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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Reflexões ao léu, 7: A Pequena Estratégia do Brasil


Reflexões ao léu, 7: A Pequena Estratégia do Brasil

Paulo Roberto de Almeida

Andava com saudades de minhas “reflexões ao léu”, e com razão. De janeiro a março de 2011, como se pode constatar pela lista imediatamente a seguir, eu elaborei uma série de reflexões pouco refletidas, seis ao todo, que se destinavam apenas a impedir que ideias esparsas, que de vez em quando “pousam” na minha cabeça, ou “passam” pelo meu cérebro, se perdessem na imensidão conectiva dos neurônios não utilizados ou na vastidão dos espaços em branco do meu cérebro. Geralmente são frases, ou matérias inteiras, que eu leio na internet, que anoto eventualmente em um dos meus Moleskines de algibeira, mas que depois não servem para mais nada, a não ser, justamente, para esses pequenos textos que insistem em pulular na minha frente, mesmo quando tenho milhares de outras coisas para fazer, a começar pela leitura de coisas mais sérias, e pela escrita de ensaios idem. Em todo caso, esses foram, com seus respectivos links para leitura, os seis “exemplares” precedentes desta série, que ficou incompleta, desde mais de um ano:

2235. “Reflexões ao léu, 1: Fukuyama, ‘marxista’, detestado pelos ‘marxistas’”, Uberlândia, 6 de janeiro de 2011, 2 p. Primeiro de uma série, sobre temas diversos, classificando os “marxistas” que detestam Fukuyama de ingratos. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/01/reflexoes-ao-leu-1-fukuyama-marxista.html).
2246. “Reflexões ao léu, 2: sobre as revoltas nos países islâmicos”, Brasília, 20 fevereiro 2011, 4 p. Reflexões sobre as mudanças em curso. Postado no Blog Diplomatizzando  (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/reflexoes-ao-leu-2-sobre-as-revoltas.html ).
2248. “Reflexões ao léu, 3: Diplomacia comercial brasileira”, Brasília, 24 Fevereiro 2011, 2 p. Com a implosão da Alca, evitou-se a “destruição” da indústria brasileira, para vê-la ameaçada pela concorrência chinesa. Postado no Blog Diplomatizzando  (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/reflexoes-ao-leu-3-diplomacia-comercial.html).
2249. “Reflexões ao léu, 4: o Brasil a caminho de novo desastre econômico”, Brasília, 27 Fevereiro 2011, 2 p. Sobre o crescimento da dívida pública patrocinada pelo governo. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/brasil-caminho-de-novo-desastre.html).
2252. “Reflexões ao Léu, 5: Livros e leituras...”, Brasília, 8 Março 2011, 2 p. Quantos livros poderei ler em minha vida: cerca de 5 a 6 mil, no máximo. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-5-livros-e-leituras.html).
2253. “Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil”, Brasília, 9 Março 2011, 2 p. Uma estratégia aparente, mas que não vem sendo implementada nos últimos tempos. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-6-grande-estrategia-do.html).

Pois bem, e por que retomo agora a produção seriada, depois de mais de um ano de interrupção? Apenas porque acabo de concluir uma apresentação que devo fazer na Maison de l’Amérique Latine, terça-feira próxima, 22 de maio, aqui em Paris, para um público que ainda desconheço quem seja – mas certamente será uma audiência rarefeita – a convite de seu diretor, Alain Rouquié, ex-embaixador da França em Brasília, grande conhecedor de nossa história política, do Brasil e da região, que ele já teve a imaginação de chamar de “Occident Extrême”, o que não deixa de ser uma bonne trouvaille...
O tema que ele sugeriu foi este: Rio Branco et la diplomatie brésilienne, d’hier et d’aujourd'hui”, que eu preparei sob forma de apresentação em 25 slides (disponíveis no DropBox: http://dl.dropbox.com/u/4764310/2393RioBrancoMaisAmerLat.pptx). Ao preparar essa palestra, fui naturalmente levado a tratar da estratégia do Barão, em sua época, e a refletir sobre o que ele faria atualmente, se vivo fosse, e encarregado, como se esperaria, das relações exteriores do Brasil. Negligenciando o fato de que ele, quando vivo, já era quase um santo protetor da diplomacia brasileira, uma personalidade incontrastável, incontestável, o “dono” da política internacional do Brasil, além e acima de qualquer presidente, pode-se imaginar que ele atuaria segundo as instruções do presidente de turno, mas com certa latitude de ação, em vista de sua reconhecida competência para certos temas. Mas, vamos imaginar que ele apenas atuaria como um chanceler qualquer, em face dos mesmos desafios ou agendas, que se colocariam a um chanceler, hoje, nas circunstâncias atuais do Brasil, país que deixou de ser simplesmente em desenvolvimento, e um instável crônico na América Latina, para se tornar um “emergente”, um país dotado de pretensões a ter uma influência regional e global. Pois bem, com base nessas premissas, vamos à estratégia do Brasil que eu chamei de pequena.

