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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Reflexões ao Léu: A Grande Estratégia do Brasil (2011) - Paulo Roberto de Almeida

 Reflexões ao Léu: A Grande Estratégia do Brasil

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 9 de março de 2011

 

O Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.

Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.

Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias não dificultem o atingimento das metas nacionais.

 

Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.

 

Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contraprodutiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pelos primeiros passos, parece que começamos a retificar equívocos do passado recente e a enveredar por um caminho mais adequado e mais conforme a nossas velhas tradições diplomáticas.

 

Brasília, 9 de março de 2011; já divulgado no blog Diplomatizzando(http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-6-grande-estrategia-do.html).

 

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A PEI, para neófitos e distraídos - Paulo Roberto de Almeida

Minha pequena reflexão histórica sobre a assim chamada Política Externa Independente (muito oversold, é verdade, na literatura acadêmica a respeito).
Estes comentários foram suscitados pela sucessão inacreditável de 15 twites ofensivos à PEI e a San Tiago Dantas, que transcrevi mais abaixo; ver aqui:  
https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/10/san-tiago-dantas-e-pei-segundo-o-atual.html


A PEI sempre foi a base de TODA a política externa brasileira desde a segunda metade do governo JK, sob a condução básica do Itamaraty, com subsídios eventuais de assessores presidenciais, como Augusto Frederico Schmidt, no caso da OPA, Operação Pan-Americana.
Ocorre que ela não tinha essa designação, que foi a grande sacada do Afonso Arinos ao ser convidado por Jânio para ser um chanceler inovador, o que ele foi (leiam seu segundo volume de memórias: Planalto).
Foi inteiramente preservada por San Tiago Dantas no primeiro gabinete parlamentarista de Goulart, e invariavelmente desde então, sem grandes mudanças, mas com pequenos ajustes sob Castelo Branco, Medici, Collor e FHC (por necessidades circunstanciais), e mesmo por Lula, que a distorceu bastante, para apoiar execráveis ditaduras de esquerda.
A PEI sempre guiou os passos de gerações de diplomatas brasileiros, e não poderia ser de outro modo, dada nossa formação. 
A ideologia do Itamaraty, desde os anos 1950, é invariavelmente desenvolvimentista com autonomia nacional, ou seja, defesa intransigente da soberania, nacionalismo, protecionismo, políticas de construção do poder nacional, dentro do multilateralismo onusiano, hoje estupidamente rejeitado por alguns malucos que tomaram conta do Itamaraty, para vergonha da quase totalidade dos diplomatas.
Os militares foram defensores entusiastas da PEI, embora sem o reconhecer. Pode-se dizer que a diplomacia da dupla Geisel-Silveirinha foi um “exagero” de PEI, tanto que os EUA denunciavam os “barbudinhos” do Itamaraty. Política externa subserviente em relação aos EUA só tivemos em alguns poucos episódios localizados do governo Dutra e ainda assim combatida por Oswaldo Aranha, representante na ONU. Até mesmo o governo constitucional de Vargas (951-54) assinou um acordo de assistência militar com os EUA, em 1952, combatido pela esquerda.
Só Bolsonaro-Araújo nos levaram a essa vergonha de sermos capachos dos EUA, algo que escandaliza 99,99% dos diplomatas.


Mais um pouco de PEI, para curiosos, neófitos e alguns poucos ignorantes, que acham positiva a atual política externa subserviente, míope e destrambelhada do olavo-bolsonarismo inepto:

Passado o governo Castelo Branco, que só foi alinhado na cabeça de acadêmicos e opositores políticos (teve o episódio da República Dominicana, que foi apenas um pequeno “pedágio” numa trajetória basicamente correta, dentro das circunstâncias), mas que se manteve na mesma linha dos governos Vargas (51-54) e JK, a partir do governo Costa e Silva a diplomacia brasileira retomou INTEIRAMENTE e INTEGRALMENTE as bases da PEI, sem o nome e de forma discreta.
O chanceler era o Magalhães Pinto, ou seja, um inepto em política externa, e o SG era o embaixador Sergio Corrêa da Costa: imediatamente o governo RECUSOU e denunciou o TNP, como iníquo e discriminatório, denunciou a hipocrisia comercial americana, na questão das sobretaxas ilegais a café solúvel e calçados e voltou totalmente à postura unctadiana da origem. 
Moniz Bandeira explica o crescimento das contradições Brasil-EUA no seu livro de história diplomática Rivalidade Emergente.
Mesmo o “neoliberal” Collor nunca foi alinhado, como agora está ocorrendo de forma vergonhosa sob o escandaloso governo atual.

FHC abandonou (mas só parcialmente) o contemplativo terceiro-mundismo que vigorava no Itamaraty, mais por inércia do que por decisão refletida, e corajosamente aderiu ao TNP e ao MTCR (busquem na Wikipedia). Depois do alinhamento bolivariano do governo Lula (mais do Palácio do Planalto do que do Itamaraty), a nossa política externa retomou inteiramente as bases da PEI, só rejeitada explicitamente agora, com os aloprados da Bolsodiplomacia, para desgosto da quase totalidade da Casa.
Como o Itamaraty é muito disciplinado (tanto porque todos os diplomatas dependem do Gabinete do chanceler acidental, menos eu), ninguém de dentro ousa criticar as loucuras que estão sendo perpetradas em nome do Brasil.
Um dia isso acaba.

Paulo Roberto de Almeida
Poços de Caldas, 25/10/2019

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Diplomatas que pensam: qual é a nossa função? - Paulo Roberto de Almeida


Diplomatas que pensam: qual é a nossa função?

