestação de benevolência com que me distingue essa ilustrada Associação, peço, entretanto, licença para discordar quanto à ‘vitória diplomática’ que ela me atribui na conclusão do nosso acordo com a Bolívia em 21 de março. Honroso e satisfatório para ambas as partes, ele é, sobretudo, vantajoso para a Bolívia e novo atestado do tino político e esclarecido patriotismo do seu Ministro das Relações Exteriores, Sr. Eliodoro Villazón.”
5) Audácia calculada: Invocar a força armada como meio dissuasório em prol do prosseguimento da negociação
O emprego da dissuasão tem sido analisado por muitos estudiosos de relações internacionais, especialmente no contexto do gerenciamento de crise. Entretanto, não se conhecem trabalhos específicos sobre a dissuasão como um dos recursos que podem ser utilizados num âmbito de negociação diplomática. Neste caso, talvez mais do que o aspecto da credibilidade, o negociador precisa ter a habilidade de impedir que a ameaça, por mais equilibrados que sejam os termos adotados, permita ao interlocutor inverter sua rota de colisão sem se sentir humilhado.
O Barão deixou-nos um claríssimo exemplo da forma ideal de exibir firmeza sem encurralar o oponente. Enquanto prosseguiam as negociações boliviano-brasileiras, em Petrópolis, a propósito da questão do Acre, o Presidente da Bolívia, General José Manuel Pando, ordenou o deslocamento para a zona contestada de tropa numerosa , sob seu comando pessoal. Ao ser informado dessa conduta, Rio Branco redigiu de próprio punho um despacho-telegráfico, datado de 03/FEV/1903, ao chefe da Legação do Brasil em La Paz, cujo trecho operacional era o seguinte:
“(...) O governo brasileiro não quer romper as suas relações diplomáticas com o da Bolívia, continua pronto para negociar um acordo honroso e satisfatório para as duas partes e deseja mui sinceramente chegar a esse resultado. O sr. presidente Pando entendeu que é possível negociar marchando ele com tropas para o norte; nós negociaremos também fazendo adiantar forças para o sul, com o fim, já declarado, no interesse das boas relações de amizade que o Brasil deseja ardentemente manter com a Bolívia. É urgente que os dois governos se entendam para remover rapidamente esta dificuldade do Acre, fonte de complicações e discórdia. Se não for possível um acordo direto, restar-nos-á o recurso do juízo arbitral. (...)”
Felizmente, para o restabelecimento do respeito mútuo necessário ao prosseguimento da negociação, o General Pando optou por retornar com sua tropa para La Paz.
6) A credibilidade da Ação Diplomática também requer Forças Armadas capacitadas
Na fria realidade do relacionamento internacional, como já advertia Richelieu no século XVII, “quem tem a força, sempre tem razão; quem é fraco talvez consiga não ser culpado”. Há, em Coimbra, uma linda estátua representando a Diplomacia, em que uma figura feminina, com semblante sereno, aponta um pergaminho aberto com a mão direita, enquanto a esquerda segura uma espada com a ponta pousada no chão. O simbolismo é perfeito: a Diplomacia se orienta sempre pelas normas do Direito Internacional e dos acordos, porém não descura da garantia que provém da força armada para fazer valer a Justiça.
É sabido que o Barão – com invulgar conhecimento da história militar – tinha a mais profunda aversão à guerra e se empenhava pela solução pacífica das controvérsias. Igualmente intensa era sua convicção da justiça das causas brasileiras que lhe coube defender. Entretanto, tinha plena consciência de que os argumentos morais e éticos, os princípios jurídicos e as provas documentais com que alicerçava sua defesa dos direitos do Brasil seriam, em muitos casos, de pouca eficácia se não contassem com o respaldo das nossas Forças Armadas. Além disso, nosso próprio passado histórico confirmava o conceito de que a eventual debilidade militar do Brasil estimulava certas ambições ao longo de nossas fronteiras.
Por tudo isso, sobretudo durante a década em que foi Chanceler, Rio Branco desenvolveu sistemáticos esforços em prol do reequipamento da Marinha do Brasil e do Exército Brasileiro . É muito representativo dessa preocupação o trecho, transcrito a seguir, de discurso que proferiu em 1910 e que, lamentavelmente, continua muito pertinente:
“(...) Se hoje procuramos (...) melhorar as condições em que alguns anos de agitações estéreis e conseqüentes descuidos colocaram nosso Exército e nossa Armada (...) é unicamente porque sentimos a necessidade, que todas as nações previdentes e pundonorosas sentem, de estarmos preparados para a pronta defesa do nosso território, dos nossos direitos e da nossa honra contra possíveis afrontas e agressões.
“(...) lembrar (...) a necessidade de, após (...) anos de descuido, tratarmos seriamente de reorganizar a defesa nacional (...). ”
7) Quadros diplomáticos imunes a partidos e ideologias
Os biógrafos de Juca Paranhos são unânimes em ressaltar sua imensa admiração pelo pai, o extraordinário estadista que foi o Visconde do Rio Branco. Acompanhando de perto e depois colaborando com a atuação política e diplomática do pai, era natural que ele absorvesse as convicções do modelo paterno como monarquista e unitário convicto. Além disso, fora nomeado pela Regente para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e depois agraciado pelo Imperador com o título de Barão. Nos últimos anos do segundo reinado, D. Pedro II estendera a Rio Branco o privilégio de manter correspondência direta com ele, prática que se manteve mesmo no exílio do Imperador deposto.
Apesar de todos esse laços com o regime substituído pela República, o Barão não teve qualquer constrangimento em aceitar defender a causa brasileira na questão das Missões ou de Palmas (contra a Argentina), convidado por Floriano Peixoto, e na questão do Oiapoque (contra a França), instado por Prudente de Morais, bem como, posteriormente, em ser Chanceler sob 4 Presidentes (de 1902 a 1912), porque tinha a correta consciência de que servia ao país e não a qualquer governo ou regime.
Nesse contexto, é interessante reproduzir aqui um episódio significativo. Ao final de um despacho no Palácio do Catete, o Presidente Rodrigues Alves disse ao Barão que vinha tendo de enfrentar queixas de que ele desrespeitava ostensivamente a proibição legal do uso de título nobiliárquico, inclusive na assinatura que apunha a documentos oficiais. Rio Branco serenamente respondeu: “Presidente, não vejo problema algum: Vossa Excelência tem o Barão do Rio Branco como Chanceler ou tem outro Chanceler ... ”
8) Isenção pessoal no interesse da Nação
Um dos grandes objetivos que se fixara o Barão à frente do Itamaraty era o reconhecimento, pelas grandes potências da época, da real estatura do Brasil no cenário internacional. Nesse sentido, Rio Branco considerou nossa participação na 2ª Conferência da Paz, que se realizaria na Haia de 15 de junho a 18 de outubro de 1907, como excelente oportunidade para projetar a desejada imagem do nosso país.
Assim sendo, Rio Branco convidou para representar o Brasil nessa grande reunião internacional o atuante político Ruy Barbosa apesar de, no âmbito da política interna, ter este demonstrado sua desafeição pelo Chanceler.
O Barão prestou-lhe todo o apoio do Itamaraty e, além disso, montou um eficaz esquema para projetar a figura de Ruy na imprensa dos EUA e da Europa. Nesse contexto, aliás, atribui-se ao Chanceler a criação da alcunha de “Águia da Haia”.
9) A negação da chamada “ Diplomacia presidencial ”
Muito antes do surgimento da prática da chamada “Diplomacia presidencial”, Rio Branco deixou-nos uma lição magistral sobre a inevitável incompatibilidade dessa forma de atuação do Chefe de Estado com uma política externa eficiente, capaz de assegurar a obtenção e manutenção dos objetivos nacionais, tanto permanentes como atuais.
Em 1909, exercia ele havia 7 anos o cargo de Chanceler e, por tudo que já fizera pelo Brasil, era aclamado em todo o País. Foi convidado com insistência para candidatar-se à Presidência da República. A vitória seria inevitável. Porém, manteve-se firme na recusa, argumentando que aceitar sua eleição “ (...) seria faltar eu ao programa de inteira abstenção nas lutas da política interna (...). Estarei sempre pronto para servir a nossa terra na medida das minhas forças, mas sinto que não posso e não devo ser um homem de partido, nem combatente na política interna.”
