A Função Social do Diplomata
(e outras questões paralelas)
Paulo Roberto de Almeida
Respostas
as questões colocadas por estudante de RI.
1) Qual a função social de um diplomata?
PRA: Trata-se de um
funcionário de Estado, com carreira determinada em lei, como outras carreiras
de Estado, mas trabalhando diretamente sob a orientação dos governos que se
sucedem no Executivo, com um monitoramento muito tênue e difuso por parte do
Legislativo. O essencial das funções do diplomata consiste em estar apto a
cumprir as determinações do governo em vigor na defesa, na representação e na
negociação de temas de interesse do Brasil na frente externa, compreendendo
relações bilaterais (com países, individualmente), regionais (com grupos de
países ou blocos de comércio dos quais o Brasil faça parte, como o Mercosul,
por exemplo) e multilaterais (ou seja, no quadro de organizações internacionais
intergovernamentais (como a ONU e suas agências especializadas e outros órgãos
internacionais).
Trata-se mais bem de
funções estatais, do que propriamente sociais, ainda que as atividades de um
diplomata possam envolver temas de interesse direto da sociedade civil, como no
terreno do comércio exterior, por exemplo, ou a negociação de acordos que afetem
as atividades econômicas, os intercâmbios globais e outros fluxos que
interessam aos cidadãos e às empresas privadas.
2) Qual sua função social em seu país? E quando está
em outro país?
PRA: No país, o diplomata
trabalha basicamente no Ministério das Relações Exteriores, ainda que alguns
possam ocasionalmente se desempenhar a convite ou sob designação em outros
órgãos do Executivo (Presidência, ministérios setoriais, etc.), em outros
poderes ou empresas da esfera estatal (geralmente em funções de assessoria
internacional ou de protocolo). No MRE, o diplomata processa os expedientes
(despachos telegráficos, telegramas recebidos, ofícios e outros tipos de
comunicações) do próprio Ministério, dos organismos internacionais, ou de
outras agências públicas, em todos os assuntos nos quais o MRE possui
competência específica ou auxiliar. Ou seja, se trata de um burocrata
especializado, com focos múltiplos em todos os temas das relações
internacionais. Nesse âmbito, ele se desempenha no quadro de uma organização
complexa, com múltiplas divisões temáticas (geográficas, políticas, econômicas,
jurídicas, etc.) e diversas gradações hierárquicas, com os objetivos de
processar as informações e demandas recebidas e de preparar instruções para as
representações no exterior, com vistas à defesa dos interesses nacionais
brasileiros no exterior.
Quando está no exterior,
existem basicamente duas situações: em posto em alguma embaixada bilateral –
junto ao governo do país em questão – ou em missão em delegação brasileira junto
a organismo internacional (como a ONU, em Nova York e Genebra, suas agências
espalhadas pelo mundo, ou sedes de organismos diversos dos quais o Brasil faça
parte). Suas funções, nesses caso, são triplas: representação (do Brasil junto
ao governo do país ou organização onde trabalha), informação (processada no
local onde está e dirigida ao MRE em Brasília) e negociação (direta com o país,
ou nas reuniões decisórias dos órgãos pertinentes).
Como em todos os outros
casos, se trata de funções estatais, não diretamente sociais, embora elas
possam afetar, como se disse, as atividades de agentes privados (indivíduos ou
empresas). O diplomata, em princípio, não interage diretamente ou solicita
instruções de agentes privados, mas cumpre funções e atividades determinadas
pelo seu governo.
3) Um péssimo erro que pode ser cometido por um
diplomata, do ponto de vista social.
PRA: O pior erro que possa
ser cometido por um diplomata, no plano social, seria ignorar, por negligência
ou descuido, determinados traços culturais ou religiosos do país no qual está
lotado, causando com isso algum incidente que possa atentar contra usos e
costumes locais, e chocar, portanto, a população do país em questão. Em alguns
casos, pode ocorrer, também, infração a normas e preceitos do estatuto
diplomático, ou seja, as convenções de Viena sobre relações diplomáticas e
consulares, o que pode resultar em declaração de persona non grata – como
alguém que fere leis locais – ou até expulsão (caso de diplomatas atuando como
espiões, portanto ilegalmente). Neste último caso, não se trata tanto de “erro”
do diplomata, mas de “funções” não declaradas, obviamente, por serem a rigor
ilegais. O diplomata geralmente comete erros pessoais, mas governos dotados de
serviços diplomáticos pouco preparados para as funções complexas da diplomacia
contemporânea também podem induzir seus diplomatas a erros, como uma
intervenção explícita nos assuntos internos do país onde ele está lotado (caso
de grandes potências procurando “influenciar” a política de países menores) ou
recusa ou reticência em aceitar conversas ou negociações em temas que
interessem ao governo em causa.
Num plano estritamente
pessoal, um diplomata pode cometer erros lamentáveis, como dirigir embriagado,
e provocar acidentes, inclusive com morte de pessoas (o que já ocorreu em
diversos casos), estacionamento irregular, comportamentos vexaminosos em
público (como assédio sexual, por exemplo) e outros mais. Felizmente, são
poucos os casos registrados nos anais da diplomacia desse tipo de incidente,
uma vez que os diplomatas pertencem, geralmente, aos quadros da elite do país e
sabem observar padrões aceitáveis de comportamento, inclusive com esmero e
pleno respeito pelas instituições e normas culturais do país em que está
lotado.
4) Se possível, alguma experiência, vivida ou
presenciada, envolvendo o comprometimento social de um diplomata.
PRA: Já testemunhei casos
de infração a normas de trânsito cometidas por diplomatas, felizmente sem
gravidade, o que ensejou inclusive pagamento de multa, uma vez levantada a
imunidade diplomática neste caso. Não vivi, ou presenciei, nenhuma outra experiência
mais traumática, envolvendo problemas com diplomatas individualmente.
Geralmente são pessoas discretas, com comportamento idem, mas podem ocorrer
deslizes, também. Ficou na história o caso de um diplomata brasileiro que
parece ter proferido palavras pouco elogiosas a respeito da União Soviética da
era de Stalin, em 1948, ao que parece, de que resultou sua expulsão, o que pode
ter sido um agravante na decisão brasileira de romper relações diplomáticas com
aquele país (na verdade mais determinada pela postura fortemente anticomunista
do governo Dutra).
Paulo Roberto de Almeida
Paris, 13 de maio de 2012