Paulo Roberto de Almeida (org.)
 [Reflexão sobre uma suposta “missão”; finalidade: auto-esclarecimento]

A pergunta da segunda parte do título, depois dos dois pontos, está obviamente relacionada à primeira parte: diplomatas que pensam. Como isso? Existem diplomatas que não pensam? Todo ser humano pensa, por definição cartesiana. Minha categoria dos “que pensam” tem, no entanto, sua razão de ser: como em toda carreira, profissão, ocupação, trabalho ou emprego, existem aqueles que desempenham mecanicamente suas funções, por necessidades, digamos assim, alimentares e de sobrevivência, que levam a vida como ela é, acompanhando pachorrentamente o ritmo das atividades gerais de sua comunidade de inserção, e existem aqueles que, ademais de se desincumbirem das tarefas às quais estão assignados (para ganharem um salário, para sustentarem a família, para satisfação e consumo próprios), também pensam um pouco além de sua profissão ou ocupação imediata. Eles pensam no significado de suas atividades, para si mesmos e para os outros, e concebem novas formas de desempenharem essas mesmas atividades, ou de introduzir novos métodos de trabalho que representam, de modo geral, um progresso (material ou intelectual) sobre o estado da arte existente.
Pois bem, este meu texto está voltado unicamente para esta segunda categoria, que se enquadra no conceito geral de “produtividade do trabalho humano”, na qual eu mesmo espero estar enquadrado. Produtividade, sendo muito rudimentar, é tudo aquilo que melhora, ou aumenta, a oferta da produção existente, com os mesmos recursos ou volume de insumos disponíveis, ou que produz a mesma quantidade de produtos com um volume menor de trabalho mecânico. A isso se dá também o nome de inteligência.
As funções dos diplomatas todo mundo sabe quais são. Grosseiramente, são três, resumidas em três verbos: informar, representar, negociar. Mas tudo isso pode ser feito de maneira mecânica: lendo os jornais do dia, se informando pelos canais disponíveis, e resumindo tudo isso para os chefes ou para a instituição, em bases correntes, ou seja, conjunturais; fazendo o trabalho de intermediação entre duas chancelarias, pelos meios burocráticos normais, os mais costumeiros e frequentes, ou outros informais (coquetéis, jantares, encontros); e comparecendo a reuniões formais, ali defendendo as instruções recebidas de sua secretaria de Estado. Estes são os diplomatas normais; os “anormais” (ou diferentes) são aqueles que, além disso, vão um pouco à frente, ao lado, ou mais adiante do que normalmente se espera deles: saem do conjuntural para o sistêmico, e buscam os fundamentos de suas ações; não informam apenas o que está se passando, mas se permitem explorar novas vias de conhecimento, inclusive em direção do passado, das memórias de tempos pretéritos, ou em novos caminhos ainda ignotos da maior parte dos colegas; sugerem, ou até criam, novas instruções, para resolver alguns problemas mais complexos do que o trivial costumeiro. Inovar tem o seu preço, que é o de romper hábitos arraigados e a segurança do déjà vu, a que estão acostumados a maioria das pessoas, talvez 99% da humanidade (exagero?).
Pois bem, uma segunda vez: meu texto está unicamente voltado para esta categoria de diplomatas, que pode ser (e costuma ser) uma minoria, e portanto sujeita à chamada “tirania da maioria”, de que falava Tocqueville (em outro sentido). Não importa muito: isso vale não só para os diplomatas, mas para todo mundo. Progressos da comunidade humana são impulsionados por aqueles que passam as noites nos laboratórios, lendo livros, imaginando coisas fora do comum, refletindo sobre como desempenhar suas atividades correntes de outra forma, mais cômoda, mais produtiva, mais imaginativa, fácil ou agradável; ou para responder a desafios terríveis: epidemias, catástrofes, trabalho penoso, carência de bens ou serviços para necessidades especiais, o que seja. Na vida diplomática, significa fazer com que seu país se adapte à dinâmica absolutamente impessoal, incontrolável, anárquica, com efeitos positivos e negativos ao mesmo tempo, decorrente do fluxo contínuo de interações humanas, sociais, “naturais”.
Vou ser mais claro: globalização não é de hoje, sempre existiu, sob diferentes formas. Ela geralmente se processa no plano micro: micro-social, microeconômico, micro-político, ou seja, no das relações humanas, em pequenas ou grandes sociedades. Ninguém controla esse conjunto de fluxos, que se processam espontaneamente, ou de modo deliberado, mas que respondem a necessidades naturais, a desejos humanos, à vontade das pessoas de terem segurança, bem-estar, riqueza, importância ou prestígio. São os governos os que tentam colocar em “ordem” essas interações e, ao fazê-lo, geralmente colocam um freio, ou impõem custos, a essas interações: por meio de impostos, tarifas, regulações, que dizem (ou pelo menos tentam dizer) o que os indivíduos ou as empresas podem, ou não, fazer. Governos, estados, são inerentemente antiglobalizadores, restritivos, cerceadores das liberdades humanas. Mas, num mundo babélico, entregue a nacionalismos estéreis, redutores, e até destruidores, se entende que elites dirigentes, governantes ou dominantes tentem colocar ordem em certos fluxos ou interações que podem se revelar temporariamente perturbadores da ordem existente.