10) Percepção correta da situação geopolítica
Num período em que havia na Argentina vociferantes e influentes setores anti-brasileiros , Rio Branco empenhou-se por promover uma positiva aproximação entre os dois países. Graças a esse paciente e hábil trabalho de persuasão, ocorreram as emblemáticas visitas ao Brasil do ex-Presidente Julio Roca e do Presidente-eleito Roque Sáenz-Peña. Aliás, este último pronunciou no Rio de Janeiro a famosa frase indicativa do ambiente de amizade que o Barão conseguira criar entre os dois países: "Tudo nos une, nada nos separa".
O Barão também propôs a criação do bloco ABC – Argentina, Brasil e Chile – que operaria como indutor da paz no Cone Sul. As conversações nesse sentido evoluíram lentamente e o pacto constitutivo só viria a ser firmado em 1915.
11) Visão geoestratégica
Como sói acontecer no planejamento e execução das ações diplomáticas, certas concepções são postas em prática pelos diplomatas e só muito depois vêm a receber um invólucro acadêmico. Em Tordesilhas, os negociadores lusos orientavam suas proposições com base no que hoje se denominaria de percepção do espaço geoestratégico. Analogamente, o Barão tinha muito nítida a importância geoestratégica dos Estados Unidos da América. Para que se compreenda o ineditismo dessa visão é necessário recordar que, na época, aquele país era, em geral, considerado pouco relevante no cenário mundial, e a Grã-Bretanha era a grande potência, que podia, inclusive, constituir-se numa ameaça para nossos interesses.
Por outro lado, a nação norte-americana, embora já atuando vigorosamente no Pacífico e na Ásia Oriental, bem como na América Central e no Caribe, ainda se mostrava desinteressada para com o subcontinente sul-americano. Mas o Barão soube persuadir os dirigentes norte-americanos das vantagens mútuas no estabelecimento com o Brasil de um “relacionamento especial”.
Convém aqui assinalar que isso não implicava para nós qualquer tipo de subserviência, acusação por vezes lançada por alguns adeptos de um certo revisionismo histórico de inspiração esquerdista. Ao contrário, Rio Branco sempre pautara sua atuação pela defesa invariável da dignidade e da soberania do Brasil. Em relação aos Estados Unidos, isso fica claramente demonstrado pela Nota por ele dirigida em 1903 à Legação norte-americana no Rio de Janeiro, em que definia as normas que restabeleceram a plena soberania brasileira nos rios amazônicos. Recorde-se aqui, muito sumariamente, que a partir de 1850, fora desenvolvido o projeto de Matthew Fontaine Maury, brilhante oficial da Marinha norte-americana, de promover a plena internacionalização da navegação no Amazonas-Solimões-Marañon e seus afluentes, juntamente com a colonização da calha do Amazonas, com o traslado dos escravos negros do sul do seu país.
Um dos primeiros resultados concretos desse “relacionamento especial” foi o decisivo apoio de Washington para que a III Conferência Pan-Americana, inicialmente prevista para se realizar em Buenos Aires, tivesse lugar no Rio de Janeiro, em 1906, o que foi inegavelmente fator de prestígio para o Brasil no hemisfério.
12) Importância crucial da documentação e do pessoal
O Barão sabidamente não era afeito a questões administrativas, mas pregava a importância para a eficaz Ação Diplomática de sólida fundamentação documental e de quadro de pessoal competente e inovador. Daí – apesar dos embates por diferenças de opinião e estilo – seu respeito pelo lendário Visconde de Cabo Frio (Joaquim Thomaz do Amaral), que exerceu por mais de 20 anos o cargo de Diretor-Geral da Secretaria de Estado, assegurando com firmeza invariável a organização e a disciplina dos quadros da nossa Diplomacia.
Apesar das queixas do Visconde pelos gastos das obras ordenadas (“Haja tostão, Senhor Barão !”), Rio Branco fez construir as instalações para a guarda e a consulta do arquivo central, da biblioteca e da mapoteca, preservando um acervo riquíssimo posto a serviço do Brasil.
13) Preocupação com a qualidade dos diplomatas
Desde que assumiu a direção da nossa Chancelaria, Rio Branco procurou atrair para o Itamaraty jovens dotados de determinadas qualidades. O Barão tinha perfeita noção dos requisitos que deveriam satisfazer os que fossem ser admitidos no Itamaraty. Por isso, incumbia-se pessoalmente da seleção, não sujeitando sua escolha a recomendações ou pedidos de cunho político.
Esses requisitos – válidos até hoje – podem ser agrupados em três categorias:
I. Vocação:
• Desejar servir à Nação (e não ao Governo, qualquer seja ele), o que, evidentemente, pressupõe uma conduta apolítica e apartidária.
• Entender que o serviço diplomático é uma Carreira de Estado e estar disposto a acatar as obrigações dela decorrentes.
• Ter como uma de suas metas pessoais na profissão promover a harmonia entre os povos.
• Estar disposto a arcar com os sacrifícios na vida privada que a carreira diplomática inevitavelmente acarreta.
II. Aptidão:
• Ter o domínio operacional de certos idiomas.
• Ser capaz de estabelecer empatia, porém sem perder a objetividade.
• Pautar-se por uma conduta pessoal ilibada, tendo sempre em mente que o seu comportamento, sobretudo no Exterior, se reflete sobre a própria imagem do povo brasileiro.
• Respeitar o “anonimato com responsabilidade”. Isso significa não invocar ou divulgar publicamente a autoria de trabalhos, que são impessoalmente atribuídos “ao Itamaraty”, porém tendo a certeza de que internamente sabe-se quem fez ou deixou de fazer o que.
III. Cultura:
• Dispor de conhecimento profundo nas áreas especificamente vinculadas à atividade diplomática.
• Formar e manter atualizada uma ampla gama de informações variadas, sendo uma espécie de “especialista em generalidades”, para estar habilitado a saber onde buscar o assessoramento que eventualmente se faça necessário.
• Possuir ou desenvolver adaptabilidade a diferenças. O diplomata precisa se abster de atribuir ab initio um valor positivo ou negativo ao que lhe apareça como diferente ou incomum.
• Cultuar um nacionalismo firme porém desprovido de arrogância ou xenofobia. O próprio lema escolhido por ele ao ser feito Barão já sintetizava esse sentimento profundo e constante – Ubique Patriae Memor (Em todos os lugares, a lembrança da Pátria).
14) Serviço da Pátria mesmo com sacrifício pessoal
Em 1911, Rio Branco estava padecendo de graves problemas renais e por isso ofereceu seu afastamento ao Presidente Hermes da Fonseca. Este, porém, argumentou que não podia prescindir da sua permanência à frente da diplomacia brasileira. Ante essa recusa, o Barão concordou em permanecer no cargo. Sem esmorecer no trabalho, sua saúde foi se deteriorando com mais rapidez e, poucos meses mais tarde, após longa agonia no seu Gabinete, onde praticamente morava, em 10 de fevereiro de 1912 morreu o grande brasileiro.
A morte de Rio Branco causou a maior consternação popular jamais vista no Brasil. A cidade inteirou parou. Era sábado de Carnaval, que foi adiado. O governo determinou que lhe fossem prestadas honras fúnebres de Chefe de Estado. Foi instalada no salão nobre do Palácio uma câmara ardente, com permanente guarda de honra por Oficiais da Marinha e do Exército. No dia 13, o cortejo fúnebre saiu do Itamaraty para o cemitério de São Francisco Xavier, no bairro do Caju, onde seria sepultado no mausoléu em que estavam os restos mortais do seu pai, o Visconde. Uma multidão estimada em centenas de milhar acompanhou o féretro, fazendo-lhe a escolta o 1º Regimento de Cavalaria (mais tarde designado “Dragões da Independência”). Ao longo de todo o trajeto foram postados efetivos da Marinha (uma Cia. de Marinheiros), do Exército (duas Divisões, sob o comando geral do Gen Div José Caetano de Faria, Chefe do Grande Estado Maior) e da Polícia Militar do Distrito Federal, num total de 3 a 4 mil homens. No Caju, uma bateria do 1º Regimento de Artilharia de Campanha disparou as 21 salvas cerimoniais enquanto, na baía de Guanabara, todas as belonaves também disparavam seus canhões e faziam soar seus apitos incessantemente.