A primeira estratégia pequena do Brasil, na verdade mesquinha, seria a de ter exibido, durante os oito anos da doutrina do “nunca antes neste país”, uma orientação de política externa não exatamente nacional, mas mais propriamente partidária, para não dizer sectária. Quando o Barão foi convidado para ser chanceler, cargo que ele ensaiou recusar, seja por motivos de saúde, de dinheiro ou qualquer outro, a primeira coisa que ele adiantou era a de que não vinha servir a qualquer partido, a qualquer causa política, mas ao Brasil, em benefício da nação e de seu prestígio na região e no mundo.
Cem anos depois, parece que tivemos não apenas uma diplomacia estreitamente partidária, mas até um chanceler que, talvez insatisfeito por ser “apenas” diplomata, resolveu se inscrever num partido, ou melhor, no partido do poder, o que aparentemente nunca lhe foi exigido como chanceler ou como funcionário de Estado. Mas, como defensor de um governo partidário, ele resolveu se filiar a esse partido. Como todo militante desse partido, como naquelas agrupações religiosas que exigem o dízimo, tem de contribuir com sua cota de boa vontade financeira, o mesmo chanceler escolheu ser conselheiro de algumas coisas, para arredondar o salário, já que o Brasil é hoje um país caro (talvez em função de algumas políticas de pequena estratégia que o mesmo partido aplica). O Barão, provavelmente, desprezaria gestos como esse.

A segunda estratégia pequena que o Barão lamentaria, se hoje contemplasse a diplomacia dos oito anos do “nunca antes”, seria justamente essa tal de “diplomacia Sul-Sul”. O Barão nunca compreenderia, e nunca admitiria, como se consegue ser tão reducionista, tão simplista, tão estreito geograficamente nas escolhas de relacionamento internacional, ele que sempre se bateu para equilibrar as relações do Brasil entre a velha Europa, os EUA emergentes, e a América do Sul, todos tão presentes em nossas relações imediatas. A despeito dessa “aliança não escrita” com os EUA, de que falam alguns acadêmicos, o Barão, na verdade, nunca se deixou prender, ou enredar, numa relação exclusiva, ou privilegiada, com qualquer sócio maior, mas procurava sempre manter equidistância dos grandes centros de poder, das velhas potências coloniais – mas ainda agressivamente imperialistas – e da nova potência que despontava no hemisfério – e já agressivamente imperialista, precisamente. Menos ainda ele compreenderia que o Brasil só tivesse olhos para o seu entorno imediato – claro, porque a África não “existia”, dominada que era pela Europa, e que a Ásia também se debatia na colonização direta e indireta das mesmas potências – e descurasse por completo das relações com aqueles que eram nossos principais mercados e fornecedores de capitais. Ele sorriria com certa complacência antes essas propostas de “nova geografia comercial internacional”, sabedor que, em matéria de comércio, toda e qualquer geografia é boa, desde que se consiga realizar todos os intercâmbios, nos dois sentidos, que interessariam ao Brasil.