Pois bem, uma terceira vez: o que os diplomatas que pensam têm a ver com tudo isso? Venho agora à segunda parte do título. Qual seria a nossa missão (já que estou me colocando entre os diplomatas que pensam)? Penso (ah, Descartes) que elas são de duas naturezas: uma didática, a outra facilitadora das interações humanas, sociais, ou seja, da globalização (que para mim é algo como a força dos ventos ou os fluxos das marés: eles existem, independentemente da nossa vontade, ou do cerceamento dos governos).
A didática é a de explicar para nossos concidadãos (mas não só eles) a natureza exata de nossa atividade, numa esfera que foge à compreensão e ao alcance da maioria das pessoas (que costuma viver em seu ambiente natural, local ou nacional). Mas ela é também dirigida aos nossos dirigentes, às elites que nos governam, que não são, longe disso, as mais esclarecidas possíveis. Políticos, em geral, são seres que vivem num mundo à parte, feito da reprodução de sua própria esfera de atividade: se eleger, se reeleger, e assim continuamente, constituindo uma classe em si e para si, no sentido hegeliano do conceito. Eles não têm tempo, disposição ou interesse para se informar sobre realidades mais complexas, e todas as realidades internacionais são sempre mais complexas do que as locais ou nacionais, nas quais vivem as pessoas, usualmente.
O diplomata que pensa precisa desfazer preconceitos (ideias pré-concebidas, geralmente erradas, ou limitadas), insuficiência de conhecimento, desconhecimento de línguas, falta de expertise no tratamento de realidades externas que povoam as mentes dos políticos que nos governam. Sua primeira tarefa é a de instruir, educar, o chefe da chancelaria, que pode não ser (geralmente não é) um ser semelhante, ou seja, um diplomata já instruído, formado, treinado para justamente tratar de questões que estão acima, ou ao lado, das preocupações imediatas dos dirigentes (que é o seu eleitorado, digamos assim). Essa é uma função importante: não se dobrar, de modo submisso, à ignorância, preconceitos e interesses imediatos dos políticos que podem pretender dominar também a esfera das relações exteriores da nação.
Junto com isso vem a função didática mais ampla, mais geral, que é (ou seria) a de explicar à sociedade, inclusive à comunidade dos acadêmicos, não só a natureza das ações do Estado a que servem, mas de justificar a tomada de certas posições e não de outras, que podem eventualmente desfrutar de maior apelo popular. Por exemplo: todo economista sensato, racional, deveria ser a favor do livre comércio, pois é a única forma eficiente de trazer mais prosperidade para o conjunto da humanidade, qualquer que seja ela, da tribo mais primitiva às sociedades mais avançadas. Que alguns economistas não o sejam, não importa, pois estes não são racionais, ou eles não conseguem explicar, com evidências empíricas, como o livre comércio seria prejudicial à sua própria sociedade.  Pois bem (uma quarta vez), todo político sensato diz que é favor do livre comércio, mas de fato persegue formas diversas de protecionismo, por simples razão de sobrevivência no voto dos seus “constituintes”, aqueles que podem perder o emprego pela competição da produção estrangeira. A concorrência, em qualquer plano no qual ela se dê, é sempre uma ameaça aos espíritos acomodados, aos hábitos arraigados, aos conservadores.
Sendo perfeitamente (em duplo sentido) didáticos, em nossa primeira função, poderemos viabilizar igualmente a segunda função, que seria a de facilitar, estimular as interações humanas e sociais, contribuir para a prosperidade do seu próprio povo e a de todos os demais. Todo os diplomatas – ou os que pensam – estão de acordo com minha definição de funções, que me parece ser também uma obrigação dos que pensam? Pois bem: o que estamos esperando para fazer aquilo que é a obrigação dos que pensam: ensinar e facilitar ações de maior volume possível de interações sociais, internacionais?
Digo isto, porque tenho encontrado mais burocracia do que didatismo entre os diplomatas, e pouco sentido de missão (acima do trivial costumeiro) no trabalho que desempenhamos. Tenho encontrado mais submissão do que inovação, mais repetição mecânica do déjà vu do que propostas em ruptura com o costumeiro, mais conformismo do que rebeldia (que é a base de todo progresso humano e social). Por falta de didatismo (que significa primeiro aprender por si mesmo, antes de ensinar aos outros) temos talvez incorrido em equívocos fundamentais, que perpetuam o atraso relativo do país, nossa fraca inserção internacional (que considero um erro extremamente grave, prejudicial ao nosso futuro), e que podem até ter feito o país retroceder no conjunto de comunidades humanas que se arrastam (por vezes penosamente) em direção a mais prosperidade e bem-estar, a despeito de todos os entraves colocados pelas burocracias nacionais (e seus políticos respectivos) a maiores fluxos livres de interações de todos os tipos entre os indivíduos e as comunidades que compõem a humanidade.
Por conformismo, temos colaborado muito pouco com as marés da globalização, com os ventos incontroláveis das interações humanas, lutando em primeiro lugar contra a mentalidade tacanha dos introvertidos, dos protecionistas, dos regulacionistas puros, daqueles que pretendem nos levar aos extremos do corporatismo sob o qual já vivemos (que também significa um pouco de fascismo mental). Os diplomatas que pensam poderiam, ao menos, pensar um pouco nisso, nessa nossa missão...