Tempos depois, no roda-teto de mármore escuro que existe naquela dependência do velho Palácio Itamaraty, foi gravada em letras douradas a seguinte inscrição, escandida pelos quatro lados da grande sala:
/ NESTA SALA, QUE FOI, POR MUITOS ANNOS, O SEU GABINETE /
/ DE TRABALHO, FALLECEU, A 10 FEVEREIRO DE 1912, O GRANDE /
/ MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DOS ESTADOS UNIDOS /
/ DO BRASIL, JOSÉ MARIA DA SILVA PARANHOS, BARÃO DO RIO-BRANCO /
Ali continuou funcionando o Gabinete do Ministro até a transferência da sede do Ministério das Relações Exteriores para Brasília. Também ali se realizava a cerimônia formal de posse dos aprovados nos concursos de provas e, após a criação do Instituto Rio Branco, em 1945, dos novos servidores que ingressavam no Quadro de Diplomatas.
Continuidade e adaptações
Como muito do que ocorreu na evolução da Diplomacia brasileira, esse “legado intangível” de Rio Branco – por meios informais e espontâneos – veio a constituir o que se poderia considerar a “Doutrina do Itamaraty”. Ela jamais foi escrita mas, ao longo do século XX, era invariavelmente aprendida, apreendida, admirada e praticada pelas sucessivas gerações dos nossos diplomatas.
Do muito que herdamos do Barão talvez o principal valor tenha sido a dedicação integral e constante ao serviço da Pátria, imune aos interesses político-partidários e acima das conveniências pessoais. Até mesmo as mais militantes correntes ideológicas do século passado não afetavam a conduta profissional na nossa Casa. Nunca houve naquelas décadas patrulhamento ideológico nem discriminações por supostas simpatias ou antipatias político-partidárias, até porque o distanciamento dessas posturas era uma característica amplamente predominante dos quadros diplomáticos e administrativos do Itamaraty. Nele se sentia de forma natural a diretriz única do patriotismo – tão acendrado quanto silencioso.
No início dos anos 1930 foi-se intensificando no Brasil uma tendência à modernização da administração pública. Evidentemente, várias normas de funcionamento burocrático tinham de ser adaptadas às novas modalidades de organização instituídas no âmbito federal. Não obstante, em decorrência das peculiaridades da atividade diplomática, mesmo isso tinha de ser feito à maneira do Itamaraty.
A imensa reforma empreendida pelo poderoso Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP (criado em 1938) afetou todo o serviço público civil da União – do qual os diplomatas na realidade jamais se sentiram parte comum. Na prática, porém, no Itamaraty certas mudanças só existiam, por assim dizer, dos portões para fora. Por exemplo: num documento oficial, alguém apareceria como “Diplomata Classe K”, mas no seu cartão de visita continuava a constar o título de Terceiro Secretário.
Convém aqui fazer algumas especificações terminológicas extremamente relevantes:
* O Itamaraty, muitas vezes chamado entre os diplomatas de “A Casa”, é a instituição nacional dedicada ao exercício da atividade diplomática, guiada exclusivamente pelos Objetivos Nacionais (tanto os permanentes como os atuais).
* O Serviço Exterior Brasileiro (SEB) é a estrutura orgânica sui generis destinada a assegurar a funcionalidade da instituição nacional (Itamaraty).
* O Ministério das Relações Exteriores (MRE) é um órgão do Governo, cuja atuação é condicionada pelos Objetivos Nacionais e pelos Objetivos de Governo.
No bojo das inovações implantadas na administração federal, a seleção dos candidatos à carreira passou a obedecer aos mecanismos dos concursos públicos, organizados e realizados pelo DASP. Porém, em 1945 foi criado o Instituto Rio Branco, que requeria para ingresso a aprovação em severíssimos exames intelectuais, exames médicos e – numa substituição engenhosa da avaliação pessoal que fazia o Barão – uma entrevista por uma banca de 3 Primeiros Secretários. Estes eram adrede escolhidos anualmente pelo Secretário-Geral (o “Chefe da Casa”) e nomeados formalmente por Portaria do Ministro de Estado, a quem submetiam diretamente seus pareceres. Da decisão deste (em geral após ouvir o Secretário-Geral) não cabia recurso. Essa “banca” foi extinta em 1984, em conseqüência de liminar concedida pelo STF, da qual o MRE não recorreu!
O curso do Instituto Rio Branco se estendia por dois anos letivos, em regime de tempo integral, exigindo muita dedicação aos estudos para lograr aprovação. Entretanto, tal como nos tempos do Barão, os jovens diplomatas egressos do Instituto passavam por um verdadeiro aprendizado informal, conduzido de forma não estruturada nas salas e corredores do velho palácio e seus anexos, bem como nos pequenos restaurantes do Centro do Rio. Os ensinamentos eram transmitidos pelos mais antigos, em relatos de suas experiências profissionais, às vezes jocosos, e na descrição de episódios da “história diplomática que não se pode escrever”. Pode-se dizer que ali se iniciava de fato o processo de formação e aperfeiçoamento dos diplomatas brasileiros, que, como em todas as formas de arte, só encerra com o fim da vida.
Paralelamente à introdução das grandes mudanças concebidas pelo DASP, a disciplinada eficiência implantada pelo Visconde de Cabo Frio foi sendo atualizada com novos métodos administrativos próprios da Chancelaria brasileira. Nesse particular merece destaque o trabalho excepcional realizado pelo Embaixador Maurício Nabuco quando Secretário-Geral, que empreendeu uma padronização de procedimentos e de equipamentos única no Brasil e quiçá no mundo. Essa uniformização abrangeu desde as formas de tramitação dos papéis, passando pelos modelos de expedientes, até todo o mobiliário das repartições na Secretaria de Estado e nas Embaixadas e Consulados pelo mundo afora.
Entretanto, com o traslado do Itamaraty para Brasília, muitas dessas peculiaridades iriam – involuntariamente – desaparecer, como veremos a seguir.
Início auspicioso ...
Ao aceitar, em outubro de 1969, o convite do Presidente Médici para ser Ministro das Relações Exteriores, o Embaixador Mario Gibson Barboza se comprometeu a transferi-lo para Brasília no mais curto prazo possível. Assim, em março de 1970, o Chanceler efetivou – com impecável eficiência – o traslado integral e definitivo do Itamaraty para Brasília.
É preciso esclarecer que, independentemente da vontade ou da relutância dos servidores do MRE em mudar-se do Rio de Janeiro para a nova capital, a forma pela qual funcionavam suas unidades operacionais impedia que essa transferência fosse sendo realizada por partes, como havia sido feito com outros Ministérios, inclusive os militares.
Foi feito meticuloso e complexo planejamento logístico, cuja eficácia ficou demonstrada pelo fato de que o expediente foi encerrado no Rio de Janeiro às 17hs de uma 6ª-feira e reaberto em Brasília às 09hs da seguinte 2ª-feira.
Outro aspecto emblemático das dificuldades que tiveram de ser superadas foi o transporte dos arquivos, inclusive os de documentos sigilosos. Cogitou-se de empregar um Hércules C-130 da FAB mas, por maior precaução, optou-se pela rodovia, em comboio com proteção armada do Exército Brasileiro. Finalmente, numa decisão que sem dúvida agradaria ao Barão, foi solicitado à Marinha do Brasil que provesse os efetivos necessários de Fuzileiros Navais para a guarda externa do novo Palácio Itamaraty.
Numa Casa onde a tradição e a inovação sempre foram características paradoxalmente de igual relevância, o Chanceler Gibson Barboza intuiu que se devia marcar com grande simbolismo essa transferência histórica. Com essa intenção obteve a aprovação do Presidente Médici para três iniciativas.
A primeira foi a criação do Dia do Diplomata, instituído no dia 20 de abril – data do nascimento do Barão do Rio Branco – pelo Decreto Nº 66.217, de 17/02/1970.
A segunda foi a primeira comemoração dessa data naquele mesmo ano de 1970 com a inauguração solene do novo Palácio Itamaraty em Brasília pelo Chefe de Estado.
Finalmente, a terceira foi a cerimônia, nesse mesmo dia, da primeira formatura de egressos do Instituto Rio Branco na nova sede do nosso Serviço Diplomático, ocasião em que o Presidente fez um longo pronunciamento sobre as diretrizes da Política Externa do Brasil.
