sábado, 12 de maio de 2012

A Função Social do Diplomata (social seria o termo?) - Paulo Roberto de Almeida


A Função Social do Diplomata (e outras questões paralelas)

Paulo Roberto de Almeida
Respostas as questões colocadas por estudante de RI.

1) Qual a função social de um diplomata?
PRA: Trata-se de um funcionário de Estado, com carreira determinada em lei, como outras carreiras de Estado, mas trabalhando diretamente sob a orientação dos governos que se sucedem no Executivo, com um monitoramento muito tênue e difuso por parte do Legislativo. O essencial das funções do diplomata consiste em estar apto a cumprir as determinações do governo em vigor na defesa, na representação e na negociação de temas de interesse do Brasil na frente externa, compreendendo relações bilaterais (com países, individualmente), regionais (com grupos de países ou blocos de comércio dos quais o Brasil faça parte, como o Mercosul, por exemplo) e multilaterais (ou seja, no quadro de organizações internacionais intergovernamentais (como a ONU e suas agências especializadas e outros órgãos internacionais).
Trata-se mais bem de funções estatais, do que propriamente sociais, ainda que as atividades de um diplomata possam envolver temas de interesse direto da sociedade civil, como no terreno do comércio exterior, por exemplo, ou a negociação de acordos que afetem as atividades econômicas, os intercâmbios globais e outros fluxos que interessam aos cidadãos e às empresas privadas.

2) Qual sua função social em seu país? E quando está em outro país?

PRA: No país, o diplomata trabalha basicamente no Ministério das Relações Exteriores, ainda que alguns possam ocasionalmente se desempenhar a convite ou sob designação em outros órgãos do Executivo (Presidência, ministérios setoriais, etc.), em outros poderes ou empresas da esfera estatal (geralmente em funções de assessoria internacional ou de protocolo). No MRE, o diplomata processa os expedientes (despachos telegráficos, telegramas recebidos, ofícios e outros tipos de comunicações) do próprio Ministério, dos organismos internacionais, ou de outras agências públicas, em todos os assuntos nos quais o MRE possui competência específica ou auxiliar. Ou seja, se trata de um burocrata especializado, com focos múltiplos em todos os temas das relações internacionais. Nesse âmbito, ele se desempenha no quadro de uma organização complexa, com múltiplas divisões temáticas (geográficas, políticas, econômicas, jurídicas, etc.) e diversas gradações hierárquicas, com os objetivos de processar as informações e demandas recebidas e de preparar instruções para as representações no exterior, com vistas à defesa dos interesses nacionais brasileiros no exterior.
Quando está no exterior, existem basicamente duas situações: em posto em alguma embaixada bilateral – junto ao governo do país em questão – ou em missão em delegação brasileira junto a organismo internacional (como a ONU, em Nova York e Genebra, suas agências espalhadas pelo mundo, ou sedes de organismos diversos dos quais o Brasil faça parte). Suas funções, nesses caso, são triplas: representação (do Brasil junto ao governo do país ou organização onde trabalha), informação (processada no local onde está e dirigida ao MRE em Brasília) e negociação (direta com o país, ou nas reuniões decisórias dos órgãos pertinentes).
Como em todos os outros casos, se trata de funções estatais, não diretamente sociais, embora elas possam afetar, como se disse, as atividades de agentes privados (indivíduos ou empresas). O diplomata, em princípio, não interage diretamente ou solicita instruções de agentes privados, mas cumpre funções e atividades determinadas pelo seu governo.

3) Um péssimo erro que pode ser cometido por um diplomata, do ponto de vista social.

PRA: O pior erro que possa ser cometido por um diplomata, no plano social, seria ignorar, por negligência ou descuido, determinados traços culturais ou religiosos do país no qual está lotado, causando com isso algum incidente que possa atentar contra usos e costumes locais, e chocar, portanto, a população do país em questão. Em alguns casos, pode ocorrer, também, infração a normas e preceitos do estatuto diplomático, ou seja, as convenções de Viena sobre relações diplomáticas e consulares, o que pode resultar em declaração de persona non grata – como alguém que fere leis locais – ou até expulsão (caso de diplomatas atuando como espiões, portanto ilegalmente). Neste último caso, não se trata tanto de “erro” do diplomata, mas de “funções” não declaradas, obviamente, por serem a rigor ilegais. O diplomata geralmente comete erros pessoais, mas governos dotados de serviços diplomáticos pouco preparados para as funções complexas da diplomacia contemporânea também podem induzir seus diplomatas a erros, como uma intervenção explícita nos assuntos internos do país onde ele está lotado (caso de grandes potências procurando “influenciar” a política de países menores) ou recusa ou reticência em aceitar conversas ou negociações em temas que interessem ao governo em causa.
Num plano estritamente pessoal, um diplomata pode cometer erros lamentáveis, como dirigir embriagado, e provocar acidentes, inclusive com morte de pessoas (o que já ocorreu em diversos casos), estacionamento irregular, comportamentos vexaminosos em público (como assédio sexual, por exemplo) e outros mais. Felizmente, são poucos os casos registrados nos anais da diplomacia desse tipo de incidente, uma vez que os diplomatas pertencem, geralmente, aos quadros da elite do país e sabem observar padrões aceitáveis de comportamento, inclusive com esmero e pleno respeito pelas instituições e normas culturais do país em que está lotado.

4) Se possível, alguma experiência, vivida ou presenciada, envolvendo o comprometimento social de um diplomata.

PRA: Já testemunhei casos de infração a normas de trânsito cometidas por diplomatas, felizmente sem gravidade, o que ensejou inclusive pagamento de multa, uma vez levantada a imunidade diplomática neste caso. Não vivi, ou presenciei, nenhuma outra experiência mais traumática, envolvendo problemas com diplomatas individualmente. Geralmente são pessoas discretas, com comportamento idem, mas podem ocorrer deslizes, também. Ficou na história o caso de um diplomata brasileiro que parece ter proferido palavras pouco elogiosas a respeito da União Soviética da era de Stalin, em 1948, ao que parece, de que resultou sua expulsão, o que pode ter sido um agravante na decisão brasileira de romper relações diplomáticas com aquele país (na verdade mais determinada pela postura fortemente anticomunista do governo Dutra).

Paulo Roberto de Almeida
Paris, 13 de maio de 2012

2 comentários:

  1. O agente político não tem função social, mas sim o órgão em que atua, portanto, a função social ao qual se refere diz respeito ao Ministério de Relações Exteriores.

    [Ver José dos Santos Carvalho Filho
    Celso Antonio Bandeira de melo
    Hely Lopes Meirelles
    Maria da Silva Zanella Di Pietro]

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  2. Leandro Pereira13/05/2012, 07:01

    Nossa! Eu quero o Sr.anônimo como professor! Quanta erudição...

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