Brasília, 11 de fevereiro de 2017

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Reflexoes ao leu: as tarefas da resistencia democratica, entre 2014 e 2018 - Paulo Roberto de Almeida

Reflexoes esparsas, manifestadas a dois correspondentes de uma postagem anterior neste blog, e que tinha a ver com a situação atual do Brasil:

Países e sociedades são contraditórios, erráticos, equivocados e ingênuos quanto ao itinerário que devem seguir nas políticas mais apropriadas para combinar o máximo de prosperidade com o máximo de liberdade.
O caminho da primeira, a prosperidade, pode parecer mais rápido com um pouco de autoritarismo e foi o que tivemos durante a ditadura militar.
O caminho da segunda, a liberdade, pode nos conduzir a mais inflação e desorganização da vida nacional, e foi o que tivemos na "nova República".
Estamos sempre tentando, mas não somos melhores do que outros povos, que também enfrentaram frustrações e recuos.
Eu não penso nos casos de sucessos, em geral dos países anglossaxões, que souberam combinar liberdades com desenvolvimento, por um conjunto feliz de características e circunstâncias, mas nem os EUA, o país mais bem sucedido em toda a história da humanidade, escapou de uma terrível guerra civil, e de outros horrores menores, por envolvimento em guerras e guerrilhas aqui e ali.
Penso nos casos de desastres totais, como alguma recuperação posterior, em sempre bem acabada: a China decaiu por mais de dois séculos, até se recuperar no caminho da prosperidade, mas permanece uma autocracia como foi durante toda a sua história, uma tirania de imperadores e agora de mandarins do PCC.
A Grã-Bretanha decaiu durante bastante tempo, até se recuperar parcialmente com uma estadista corajosa, que soube enfrentar as máfias sindicais.
A Argentina, infelizmente, continua a decair, pois continua a ser dominada pelas máfias sindicais e partidarias do peronismo criminosos. Nós estamos provavelmente nesta última trajetória, mas nosso peronismo não tem nem doutrina, é pura máfia.
Não acredito em projeto nacional, isso é coisa de engenheiros sociais, que acham que podem reformar a sociedade segundo projeto pré-fabricados. Isso não existe.
Existe a obra de estadistas de valor, ou na falta deles, de cidadãos conscientes do que deve ser feito, e acredito que estejamos chegando perto dessa fase.
Convêm persistir na resistência democrática, e continuar a luta, mesmo num quilombo de resistência intelectual.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 5/11/2014

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Toda a Gália está ocupada! Toda? Não! Uma pequena aldeia resiste ainda... - Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão do momento, uma confirmação do compromisso com um projeto de vida.


Toda a Gália está ocupada! Toda?
Não! Uma pequena aldeia resiste ainda...

Paulo Roberto de Almeida

Nous sommes en 50 avant Jésus-Christ ; toute la Gaule est occupée par les Romains… Toute ? Non ! Car un village peuplé d’irréductibles Gaulois résiste encore et toujours à l’envahisseur. Et la vie n’est pas facile pour les garnisons de légionnaires romains…

No Prefácio com o qual ele distinguiu meu livro Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais, o embaixador Rubens Barbosa começa exatamente por essas palavras: “Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma pequena aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste bravamente ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos...”. Ele continua dizendo que eu não sou exatamente um “asterisco” na bibliografia brasileira de relações internacionais e de política externa, dado o acúmulo de obras já produzidas nessas áreas, e que tampouco me pareço com Obelix, embora eu costume arremessar menires intelectuais contra os acadêmicos ingênuos que interpretam o mundo através de seus livros.
Com efeito, creio poder orgulhar-me de uma boa contribuição para a literatura especializada nesses campos que constituem minha especialidade de pesquisa e de produção de trabalhos acadêmicos, ademais de participar do debate intelectual nessas e em outras áreas de relevante interesse público para o Brasil. Mas o fato é que, nos últimos dois meses, pelo menos, eu tinha deixado de lado essa produção voltada para estudos mais estruturais, ou de natureza mais analítica, passando a ocupar-me de pequenos textos de intervenção na realidade política do país, em compasso com a conjuntura eleitoral. Até cheguei a inverter uma antiga resistência a certas ferramentas de comunicação social, como o Facebook, por exemplo – que considero, acertadamente, como um grande “perdedor de tempo”, o precioso e extremamente exíguo tempo de que disponho para ler e escrever – para participar mais ativamente do debate político que incendiou o país em torno de dois projetos de nação.
A questão agora não é tanto pessoal – embora eu tenha que confirmar um novo retraimento nos estudos de maior profundidade, em lugar da dispersão em textos curtos de intervenção no debate político – quanto ela é, justamente, de natureza social, mais especificamente, no caso presente, de ordem intelectual grupal. Aparentemente, o Brasil se encontra dividido em quase duas metades simétricas, não exatamente opostas no plano das políticas públicas – uma vez que ambos tendem a confirmar o papel bastante preponderante do Estado no encaminhamento dos principais problemas nacionais – quanto elas o são no que respeita as filosofias que subjazem aos programas de governo das duas coligações que se digladiaram nas eleições presidenciais de 2014. As pessoas, como eu, mais identificadas com a preeminência do indivíduo sobre o Estado, com os terrenos das liberdades individuais e das iniciativas privadas, como forma de superar os graves problemas de desenvolvimento econômico e social do país, podem estar se sentido órfãs no momento presente, quando triunfam – não de maneira acachapante, mas ainda assim de modo incisivo – os elementos mais negativos da institucionalidade política e da mobilização social, o que pode dar uma impressão de desesperança, ou de inutilidade, quanto à mensagem que elas gostariam que fosse, finalmente, incorporada ao ideário brasileiro do desenvolvimento nacional: o das liberdades econômicas, o da redução do papel do Estado e da promoção concomitante do papel da iniciativa privada, da concorrência sadia, da abertura econômica e da liberalização comercial, como as formas mais adequadas para justamente fazer o país avançar.
Uma sombra de desesperança, quando não de desespero, perpassa as mentes e as vontades mais engajadas nos combates dos dois ou três últimos meses: alguma intenção de abandonar o combate intelectual, projetos de abandonar o país, retraimento em áreas de exclusivo interesse pessoal, enfim, retirada do campo de batalha e abandono do terreno de lutas que sempre foi o nosso: não necessariamente a liça eleitoral, mas o esforço didático de educação política, de esclarecimento econômico, de defesa da lógica e da promoção do raciocínio inteligente na exposição, análise e divulgação de pontos de vista que se identificam com uma visão liberal, libertária, em todo caso de democracia avançada e de regimes de mercados como os mais consentâneos com a construção de um país progressista, avançado no plano das liberdades individuais e comprometido, tanto quanto outras correntes, com a redução de iniquidades sociais e de falta de oportunidades para os menos contemplados com riqueza pessoal ou familiar.
Não somos poucos, mas certamente somos minoria, pelos tempos que correm. Mas, se tivermos certeza da validade de nossas ideias, do acertado de nossas propostas, da adequação de nossos projetos aos ideais de um mundo livre e de um Brasil mais próspero, não podemos recuar no combate intelectual. Constituímos, no presente, uma espécie de quilombo de resistência intelectual contra ideias e propostas aparentemente dominantes, mas que sabemos contraditórias ou mesmo retrógradas em relação aos valores e princípios de organização social, econômica e do trabalho produtivo, que caberia imprimir a setores mais vastos da sociedade brasileira para retomar um curso mais virtuoso de desenvolvimento com plena defesa das liberdades individuais e coletivas no Brasil contemporâneo.
Não vamos nos desmobilizar: combateremos à sombra – no duplo sentido analógico e metafórico – mas combateremos, reorganizando nossas forças, examinando o panorama após a batalha, e traçando novas estratégias e novos princípios táticos para melhor posicionar nossas ideias – como diria um especialista em publicidade – com vistas a conquistar mais terreno nos espaços que são os nossos: estes são, basicamente, de inteligência, de trabalho analítico, de esforço didático e de continuidade no nosso próprio esforço de aprofundamento do estudo das questões teóricas, dos problemas do Brasil e da região, da discussão em torno de propostas factíveis de melhorias gradativas num país que escolheu, temporariamente pelo menos, mais distribuir do que produzir.
Esse esforço não é em vão, e não será inútil, pois ele corresponde exatamente às nossas vantagens comparativas, às nossas qualidades de pesquisadores, aos nossos projetos de vida e ao nosso engajamento no terreno do debate de ideias em prol de um país mais avançado. Momentaneamente, estamos submergidos pelas hordas de hunos e de visigodos, que destruirão um pouco mais dos valores acadêmicos que tanto prezamos e que tanto procuramos defender, contra o culto da ignorância e da crua prepotência antiliberal, mas a escuridão não é completa, nem está ela destinada a durar para sempre. Persistiremos em nosso quilombo, que aos poucos vai se alargar à medida em que consigamos propagar nossas luzes, com base unicamente na razão prática e na lógica bem fundamentada.
Este é justamente o momento de se fazer um balanço completo das razões e das causas do triunfo das nulidades, e da nossa própria derrota, para traçar um programa de trabalho, de estudos e de discussões, que focalize as questões mais relevantes da atualidade brasileira e internacional. Dispomos de ferramentas analíticas para tanto e de instrumentos operacionais para persistir nessa missão intelectual. Vou me dedicar a estudos de maior profundidade, a trabalhos de maior consistência empírica, mas não pretendo abandonar a arena do debate público e da apresentação de propostas, sempre quando minhas vantagens comparativas se revelarem úteis nesse tipo de trabalho. Não esmorecer é a palavra do momento; redobrar os esforços é um projeto decidido.
Allons, enfants, a aldeia continua resistindo...