... e fatores nocivos imprevisíveis
Quase imperceptivelmente, embora os valores éticos e diplomáticos não se alterassem com a mudança para Brasília, começou um processo de gradual inviabilização ou erosão de muitos aspectos que até então haviam assegurado a eficácia da seleção de candidatos, da qualidade do aprendizado informal e da exatidão na avaliação subjetiva do merecimento para promoções e lotação dos funcionários diplomáticos e administrativos. Apenas a título de exemplo, podem-se citar dois aspectos físicos. O primeiro surgia do fato de as novas instalações serem muito espaçosas, ficando muito além das necessidades imediatas, numa sensata previsão do crescimento do pessoal do MRE. O segundo decorria da circunstância de que não havia então na cidade, ainda pequena, o ambiente dos antigos restaurantes do Centro do Rio de Janeiro. Com esses dois óbices, foi logo desaparecendo o ambiente em que, na velha capital, se desenvolvia o aprendizado informal dos jovens herdeiros de Rio Branco.
Em suma, por esses e vários outros motivos, muitas das peculiaridades do nosso serviço diplomático não se coadunavam com certas características de Brasília, eram incompatíveis com o semi-árido do Planalto Central.
Conclusão
Fora do Serviço Diplomático, quase ninguém se dá conta de uma notável realidade histórica: durante todo o século XX, no âmbito mundial, a região com a menor ocorrência de conflitos armados entre lindeiros foi a América do Sul. A explicação para esse fenômeno não está no domínio misterioso de forças esotéricas. Na realidade, a atuação profissionalmente silenciosa dos diplomatas brasileiros – acompanhando diuturnamente a conjuntura, desativando conflitos em potencial, promovendo entendimentos e convergências – foi o principal fator da paz regional nesse último século.
Em todo esse período, sobressaem dois gigantes – o Barão do Rio Branco e o Embaixador Mario Gibson Barboza – os dois maiores Chanceleres que o Brasil teve até hoje !
Os que conhecem e estudam objetivamente o que ambos fizeram pelo Brasil e pela convivência pacífica entre as nações os reverenciam como numes tutelares da nossa Diplomacia. De outra parte, as inverdades e deturpações que um tendencioso revisionismo histórico procura difundir apenas confirmam a antiga máxima: “Há serviços tão grandes que só a ingratidão os pode pagar.”
Não obstante, subsiste a esperança nos jovens que ainda buscam a Carreira Diplomática e as Carreiras Militares movidos pela nobre vocação de servir à Pátria – acima de governos – seguindo o rumo legado por Caxias e Rio Branco.
A eles será dada a ventura de ver nossas Forças Armadas elevadas ao patamar de capacidade adequado para respaldar uma Diplomacia profissional na busca e na manutenção dos Objetivos Nacionais!
Rio de Janeiro, * 20 de abril de 1845 – † 10 de fevereiro de 1912
INTRODUÇÃO
“Na história dos povos, seus gigantes se apóiam nos ombros de grandes homens.”
A Diplomacia é uma Arte e, como tal, plena de paradoxos. Os que para ela têm vocação sabem – sem que seja preciso ensinar-lhes – que estarão sempre plantando sementes de árvores cujos frutos jamais verão e nem por isso se empenham menos nessa faina. Aos que é dada a ventura de vê-los incumbe a enorme responsabilidade de avaliar objetivamente se é chegado o momento da colheita e a competência de efetuá-la sem comprometer a qualidade dos frutos. Assim ocorreu com nossas fronteiras ...
Os Grandes Homens
Historicamente, a conformação jurídica do que viria a ser o perímetro do Brasil se inicia no século XV, nas sempre difíceis negociações entre Portugal e Espanha. Pode-se considerar que o primeiro documento internacional relevante nesse contexto foi a bula Intercoetera, com a qual o Papa Alexandre VI, em 1493, dividiu entre os dois países o mundo ainda a ser “descoberto” pelos europeus.
Logo se iniciam em Tordesilhas as conversações para definir onde se situaria a linha divisória dessa partilha. Os portugueses, demonstrando dispor de Inteligência Estratégica e possuir a percepção da assimetria dos Espaços Geopolítico e Geoestratégico (séculos antes de que tais conceitos fossem definidos), conseguiram que se adotasse o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão, no arquipélago de Cabo Verde. Por que essa distância? Por que não um número “redondo”, como 350 ou 400? Não cabe aqui debater esse ponto, que fica à curiosidade do leitor.
Ao longo dos séculos XVI e XVII, aproveitando a circunstância da união real de Portugal e Espanha (1580 – 1640), as entradas e bandeiras organizadas por lusitanos no subcontinente, especialmente a liderada por Antonio Raposo Tavares, foram expandindo a presença portuguesa, sem cometer qualquer ilegalidade visto que, estando sob o mesmo rei, não havia razão para levar em conta a linha de Tordesilhas. Não obstante, parece-me válido pensar que os portugueses jamais deixaram de ansiar pela restauração de um monarca nativo em Lisboa e terá sido com esse “objetivo nacional” em mente que Pedro Teixeira, ao empreender em 1616 a missão de explorar a calha do Amazonas, foi dando nomes de cidades portuguesas às povoações que ia fundando nas margens do grande rio.
Com a brilhante negociação do Tratado de Madri, de 1750, o brasileiro Alexandre de Gusmão ( *Santos, 1695 – †Lisboa, 1753) consegue a adoção do princípio do Uti possidetis, com o que logra a preservação do status quo territorial como garantia de paz e a fixação jurídica dos limites entre as terras das duas coroas na América do Sul. É com total justiça que, no Itamaraty. o consideramos o “Avô da Diplomacia brasileira”.
Numa certa ironia da História, os primeiros passos autônomos dos diplomatas brasileiros se dariam nas complicadas negociações para o reconhecimento da nossa independência nacional, a que se opunham tenazmente os representantes do governo de Lisboa.
Simultaneamente, nossa diplomacia tinha de se empenhar nos meandros perigosos da instabilidade crônica no Prata, com as animosidades herdadas do período colonial e os desígnios de poder de vários caudilhos da região.
No norte também havia nuvens ominosas, com as ambições territoriais da Grã-Bretanha e da França, que pretendiam estender as fronteiras de suas Guianas até a margem esquerda do Amazonas. Na metade do século XIX surgiu ainda a ameaça do projeto norte-americano de colonizar a calha desse rio com os escravos que seriam transplantados do sul dos Estados Unidos (vide adiante).
É nesse período conturbado que se desenvolve o entrosamento entre a Diplomacia brasileira e as nossas Forças Armadas, àquela época constituídas por Exército e Marinha.
Paralelamente a essas tarefas ingentes, o Ministério dos Negócios Estrangeiros trabalhava de forma constante para ir consolidando em acordos bilaterais as sólidas bases jurídicas para a fixação definitiva de nossas fronteiras. Sobressaem nessas décadas as figuras do Barão (Duarte) da Ponte Ribeiro, do Visconde do Uruguai (Paulino José Soares de Souza), de Joaquim Caetano da Silva, do Visconde do Rio Branco e, em especial, do Barão do Rio Branco.
Como é notório, a deposição do Imperador e a proclamação da República tiveram no Brasil características sui generis no contexto de mudanças súbitas e radicais de regime político. De todas essas peculiaridades, talvez a mais significativa tenha sido a “permanência” natural do Serviço Diplomático, demonstrando de modo insofismável que, na transição da Monarquia para a República, se reconheceu e preservou o profissionalismo apolítico dos diplomatas brasileiros.
Culminando a obra secular das gestões para resolver pacificamente as questões de limites com nossos vizinhos, o Barão do Rio Branco irá – ainda antes de ser Chanceler e em seguida já no exercício do cargo – encerrar com maestria inexcedível a fixação jurídica completa de nossas fronteiras.