Justamente, mesmo se ele tivesse de administrar uma “estratégia Sul-Sul” para o Brasil – fatalidade lamentável que ele certamente se escusaria por completo de iniciar – ele jamais se permitiria ser complacente, leniente, inconsequente ou descuidado em relação aos direitos do Brasil. Ele jamais permitiria, por exemplo, que tripudiassem injustamente sobre nossas exportações – como infelizmente ocorre muito frequentemente com certo vizinho arrogante – ou que, ao arrepio de tratados bilaterais e de contratos internacionais, outros vizinhos inconsequentes invadissem nossas propriedades legítimas para esbulhar-nos de nossos direitos, rasgando unilateralmente compromissos que tinham sido solenemente contraídos anteriormente. Por muito menos ele fez deslocar tropas para proteger nacionais ameaçados de maus tratos; ainda que não fosse o caso de fazê-lo em todas as circunstâncias, o Barão certamente teria sido bem mais vigoroso na reação a certos atos de expropriação ilegal. Por exemplo: ainda que confrontado a uma declaração inevitável de expropriação de bens nacionais, ele JAMAIS assinaria uma nota na qual se reconhecia o direito soberano de outro país de, sem a cortesia de sequer um alerta preliminar, expropriar sem negociações ou consulta prévia propriedades nacionais, em total desrespeito às normas do direito internacional e à letra de tratados que constituíam obrigações para as duas partes. Ele certamente consideraria certas atitudes registradas nesses tempos caóticos de diplomacia confusa não só como marcas de uma pequena estratégia, mas como uma demonstração cabal de uma estratégia vergonhosa.

A mais forte razão, o Barão se guardaria escrupulosamente, e faria com que o seu presidente também observasse esse tipo de recato, de jamais interferir nos assuntos políticos internos de outros países, seja demonstrando apoios eleitorais indevidos, seja adiantando preferências ideológicas ou ainda rompendo normas e costumes de direito internacional e de relações diplomáticas. A melhor forma de manter boas relações com quaisquer vizinhos – mesmo os mais turbulentos – e com todo e qualquer país da comunidade internacional é manter reserva total quanto aos assuntos internos desses outros países, mesmo quando se possa, em privado, manter preferência por um outro personagem da vida política que possa ter influência nas relações com o Brasil. Expressar publicamente interesse nesse tipo de assunto é a mais pequena estratégia que o Barão poderia conceber, e isso ele deixou registrado em vários escritos públicos.

Finalmente, o Barão tampouco consentiria em dividir o processo de tomada de decisão em múltiplas cabeças, em fracionar o comando da diplomacia em diversos centros independentes de formulação e de execução de uma política nacional, como deve ser a política internacional de um país. Consciente, provavelmente, de que a política externa é uma espécie de política interna por outros meios, e sabedor de que a diplomacia, como a arte da guerra, exige unidade de formulação, de decisão e de implementação das ações requeridas, ele obstaria por completo a qualquer fragmentação da atuação diplomática do Brasil em unidades separadas de atuação. Já ao assumir a chefia do Ministério, e confrontando-se com a provecta figura de Cabo Frio, ele apressou-se em inaugurar um busto em homenagem a essa magnífica figura do Império, como forma de afastá-lo dos assuntos correntes, encaminhando-o a uma merecida aposentadoria que ainda tardou a acontecer. Independentemente desses dissabores, ele jamais consentiria, por exemplo, que dirigentes partidários, representantes de interesses especiais, neófitos palacianos ou quaisquer outros aprendizes de diplomatas lhe viessem sugerir esta ou aquela política em matérias que fossem de sua competência exclusiva. Como “general” da diplomacia, ele sabia que comando não se divide: ou se assume, ou se assiste a confusão predominar em temas que têm a ver com a segurança nacional.

Enfim, falamos da “pequena estratégia” que o Barão não teria, e não poderia ter, para as relações internacionais do Brasil, cem anos depois de sua morte, se por acaso voltasse ao nosso convívio; faltou falar, positivamente, da grande estratégia que ele poderia exibir na atualidade. Mas isso fica para uma outra ocasião...

Paris, 2394: 18 Maio 2012

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