Hartford, 26 de outubro de 2014.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Reflexoes de um diplomata americano, depois de 33 anos de servico (Foreign Policy)

Creio que pouco, ou muito pouco, se aplica ao caso brasileiro, mas as "lições" de procedimento, mais do que substância, são sempre interessantes. O trabalho de todos os diplomatas é aborrecidamente igual em todas as partes, mas como diria Orwell no Animal Farm, alguns diplomatas são mais iguais do que outros.
Os imperiais, por exemplo, são mais requisitados, mas também correm mais riscos, não apenas de vida, com tantos terroristas voluntários andando à solta por aí, mas sobretudo o risco de ficar sem interlocutores, depois do Wikileaks: quem vai querer falar com um diplomata americano sabendo que a sua confidência pode ser revelada em pouco tempo?
Ossos do ofício. E quase já não tem mais caviar...
Essas coisas chiques são as primeiras que acabam, na era da diplomacia de massa e popularesca..
Paulo Roberto de Almeida

10 Parting Thoughts for America's Diplomats

As one of America's foremost diplomats hangs up his spurs, lessons from 33 years at the State Department.


Diplomacy is not quite the world's oldest profession, but it remains one of the most misunderstood. It's a predictable and recurring habit to question its relevance and dismiss its practitioners, especially at moments like this, when international affairs are rocked by powerful and tumultuous transitions.
It is true that the world today is far different from the one that I encountered as a new foreign service officer in 1982. Today's international landscape is far more crowded. New global powers are rising, hundreds of millions of people around the world are climbing into the middle class, hyper-empowered individuals with the capacity to do great good and huge harm are multiplying, and more information is flowing more rapidly than ever before.
These realities pose some real challenges and difficult questions for professional diplomats. How can we add value in a world of instant and nearly universal access to information? How important are foreign ministries in an age of citizen awakenings? And who needs foreign assistance from governments when they can get it from private foundations and mega-philanthropists?
These are fair questions, but none of them foretells the imminent demise of our profession. The ability of American diplomats to help interpret and navigate a bewildering world still matters. After more than a decade dominated by two costly conflicts in Iraq and Afghanistan and the worst financial crisis of our lifetime, the United States needs a core of professional diplomats with the skills and experience to pursue American interests abroad -- by measures short of war.
The real question is not whether the State Department is still relevant but how we can sustain, strengthen, and adapt the tradecraft for a new century unfolding before us.
The real question is not whether the State Department is still relevant but how we can sustain, strengthen, and adapt the tradecraft for a new century unfolding before us. As I look back across nearly 33 years as a career diplomat -- and ahead to the demands on American leadership -- I offer 10 modest observations for my colleagues, and for all those who share a stake in effective American diplomacy. 1. Know where you come from.
When I was a junior diplomat, a story circulated that then Secretary of State George Shultz used to invite new ambassadors for a farewell chat. He would walk over to a large globe near his desk and ask the ambassador to point to "your country." Invariably, the ambassador would put a finger on the country of his or her assignment. Shultz would then gently move their finger across the globe to the United States, making the not-so-subtle point that diplomats should always remember whom they represent and where they come from.
We cannot afford to forget where we come from, whom we serve, and whom we represent. While we still have a long way to go, the foreign service today is far more representative of the richness and diversity of American society than when I entered. The white, male, East Coast, elitist caricature has faded. Today's officers come from across the country and from every social background. The percentage of women and minorities has doubled. New officers bring proficiency in difficult languages and a range of work experience that I would have envied 30 years ago. This diversity is a huge asset overseas, where the power of our example often matters more than the power of our preaching -- especially when we ask others to respect pluralism, tolerance, and universal human rights.
2. It's not always about us.
Americans are often tempted to believe the world revolves around us, our problems, and our analysis. The recent revolutions that swept the Middle East remind us that this is not always the case. These revolutions were, at their core, about dignity and the profound humiliation of people denied economic opportunity, a political voice, and solutions to the problems that mattered most to them. Yet these revolutions still matter a great deal to the United States, and we have a central role to play in helping shape their trajectory.
The fact remains that other governments and people look to the United States to help make sense of a chaotic world and to build coalitions to deal with it. That is true in the fight against the Islamic State, just as it is true in the effort to stem the spread of Ebola. Other people and societies have their own realities, not always hospitable to ours. That does not mean that we need to accept those perspectives, or indulge them, but understanding them is the key to sensible diplomacy.
3. Master the fundamentals.
One perverse side effect of WikiLeaks' release of State Department cables was to show that American diplomats are pretty good at honest analysis of foreign realities and how to navigate them in America's best interest. This kind of effectiveness requires a nuanced grasp of history and culture, mastery of foreign languages, facility in negotiations, and the ability to translate American interests in ways that other governments can see as consistent with their own -- or at least in ways that drive home the costs of alternative courses. If we let these basic diplomatic skills atrophy, our relevance will inevitably decline.
In today's world of digital and virtual relationships, there is still no alternative to old-fashioned human interactions -- not in business, romance, or diplomacy. More than a half-century ago, Edward R. Murrow, the CBS News great who joined the State Department, gave advice to incoming diplomats that still resonates: "The really critical link in the international communications chain is the last three feet, which is best bridged by personal contact -- one person talking to another." Diplomats provide that critical link, whether in managing relationships with foreign leaders, ensuring the safety and well-being of Americans abroad, or promoting commercial, cultural, and educational exchanges.
4. Stay ahead of the curve.
While the fundamentals are essential, they are not enough. American diplomats have to stay ahead of the curve -- ready to adapt to new challenges and innovations and ready to lead in emerging arenas of competition and cooperation. Former Secretary of State Hillary Clinton emphasized the need to deepen the partnership between diplomacy and development to address the underlying drivers of instability around the world. The historic President's Emergency Plan for AIDS Relief (PEPFAR), launched during George W. Bush's administration, is an exceptional example of American leadership in global health. The Obama administration's food and water security programs have been just as transformational.