De forma sintética, relaciono a seguir as questões de limites resolvidas a partir da independência do Brasil:
Império do Brasil
1872 – Paraguai [Barão de Cotegipe (João Maurício Wanderley)]
República dos Estados Unidos do Brasil (com uma exceção, todas defendidas por Rio Branco)
1895 – Argentina (Questão de Palmas)
1900 – França (Guiana Francesa) (Questão do Oiapoque)
1903 – Bolívia (Questão do Acre)
1904 – Equador
1904 + 09 – Peru
1904 – Grã-Bretanha (Guiana Britânica) (Questão do Pirara) [Joaquim Nabuco]
1905 – Venezuela
1906 – Holanda (Guiana Holandesa)
1907 – Colômbia
1909 – Uruguai
O Gigante
É amplamente conhecida, documentada e comentada a obra extraordinária de Rio Branco: a conclusão do trabalho secular de fixação jurídica de nossas fronteiras, que acrescentou 900.000 km2 ao território pátrio sem emprego da força armada. Graças a ele, podemos hoje afirmar que, desde 1909, o Brasil não tem problema algum DE fronteira, mas pode ter – e tem, como é normal no âmbito internacional – problemas NA fronteira.
Esse trabalho hercúleo é bastante conhecido nos seus resultados, embora a meu ver mereça atualmente, por parte de professores, historiadores e diplomatas, estudos mais amplos e aprofundados. Rio Branco deixou-nos, porém, todo um riquíssimo manancial de ensinamentos, de conceitos, de exemplos, de princípios e de valores só conhecido das gerações funcionais que serviram no Itamaraty. Esse é o legado intangível do Barão, do qual me ocuparei agora.
O legado intangível do Barão
Apesar de ser um escritor infatigável, Rio Branco não elaborou um “manual de prática diplomática”. O que se segue é, na realidade, uma evocação de fatos concretos para, a partir deles, definir algumas das linhas mestras que balizaram sua atuação como diplomata e como Chanceler.
1) Acatamento erga omnes do Direito Internacional
Rio Branco já havia concluído a negociação com a delegação boliviana que culminaria com o Tratado de Petrópolis, resolvendo integralmente a Questão do Acre, na qual fizera valer nossos direitos para definir a linha de fronteira. A essa altura, chegou-lhe a informação de que Plácido de Castro e seus valorosos voluntários haviam ido muito além dela, estando portanto em território boliviano. Provavelmente seria fácil deixar que essa situação trouxesse vantagens para os brasileiros. O Barão, entretanto, coerente com seu respeito pelas normas do Direito Internacional, insistiu para que Plácido de Castro retrocedesse até cruzar de volta a nova fronteira. Tendo conseguido o acatamento de sua determinação, Rio Branco foi alvo de algumas críticas nos meios políticos no Rio de Janeiro, as quais, com dignidade e bom senso, absteve-se de refutar.
2) A legítima “generosidade” na Diplomacia
O diplomata aprende, desde o começo de sua carreira, que “no relacionamento internacional não há amigos nem inimigos. Existem apenas – e sempre – interesses, conflituosos ou convergentes” .
O próprio Barão do Rio Branco enunciou de outra forma a mesma dura realidade: “O sentimento de gratidão raros homens o possuem e mais raro ainda ou menos duradouro é ele nas coletividades humanas que se chamam Nações.”
Por conseguinte, fazer unilateralmente concessão que prejudique algum interesse nacional em nome de uma alegada “generosidade” é um contrassenso em Diplomacia. Pior ainda se essa concessão for feita diante de ação ilícita da outra parte.
No entanto, há circunstâncias em que um ato de ostensiva generosidade é perfeitamente compatível com os princípios da Diplomacia. Assim ocorreu na negociação do Tratado de Limites com o Uruguai, em 1909. Para surpresa dos negociadores uruguaios, Rio Branco ofereceu estabelecer o condomínio e a livre navegação na Lagoa Mirim e no rio Jaguarão, que até então estavam inteiramente em território brasileiro . Com isso, sem acarretar qualquer prejuízo para o Brasil, o Barão eliminou, através de um gesto nobre, inevitável controvérsia no futuro e prestou um grande serviço a ambos os países.
3) Na vitória diplomática, o ideal é que o outro lado também ganhe.
De maneira simplista, costuma-se dizer que, “na guerra, o objetivo é a destruição total do inimigo”. Ora, na controvérsia diplomática, ao contrário, busca-se a vitória na negociação, porém com o cuidado de que o resultado final represente algum ganho para a outra parte. Isso não decorre de motivação caridosa, mas sim da noção que a vivência das relações internacionais ensina que a durabilidade e o pleno acatamento de um acordo dependem do grau de satisfação dos seus signatários.
O Barão demonstrou essa preocupação na difícil negociação sobre o Acre. Embora já convencido do êxito próximo e concordando com várias formas de indenização, ele se esforçou para caracterizar a satisfação, mesmo que parcial, de certas reivindicações territoriais da Bolívia, cedendo-lhe pequenos territórios próximos à foz do rio Abunã (numa região próxima ao Acre) e na bacia do rio Paraguai. Assim é que o popularmente chamado Tratado de Petrópolis tem o título formal de Tratado de permuta de Territórios e outras Compensações.
4) A autêntica vitória diplomática é silenciosa.
O trabalho diplomático competente é primordialmente conduzido em silêncio. No antigo Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, os jovens ouviam sempre dos diplomatas veteranos que deviam, na medida do possível, evitar a divulgação de seus nomes e fotografias nos jornais. O êxito da atuação diplomática se caracteriza, em boa medida, pelo anonimato dos seus responsáveis fora dos muros da Chancelaria.
Além disso, concluída a negociação, o excesso de louvor a um protagonista inevitavelmente desagradará ao outro lado, o que pode ser nocivo até mesmo para a implementação do que tiver sido acordado.
Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, dentre muitos aplausos – sem qualquer dúvida merecidíssimos – o Barão recebeu entusiásticas felicitações do prestigioso Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro. Com muita elegância e sabedoria profissional, Rio Branco fez divulgar a seguinte resposta àquela entidade:
“Sumamente penhorado pela nova manifestação de benevolência com que me distingue essa ilustrada Associação, peço, entretanto, licença para discordar quanto à ‘vitória diplomática’ que ela me atribui na conclusão do nosso acordo com a Bolívia em 21 de março. Honroso e satisfatório para ambas as partes, ele é, sobretudo, vantajoso para a Bolívia e novo atestado do tino político e esclarecido patriotismo do seu Ministro das Relações Exteriores, Sr. Eliodoro Villazón.”
5) Audácia calculada: Invocar a força armada como meio dissuasório em prol do prosseguimento da negociação
O emprego da dissuasão tem sido analisado por muitos estudiosos de relações internacionais, especialmente no contexto do gerenciamento de crise. Entretanto, não se conhecem trabalhos específicos sobre a dissuasão como um dos recursos que podem ser utilizados num âmbito de negociação diplomática. Neste caso, talvez mais do que o aspecto da credibilidade, o negociador precisa ter a habilidade de impedir que a ameaça, por mais equilibrados que sejam os termos adotados, permita ao interlocutor inverter sua rota de colisão sem se sentir humilhado.
O Barão deixou-nos um claríssimo exemplo da forma ideal de exibir firmeza sem encurralar o oponente. Enquanto prosseguiam as negociações boliviano-brasileiras, em Petrópolis, a propósito da questão do Acre, o Presidente da Bolívia, General José Manuel Pando, ordenou o deslocamento para a zona contestada de tropa numerosa , sob seu comando pessoal. Ao ser informado dessa conduta, Rio Branco redigiu de próprio punho um despacho-telegráfico, datado de 03/FEV/1903, ao chefe da Legação do Brasil em La Paz, cujo trecho operacional era o seguinte:
“(...) O governo brasileiro não quer romper as suas relações diplomáticas com o da Bolívia, continua pronto para negociar um acordo honroso e satisfatório para as duas partes e deseja mui sinceramente chegar a esse resultado. O sr. presidente Pando entendeu que é possível negociar marchando ele com tropas para o norte; nós negociaremos também fazendo adiantar forças para o sul, com o fim, já declarado, no interesse das boas relações de amizade que o Brasil deseja ardentemente manter com a Bolívia. É urgente que os dois governos se entendam para remover rapidamente esta dificuldade do Acre, fonte de complicações e discórdia. Se não for possível um acordo direto, restar-nos-á o recurso do juízo arbitral. (...)”
Felizmente, para o restabelecimento do respeito mútuo necessário ao prosseguimento da negociação, o General Pando optou por retornar com sua tropa para La Paz.