Energy, climate, gender issues, and cyberspace are all growing priorities for American diplomats, and each requires us to develop new expertise and master new tools and technologies.
Energy, climate, gender issues, and cyberspace are all growing priorities for American diplomats, and each requires us to develop new expertise and master new tools and technologies. My generation of diplomats spent a good portion of their careers learning about nuclear proliferation and global oil politics. This generation will have to learn about the shale gas revolution and its impact on global energy markets, about cyber-norms and their impact on our security and our privacy, and about the Arctic, which may become as vital a maritime passageway in the coming years as the Suez and Panama canals. 5. Promote economic renewal.
Nothing demonstrates diplomacy's relevance more than its ability to contribute to America's economic renewal. And nothing will support strong American diplomacy abroad better than a strong and vibrant American economy. Since 95 percent of the world's consumers live outside the United States, Americans have a big stake in the role diplomats play in opening markets abroad, strengthening the economic rules of the road, ensuring a level playing field for U.S. companies, attracting foreign investment, and advocating on behalf of U.S. businesses. Renewed focus on economic statecraft in recent years helped generate $150 billion in trade supporting more than 11 million U.S. jobs.
There is no better diplomatic investment in the years ahead than the Trans-Pacific Partnership and the Transatlantic Trade and Investment Partnership agreements, which would bring higher standards of free market rules to two-thirds of the global economy and strengthen American prosperity for decades to come. Secretary of State John Kerry continually reminds our diplomats that "foreign policy is economic policy." I could not agree more.
6. Connect leverage to strategy.
Successful diplomacy has to begin with strategic vision, a concept for shaping international order in the service of American interests. Effective strategy requires leverage, connecting concepts and goals to available instruments of national power, including military power. The "rebalance" of U.S. priorities toward the Asia-Pacific region is one clear example, integrating efforts to manage China's rise and build healthy relations with Beijing while strengthening ties to key allies, expanding links to ASEAN, and investing in the strategic partnership with India. Economic and political leverage, along with a genuine offer of engagement, opened the door to back-channel talks with Iran that ended more than 35 years without sustained diplomatic contact and helped produce a first nuclear agreement. Progress toward a comprehensive accord remains difficult and uncertain, but carefully testing the possibilities of diplomacy is very much in our interest.
7. Don't just admire the problem -- offer a solution.
Secretary of State Dean Acheson once complained that senior diplomats tended to be "cautious rather than imaginative." Most of his successors have harbored similar concerns, some more openly than others. It is true that career officers sometimes seem to take particular relish in telling a new administration why its big new idea is not so new or why it won't work. It is also true that the revolution in communications technology and the increasing role of both the National Security Council staff and other agencies over successive administrations have tended to bring out the more passive (or sometimes passive-aggressive) side of the State Department.
Most ambassadors, however, realize that they have an enormous opportunity to make a difference in policymaking and get things done on the ground. They don't just report about the challenges they face -- they try to shape the policy response. Tom Pickering, one of the best career diplomats I have ever known, never wanted to get an instruction from Washington that he had not shaped himself. He understood that he was the president's representative, which carried a responsibility to offer his best judgment on how to fix a problem -- not just serve as a postman for Washington decisions.
8. Speak truth to power.
I have great admiration for colleagues who in recent decades decided that they could no longer serve policies in which they did not believe. More than a dozen foreign service colleagues resigned over the United States' nonintervention in the Balkans in the early 1990s, and several others left over the Iraq War a decade ago. Short of resignation, however, officers are obliged to exercise discipline and avoid public dissent. But they also have a parallel obligation to express their concerns internally and offer their best policy advice, even if the truths they perceive are inconvenient. In the run-up to the Iraq War in 2003, several of my colleagues and I wrote a lengthy memo at Secretary of State Colin Powell's request on what we thought could go wrong. We titled it: "The Perfect Storm." In hindsight, we got some things right and missed others, but it was the sort of effort to offer an honest professional judgment that should be encouraged.
9. Accept risk.
We live and work in a dangerous world. Demanding zero security risk means achieving zero diplomatic results. We take every prudent precaution, and we learn and apply the painful lessons of terrible tragedies like the loss of Ambassador Chris Stevens and three other colleagues in Benghazi, Libya, two years ago. But we cannot hole up behind embassy walls. Every American diplomat was filled with pride when we watched Ryan Crocker excel in a succession of dangerous and important posts from Beirut to Kabul -- and when Robert Ford, as ambassador to Syria, visited areas where peaceful protesters had just been attacked by the regime. In less dramatic moments, diplomats serving in hard jobs in hard places take calculated risks every day. I wish that we could ensure zero risk, but we cannot.
10. Remain optimistic.
Teddy Roosevelt said life's greatest good fortune is to work hard at work worth doing. By that standard, American diplomats have reason to feel fortunate. Yes, the world is getting more complicated and the political paralysis and partisanship in Washington don't make it any easier. It is hard to convince people overseas that we can build coalitions when they prove so elusive at home, when the most popular thing any congressman can do is cut our budget, and when members of U.S. military bands outnumber members of the foreign service. But there are many reasons to be optimistic.
We have a remarkable military and an economy still bigger, more innovative, and more resilient than anyone else's. Our system of government and values remains -- warts and all -- a magnet for people around the world. We possess a transformational energy potential and a diverse and mobile population that is the envy of our competitors. And we have a diplomatic service that still attracts the best young people from across our society to a career of significance.
As I prepare to retire, I have never been more proud of America's diplomats and I have never been more confident in their ability to help renew American leadership in the world. It is hard work, but it has never been more important or more worthwhile.
Photo by BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images

domingo, 29 de junho de 2014

Reflexões ao léu: deformações mentais brasileiras - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao léu: deformações mentais brasileiras
proibicionismo, iniquidade, obrigatoriedade, inconsciência

Paulo Roberto de Almeida

Por vezes eu me pergunto se o Brasil, ou melhor, se os brasileiros não padecem de certos desvios de comportamento que revelam, no fundo, deformações mentais, não no sentido de doenças congênitas – típicas dos chamados retardados – mas equívocos de compreensão quanto ao funcionamento do mundo, das coisas, das relações de causa a efeito, enfim. Tantos são os exemplos dessas deformações que eu não teria problemas em ordenar toda uma lista dos desvios mais frequentes; de fato acabei colecionando alguns casos recentes que me parecem ilustrativos do argumento defendido neste texto. Alinhei no subtítulo aqueles que me parecem os mais frequentes, e vou aproveitar algumas postagens receitas feitas em meu blog Diplomatizzando para tratar de cada um deles.

1. Proibicionismo
Comecemos por este exemplo típico, aliás já tratado aqui anteriormente pelos mesmos motivos: os corporativos de sempre querem impedir os cidadãos de adotar as medidas que eles julgam mais adequadas para seus deslocamentos diários entre casa e trabalho, querendo obrigá-los a usar os transportes regulamentados, e portanto a pagar transportes coletivos (sempre péssimos, mesmo os metros) ou taxis individuais. A nova notícia é esta aqui: “Carona paga é ilegal, diz agência reguladora sobre app Uber”, já postada sob este link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/nosso-fascismo-ordinario-o-estado.html
Como comentei em minha introdução a essa postagem, essas novas formas de transporte “solidário” (na verdade, de fato com pagamento compartilhado) ou baseados em esquemas tipo Uber, são extremamente relevantes em nossas cidades engarrafadas, pois podem justamente desafogá-las de milhares de carros individuais. Provavelmente, as autoridades fascistas, seja porque estão a serviço de concessionários oligopolistas (e geralmente corruptos), seja porque são justamente de mentalidade fascista, querem proibir essas novas formas de transporte e, a pretexto de defender os direitos dos cidadãos, desejam impedir a concorrência aos seus pagadores corruptos habituais, daí a intenção de regulamentar proibindo e, em todo caso, taxar.