6) A credibilidade da Ação Diplomática também requer Forças Armadas capacitadas
Na fria realidade do relacionamento internacional, como já advertia Richelieu no século XVII, “quem tem a força, sempre tem razão; quem é fraco talvez consiga não ser culpado”. Há, em Coimbra, uma linda estátua representando a Diplomacia, em que uma figura feminina, com semblante sereno, aponta um pergaminho aberto com a mão direita, enquanto a esquerda segura uma espada com a ponta pousada no chão. O simbolismo é perfeito: a Diplomacia se orienta sempre pelas normas do Direito Internacional e dos acordos, porém não descura da garantia que provém da força armada para fazer valer a Justiça.
É sabido que o Barão – com invulgar conhecimento da história militar – tinha a mais profunda aversão à guerra e se empenhava pela solução pacífica das controvérsias. Igualmente intensa era sua convicção da justiça das causas brasileiras que lhe coube defender. Entretanto, tinha plena consciência de que os argumentos morais e éticos, os princípios jurídicos e as provas documentais com que alicerçava sua defesa dos direitos do Brasil seriam, em muitos casos, de pouca eficácia se não contassem com o respaldo das nossas Forças Armadas. Além disso, nosso próprio passado histórico confirmava o conceito de que a eventual debilidade militar do Brasil estimulava certas ambições ao longo de nossas fronteiras.
Por tudo isso, sobretudo durante a década em que foi Chanceler, Rio Branco desenvolveu sistemáticos esforços em prol do reequipamento da Marinha do Brasil e do Exército Brasileiro . É muito representativo dessa preocupação o trecho, transcrito a seguir, de discurso que proferiu em 1910 e que, lamentavelmente, continua muito pertinente:
“(...) Se hoje procuramos (...) melhorar as condições em que alguns anos de agitações estéreis e conseqüentes descuidos colocaram nosso Exército e nossa Armada (...) é unicamente porque sentimos a necessidade, que todas as nações previdentes e pundonorosas sentem, de estarmos preparados para a pronta defesa do nosso território, dos nossos direitos e da nossa honra contra possíveis afrontas e agressões.
“(...) lembrar (...) a necessidade de, após (...) anos de descuido, tratarmos seriamente de reorganizar a defesa nacional (...). ”
7) Quadros diplomáticos imunes a partidos e ideologias
Os biógrafos de Juca Paranhos são unânimes em ressaltar sua imensa admiração pelo pai, o extraordinário estadista que foi o Visconde do Rio Branco. Acompanhando de perto e depois colaborando com a atuação política e diplomática do pai, era natural que ele absorvesse as convicções do modelo paterno como monarquista e unitário convicto. Além disso, fora nomeado pela Regente para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e depois agraciado pelo Imperador com o título de Barão. Nos últimos anos do segundo reinado, D. Pedro II estendera a Rio Branco o privilégio de manter correspondência direta com ele, prática que se manteve mesmo no exílio do Imperador deposto.
Apesar de todos esse laços com o regime substituído pela República, o Barão não teve qualquer constrangimento em aceitar defender a causa brasileira na questão das Missões ou de Palmas (contra a Argentina), convidado por Floriano Peixoto, e na questão do Oiapoque (contra a França), instado por Prudente de Morais, bem como, posteriormente, em ser Chanceler sob 4 Presidentes (de 1902 a 1912), porque tinha a correta consciência de que servia ao país e não a qualquer governo ou regime.
Nesse contexto, é interessante reproduzir aqui um episódio significativo. Ao final de um despacho no Palácio do Catete, o Presidente Rodrigues Alves disse ao Barão que vinha tendo de enfrentar queixas de que ele desrespeitava ostensivamente a proibição legal do uso de título nobiliárquico, inclusive na assinatura que apunha a documentos oficiais. Rio Branco serenamente respondeu: “Presidente, não vejo problema algum: Vossa Excelência tem o Barão do Rio Branco como Chanceler ou tem outro Chanceler ... ”
8) Isenção pessoal no interesse da Nação
Um dos grandes objetivos que se fixara o Barão à frente do Itamaraty era o reconhecimento, pelas grandes potências da época, da real estatura do Brasil no cenário internacional. Nesse sentido, Rio Branco considerou nossa participação na 2ª Conferência da Paz, que se realizaria na Haia de 15 de junho a 18 de outubro de 1907, como excelente oportunidade para projetar a desejada imagem do nosso país.
Assim sendo, Rio Branco convidou para representar o Brasil nessa grande reunião internacional o atuante político Ruy Barbosa apesar de, no âmbito da política interna, ter este demonstrado sua desafeição pelo Chanceler.
O Barão prestou-lhe todo o apoio do Itamaraty e, além disso, montou um eficaz esquema para projetar a figura de Ruy na imprensa dos EUA e da Europa. Nesse contexto, aliás, atribui-se ao Chanceler a criação da alcunha de “Águia da Haia”.
9) A negação da chamada “ Diplomacia presidencial ”
Muito antes do surgimento da prática da chamada “Diplomacia presidencial”, Rio Branco deixou-nos uma lição magistral sobre a inevitável incompatibilidade dessa forma de atuação do Chefe de Estado com uma política externa eficiente, capaz de assegurar a obtenção e manutenção dos objetivos nacionais, tanto permanentes como atuais.
Em 1909, exercia ele havia 7 anos o cargo de Chanceler e, por tudo que já fizera pelo Brasil, era aclamado em todo o País. Foi convidado com insistência para candidatar-se à Presidência da República. A vitória seria inevitável. Porém, manteve-se firme na recusa, argumentando que aceitar sua eleição “ (...) seria faltar eu ao programa de inteira abstenção nas lutas da política interna (...). Estarei sempre pronto para servir a nossa terra na medida das minhas forças, mas sinto que não posso e não devo ser um homem de partido, nem combatente na política interna.”
10) Percepção correta da situação geopolítica
Num período em que havia na Argentina vociferantes e influentes setores anti-brasileiros , Rio Branco empenhou-se por promover uma positiva aproximação entre os dois países. Graças a esse paciente e hábil trabalho de persuasão, ocorreram as emblemáticas visitas ao Brasil do ex-Presidente Julio Roca e do Presidente-eleito Roque Sáenz-Peña. Aliás, este último pronunciou no Rio de Janeiro a famosa frase indicativa do ambiente de amizade que o Barão conseguira criar entre os dois países: "Tudo nos une, nada nos separa".
O Barão também propôs a criação do bloco ABC – Argentina, Brasil e Chile – que operaria como indutor da paz no Cone Sul. As conversações nesse sentido evoluíram lentamente e o pacto constitutivo só viria a ser firmado em 1915.
11) Visão geoestratégica
Como sói acontecer no planejamento e execução das ações diplomáticas, certas concepções são postas em prática pelos diplomatas e só muito depois vêm a receber um invólucro acadêmico. Em Tordesilhas, os negociadores lusos orientavam suas proposições com base no que hoje se denominaria de percepção do espaço geoestratégico. Analogamente, o Barão tinha muito nítida a importância geoestratégica dos Estados Unidos da América. Para que se compreenda o ineditismo dessa visão é necessário recordar que, na época, aquele país era, em geral, considerado pouco relevante no cenário mundial, e a Grã-Bretanha era a grande potência, que podia, inclusive, constituir-se numa ameaça para nossos interesses.
Por outro lado, a nação norte-americana, embora já atuando vigorosamente no Pacífico e na Ásia Oriental, bem como na América Central e no Caribe, ainda se mostrava desinteressada para com o subcontinente sul-americano. Mas o Barão soube persuadir os dirigentes norte-americanos das vantagens mútuas no estabelecimento com o Brasil de um “relacionamento especial”.
Convém aqui assinalar que isso não implicava para nós qualquer tipo de subserviência, acusação por vezes lançada por alguns adeptos de um certo revisionismo histórico de inspiração esquerdista. Ao contrário, Rio Branco sempre pautara sua atuação pela defesa invariável da dignidade e da soberania do Brasil. Em relação aos Estados Unidos, isso fica claramente demonstrado pela Nota por ele dirigida em 1903 à Legação norte-americana no Rio de Janeiro, em que definia as normas que restabeleceram a plena soberania brasileira nos rios amazônicos. Recorde-se aqui, muito sumariamente, que a partir de 1850, fora desenvolvido o projeto de Matthew Fontaine Maury, brilhante oficial da Marinha norte-americana, de promover a plena internacionalização da navegação no Amazonas-Solimões-Marañon e seus afluentes, juntamente com a colonização da calha do Amazonas, com o traslado dos escravos negros do sul do seu país.
Um dos primeiros resultados concretos desse “relacionamento especial” foi o decisivo apoio de Washington para que a III Conferência Pan-Americana, inicialmente prevista para se realizar em Buenos Aires, tivesse lugar no Rio de Janeiro, em 1906, o que foi inegavelmente fator de prestígio para o Brasil no hemisfério.
12) Importância crucial da documentação e do pessoal
O Barão sabidamente não era afeito a questões administrativas, mas pregava a importância para a eficaz Ação Diplomática de sólida fundamentação documental e de quadro de pessoal competente e inovador. Daí – apesar dos embates por diferenças de opinião e estilo – seu respeito pelo lendário Visconde de Cabo Frio (Joaquim Thomaz do Amaral), que exerceu por mais de 20 anos o cargo de Diretor-Geral da Secretaria de Estado, assegurando com firmeza invariável a organização e a disciplina dos quadros da nossa Diplomacia.
Apesar das queixas do Visconde pelos gastos das obras ordenadas (“Haja tostão, Senhor Barão !”), Rio Branco fez construir as instalações para a guarda e a consulta do arquivo central, da biblioteca e da mapoteca, preservando um acervo riquíssimo posto a serviço do Brasil.
13) Preocupação com a qualidade dos diplomatas
Desde que assumiu a direção da nossa Chancelaria, Rio Branco procurou atrair para o Itamaraty jovens dotados de determinadas qualidades. O Barão tinha perfeita noção dos requisitos que deveriam satisfazer os que fossem ser admitidos no Itamaraty. Por isso, incumbia-se pessoalmente da seleção, não sujeitando sua escolha a recomendações ou pedidos de cunho político.
Esses requisitos – válidos até hoje – podem ser agrupados em três categorias:
I. Vocação:
• Desejar servir à Nação (e não ao Governo, qualquer seja ele), o que, evidentemente, pressupõe uma conduta apolítica e apartidária.
• Entender que o serviço diplomático é uma Carreira de Estado e estar disposto a acatar as obrigações dela decorrentes.
• Ter como uma de suas metas pessoais na profissão promover a harmonia entre os povos.
• Estar disposto a arcar com os sacrifícios na vida privada que a carreira diplomática inevitavelmente acarreta.
II. Aptidão:
• Ter o domínio operacional de certos idiomas.
• Ser capaz de estabelecer empatia, porém sem perder a objetividade.
• Pautar-se por uma conduta pessoal ilibada, tendo sempre em mente que o seu comportamento, sobretudo no Exterior, se reflete sobre a própria imagem do povo brasileiro.
• Respeitar o “anonimato com responsabilidade”. Isso significa não invocar ou divulgar publicamente a autoria de trabalhos, que são impessoalmente atribuídos “ao Itamaraty”, porém tendo a certeza de que internamente sabe-se quem fez ou deixou de fazer o que.
III. Cultura:
• Dispor de conhecimento profundo nas áreas especificamente vinculadas à atividade diplomática.
• Formar e manter atualizada uma ampla gama de informações variadas, sendo uma espécie de “especialista em generalidades”, para estar habilitado a saber onde buscar o assessoramento que eventualmente se faça necessário.
• Possuir ou desenvolver adaptabilidade a diferenças. O diplomata precisa se abster de atribuir ab initio um valor positivo ou negativo ao que lhe apareça como diferente ou incomum.
• Cultuar um nacionalismo firme porém desprovido de arrogância ou xenofobia. O próprio lema escolhido por ele ao ser feito Barão já sintetizava esse sentimento profundo e constante – Ubique Patriae Memor (Em todos os lugares, a lembrança da Pátria).
14) Serviço da Pátria mesmo com sacrifício pessoal
Em 1911, Rio Branco estava padecendo de graves problemas renais e por isso ofereceu seu afastamento ao Presidente Hermes da Fonseca. Este, porém, argumentou que não podia prescindir da sua permanência à frente da diplomacia brasileira. Ante essa recusa, o Barão concordou em permanecer no cargo. Sem esmorecer no trabalho, sua saúde foi se deteriorando com mais rapidez e, poucos meses mais tarde, após longa agonia no seu Gabinete, onde praticamente morava, em 10 de fevereiro de 1912 morreu o grande brasileiro.
A morte de Rio Branco causou a maior consternação popular jamais vista no Brasil. A cidade inteirou parou. Era sábado de Carnaval, que foi adiado. O governo determinou que lhe fossem prestadas honras fúnebres de Chefe de Estado. Foi instalada no salão nobre do Palácio uma câmara ardente, com permanente guarda de honra por Oficiais da Marinha e do Exército. No dia 13, o cortejo fúnebre saiu do Itamaraty para o cemitério de São Francisco Xavier, no bairro do Caju, onde seria sepultado no mausoléu em que estavam os restos mortais do seu pai, o Visconde. Uma multidão estimada em centenas de milhar acompanhou o féretro, fazendo-lhe a escolta o 1º Regimento de Cavalaria (mais tarde designado “Dragões da Independência”). Ao longo de todo o trajeto foram postados efetivos da Marinha (uma Cia. de Marinheiros), do Exército (duas Divisões, sob o comando geral do Gen Div José Caetano de Faria, Chefe do Grande Estado Maior) e da Polícia Militar do Distrito Federal, num total de 3 a 4 mil homens. No Caju, uma bateria do 1º Regimento de Artilharia de Campanha disparou as 21 salvas cerimoniais enquanto, na baía de Guanabara, todas as belonaves também disparavam seus canhões e faziam soar seus apitos incessantemente.
Tempos depois, no roda-teto de mármore escuro que existe naquela dependência do velho Palácio Itamaraty, foi gravada em letras douradas a seguinte inscrição, escandida pelos quatro lados da grande sala:
/ NESTA SALA, QUE FOI, POR MUITOS ANNOS, O SEU GABINETE /
/ DE TRABALHO, FALLECEU, A 10 FEVEREIRO DE 1912, O GRANDE /
/ MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DOS ESTADOS UNIDOS /
/ DO BRASIL, JOSÉ MARIA DA SILVA PARANHOS, BARÃO DO RIO-BRANCO /
Ali continuou funcionando o Gabinete do Ministro até a transferência da sede do Ministério das Relações Exteriores para Brasília. Também ali se realizava a cerimônia formal de posse dos aprovados nos concursos de provas e, após a criação do Instituto Rio Branco, em 1945, dos novos servidores que ingressavam no Quadro de Diplomatas.
Continuidade e adaptações
Como muito do que ocorreu na evolução da Diplomacia brasileira, esse “legado intangível” de Rio Branco – por meios informais e espontâneos – veio a constituir o que se poderia considerar a “Doutrina do Itamaraty”. Ela jamais foi escrita mas, ao longo do século XX, era invariavelmente aprendida, apreendida, admirada e praticada pelas sucessivas gerações dos nossos diplomatas.
Do muito que herdamos do Barão talvez o principal valor tenha sido a dedicação integral e constante ao serviço da Pátria, imune aos interesses político-partidários e acima das conveniências pessoais. Até mesmo as mais militantes correntes ideológicas do século passado não afetavam a conduta profissional na nossa Casa. Nunca houve naquelas décadas patrulhamento ideológico nem discriminações por supostas simpatias ou antipatias político-partidárias, até porque o distanciamento dessas posturas era uma característica amplamente predominante dos quadros diplomáticos e administrativos do Itamaraty. Nele se sentia de forma natural a diretriz única do patriotismo – tão acendrado quanto silencioso.
No início dos anos 1930 foi-se intensificando no Brasil uma tendência à modernização da administração pública. Evidentemente, várias normas de funcionamento burocrático tinham de ser adaptadas às novas modalidades de organização instituídas no âmbito federal. Não obstante, em decorrência das peculiaridades da atividade diplomática, mesmo isso tinha de ser feito à maneira do Itamaraty.
A imensa reforma empreendida pelo poderoso Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP (criado em 1938) afetou todo o serviço público civil da União – do qual os diplomatas na realidade jamais se sentiram parte comum. Na prática, porém, no Itamaraty certas mudanças só existiam, por assim dizer, dos portões para fora. Por exemplo: num documento oficial, alguém apareceria como “Diplomata Classe K”, mas no seu cartão de visita continuava a constar o título de Terceiro Secretário.
Convém aqui fazer algumas especificações terminológicas extremamente relevantes:
* O Itamaraty, muitas vezes chamado entre os diplomatas de “A Casa”, é a instituição nacional dedicada ao exercício da atividade diplomática, guiada exclusivamente pelos Objetivos Nacionais (tanto os permanentes como os atuais).
* O Serviço Exterior Brasileiro (SEB) é a estrutura orgânica sui generis destinada a assegurar a funcionalidade da instituição nacional (Itamaraty).
* O Ministério das Relações Exteriores (MRE) é um órgão do Governo, cuja atuação é condicionada pelos Objetivos Nacionais e pelos Objetivos de Governo.
No bojo das inovações implantadas na administração federal, a seleção dos candidatos à carreira passou a obedecer aos mecanismos dos concursos públicos, organizados e realizados pelo DASP. Porém, em 1945 foi criado o Instituto Rio Branco, que requeria para ingresso a aprovação em severíssimos exames intelectuais, exames médicos e – numa substituição engenhosa da avaliação pessoal que fazia o Barão – uma entrevista por uma banca de 3 Primeiros Secretários. Estes eram adrede escolhidos anualmente pelo Secretário-Geral (o “Chefe da Casa”) e nomeados formalmente por Portaria do Ministro de Estado, a quem submetiam diretamente seus pareceres. Da decisão deste (em geral após ouvir o Secretário-Geral) não cabia recurso. Essa “banca” foi extinta em 1984, em conseqüência de liminar concedida pelo STF, da qual o MRE não recorreu!
O curso do Instituto Rio Branco se estendia por dois anos letivos, em regime de tempo integral, exigindo muita dedicação aos estudos para lograr aprovação. Entretanto, tal como nos tempos do Barão, os jovens diplomatas egressos do Instituto passavam por um verdadeiro aprendizado informal, conduzido de forma não estruturada nas salas e corredores do velho palácio e seus anexos, bem como nos pequenos restaurantes do Centro do Rio. Os ensinamentos eram transmitidos pelos mais antigos, em relatos de suas experiências profissionais, às vezes jocosos, e na descrição de episódios da “história diplomática que não se pode escrever”. Pode-se dizer que ali se iniciava de fato o processo de formação e aperfeiçoamento dos diplomatas brasileiros, que, como em todas as formas de arte, só encerra com o fim da vida.
Paralelamente à introdução das grandes mudanças concebidas pelo DASP, a disciplinada eficiência implantada pelo Visconde de Cabo Frio foi sendo atualizada com novos métodos administrativos próprios da Chancelaria brasileira. Nesse particular merece destaque o trabalho excepcional realizado pelo Embaixador Maurício Nabuco quando Secretário-Geral, que empreendeu uma padronização de procedimentos e de equipamentos única no Brasil e quiçá no mundo. Essa uniformização abrangeu desde as formas de tramitação dos papéis, passando pelos modelos de expedientes, até todo o mobiliário das repartições na Secretaria de Estado e nas Embaixadas e Consulados pelo mundo afora.
Entretanto, com o traslado do Itamaraty para Brasília, muitas dessas peculiaridades iriam – involuntariamente – desaparecer, como veremos a seguir.
Início auspicioso ...
Ao aceitar, em outubro de 1969, o convite do Presidente Médici para ser Ministro das Relações Exteriores, o Embaixador Mario Gibson Barboza se comprometeu a transferi-lo para Brasília no mais curto prazo possível. Assim, em março de 1970, o Chanceler efetivou – com impecável eficiência – o traslado integral e definitivo do Itamaraty para Brasília.
É preciso esclarecer que, independentemente da vontade ou da relutância dos servidores do MRE em mudar-se do Rio de Janeiro para a nova capital, a forma pela qual funcionavam suas unidades operacionais impedia que essa transferência fosse sendo realizada por partes, como havia sido feito com outros Ministérios, inclusive os militares.
Foi feito meticuloso e complexo planejamento logístico, cuja eficácia ficou demonstrada pelo fato de que o expediente foi encerrado no Rio de Janeiro às 17hs de uma 6ª-feira e reaberto em Brasília às 09hs da seguinte 2ª-feira.
Outro aspecto emblemático das dificuldades que tiveram de ser superadas foi o transporte dos arquivos, inclusive os de documentos sigilosos. Cogitou-se de empregar um Hércules C-130 da FAB mas, por maior precaução, optou-se pela rodovia, em comboio com proteção armada do Exército Brasileiro. Finalmente, numa decisão que sem dúvida agradaria ao Barão, foi solicitado à Marinha do Brasil que provesse os efetivos necessários de Fuzileiros Navais para a guarda externa do novo Palácio Itamaraty.
Numa Casa onde a tradição e a inovação sempre foram características paradoxalmente de igual relevância, o Chanceler Gibson Barboza intuiu que se devia marcar com grande simbolismo essa transferência histórica. Com essa intenção obteve a aprovação do Presidente Médici para três iniciativas.
A primeira foi a criação do Dia do Diplomata, instituído no dia 20 de abril – data do nascimento do Barão do Rio Branco – pelo Decreto Nº 66.217, de 17/02/1970.
A segunda foi a primeira comemoração dessa data naquele mesmo ano de 1970 com a inauguração solene do novo Palácio Itamaraty em Brasília pelo Chefe de Estado.
Finalmente, a terceira foi a cerimônia, nesse mesmo dia, da primeira formatura de egressos do Instituto Rio Branco na nova sede do nosso Serviço Diplomático, ocasião em que o Presidente fez um longo pronunciamento sobre as diretrizes da Política Externa do Brasil.
... e fatores nocivos imprevisíveis
Quase imperceptivelmente, embora os valores éticos e diplomáticos não se alterassem com a mudança para Brasília, começou um processo de gradual inviabilização ou erosão de muitos aspectos que até então haviam assegurado a eficácia da seleção de candidatos, da qualidade do aprendizado informal e da exatidão na avaliação subjetiva do merecimento para promoções e lotação dos funcionários diplomáticos e administrativos. Apenas a título de exemplo, podem-se citar dois aspectos físicos. O primeiro surgia do fato de as novas instalações serem muito espaçosas, ficando muito além das necessidades imediatas, numa sensata previsão do crescimento do pessoal do MRE. O segundo decorria da circunstância de que não havia então na cidade, ainda pequena, o ambiente dos antigos restaurantes do Centro do Rio de Janeiro. Com esses dois óbices, foi logo desaparecendo o ambiente em que, na velha capital, se desenvolvia o aprendizado informal dos jovens herdeiros de Rio Branco.
Em suma, por esses e vários outros motivos, muitas das peculiaridades do nosso serviço diplomático não se coadunavam com certas características de Brasília, eram incompatíveis com o semi-árido do Planalto Central.
Conclusão
Fora do Serviço Diplomático, quase ninguém se dá conta de uma notável realidade histórica: durante todo o século XX, no âmbito mundial, a região com a menor ocorrência de conflitos armados entre lindeiros foi a América do Sul. A explicação para esse fenômeno não está no domínio misterioso de forças esotéricas. Na realidade, a atuação profissionalmente silenciosa dos diplomatas brasileiros – acompanhando diuturnamente a conjuntura, desativando conflitos em potencial, promovendo entendimentos e convergências – foi o principal fator da paz regional nesse último século.
Em todo esse período, sobressaem dois gigantes – o Barão do Rio Branco e o Embaixador Mario Gibson Barboza – os dois maiores Chanceleres que o Brasil teve até hoje !
Os que conhecem e estudam objetivamente o que ambos fizeram pelo Brasil e pela convivência pacífica entre as nações os reverenciam como numes tutelares da nossa Diplomacia. De outra parte, as inverdades e deturpações que um tendencioso revisionismo histórico procura difundir apenas confirmam a antiga máxima: “Há serviços tão grandes que só a ingratidão os pode pagar.”
Não obstante, subsiste a esperança nos jovens que ainda buscam a Carreira Diplomática e as Carreiras Militares movidos pela nobre vocação de servir à Pátria – acima de governos – seguindo o rumo legado por Caxias e Rio Branco.
A eles será dada a ventura de ver nossas Forças Armadas elevadas ao patamar de capacidade adequado para respaldar uma Diplomacia profissional na busca e na manutenção dos Objetivos Nacionais!
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