2. Iniquidade
Vejam agora esta outra idiotice econômica, que obviamente deve ter sido obtida ao cabo de um poderoso lobby de “cineastas” brasileiros desejosos de consolidar para si um mercado cativo. Já tendo obtido cotas nas salas de cinema nacionais e na programação televisiva, eles avançam agora para a parte mais passiva de todas: alunos do sistema público de ensino, aliás não só publico, mas nacional. Todas as escolas do ciclo fundamental deverão exibir pelo menos duas horas de filmes nacionais por mês. Leiam a matéria nesta postagem que fiz sobre este tema: “As escolas de educação básica terão agora que exibir no mínimo duas horas mensais de filmes de produção nacional”, neste link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/deseducacao-brasileira-mais-uma-reserva.html
A medida, como sempre obrigatória, deverá gerar mais receita para os ditos “cineastas”, e mais despesas para o sistema público de ensino e para as escolas privadas. Adivinhe quem vai pagar por tudo isso caro leitor? Sim, acertou: você, e todos os demais brasileiros, mesmo aqueles que não têm nada a ver com tudo isso. Quem vai ganhar? Um punhado de dilapidadores da riqueza alheia, que conspiraram com aquele outro bando de idiotas nacionais, que são os nacionalisteiros, os patrioteiros, os tais defensores da “cultura nacional”, que usarão a lei obrigatória para transferir renda de toda a sociedade para os seus bolsos, sempre com a ajuda dos ingênuos, equivocados, dos idiotas, simplesmente. Depois eles não sabem por que, a despeito de todas as medidas distributivas, a renda no Brasil continua concentrada em favor dos mais ricos (eu diria dos mais espertos). É devido a medidas idiotas como essa que a renda continua concentrada. E os pobres dos alunos vão ter de passar a assistir essas comédias nacionais, semi-eróticas e semi-idiotas...

3. Obrigatoriedade
As suas postagens anteriores ilustram também o terceiro aspecto: o caráter compulsório das medidas adotadas pelo Estado fascista. Não basta ao Estado arvorar-se em regulamentador do que é mais positivo, adequado, útil ou saudável para o cidadão comum; ele também quer proibi-lo de decidir segundo sua própria vontade o que é melhor para ele, seja em matéria de transporte, de educação, de lazer, de qualquer coisa. A mesma obrigatoriedade está presente no decreto bolivariano emitido em 25 de maio pela presidência, ou seja, a consulta à organizações ditas sociais – sob o rótulo enganoso de “participação social” – que toda e qualquer agência pública (o que compreende cada um dos 39 ministérios) deve fazer antes de adotar qualquer medida, qualquer política de âmbito público. Não sem razão, vários observadores já chamaram o famigerado decreto de bolivariano ou de equivalente aos sovietes.
Em diversas outras instâncias, medidas que poderiam até ser adotadas segundo o arbítrio dos cidadãos, ou por decisão de um conselho de pais e mestres, acabam se tornando compulsórias em âmbito nacional. Penso, por exemplo, na introdução de espanhol e de estudos afro-brasileiros no primário, e de sociologia e de filosofia no secundário, duas medidas altamente custosas para toda a população brasileira, sendo que muitas escolas já adotam uma ou outra recomendação a título voluntário.
Esses atos discricionários do Estado custam muito caro aos cidadãos, e são muitas vezes eivados de irregularidades, ilegalidades e até de inconstitucionalidades, como salientado nesta entrevista com o advogado Ives Gandra Martins, também transcrita em meu blog: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/o-fascismo-que-chegamos-o-cidadao-so.html.

4. Inconsciência
Todas essas medidas, todas essas arbitrariedades são adotadas seja na total inconsciência dos legisladores, ou então com a sua colaboração ativa e de má-fé; eles atuam, portanto, com total consciência de que estão roubando dinheiro dos cidadãos para entregar recursos a protegidos, a protecionistas, a corruptos. Isso me faz sempre lembrar uma velha distinção que aprendi a fazer, com base em leituras, nos estudos históricos, nas pesquisas sobre as formas de comportamento social existentes nas sociedades anglossaxãs, por um lado e nas sociedades ibéricas, por outro; por facilidade, confrontemos, digamos, a livre iniciativa na América Latina e nos Estados Unidos.
Vivendo nos EUA atualmente, constato como novos negócios são lançados a cada dia, e se transformam em sucessos de público, de consumo, de moda. A própria matéria sobre o Uber ilustra bem esse aspecto: “O Uber, aplicativo americano de “carona” mais popular do mundo, anunciou sua chegada ao Brasil em maio, pouco antes de ser avaliado em 18,2 bilhões de dólares.” Ou seja, um aplicativo em quase nada revolucionário, mas sem dúvida inovador, permite ao cidadão comum dispensar um carro individual, seja para seu uso eventual, seja mesmo para posse como ativo, pois ele pode apelar para um carro tipo taxi a qualquer momento, de qualquer lugar. Esse tipo de facilidade permite, por exemplo, eliminar milhares de carros de cidades já congestionadas. O espírito fascista de nossas autoridades e a reserva de mercado de motoristas de taxi se combinaram para proibir tal prática, pretendendo, no Brasil, que ela não é regulamentada, e portanto estaria proibida. Essa é uma interpretação criativa dos fascistas nacionais, sem dúvida alguma.
Volto à minha distinção, e eis aqui como se distinguem dois modelos sociais.
Tudo o que não estiver expressamente proibido nas sociedades derivadas do velho mundo saxão, das lei costumeiras, está ipso facto permitido à iniciativa dos cidadãos, que assim podem criar um novo negócio, explorá-lo sem qualquer reserva de mercado, e ficarem ricos, com base no sucesso de mercado, ou seja, dependendo do interesse dos consumidores. Por isso mesmo, essas sociedade são ricas, produtivas, inovadoras, numa palavra: livres.
Em contraste, tudo o que não estiver expressamente previsto na lei – e sabemos que a lei tem um longo caminho pela frente – e não for detalhadamente previsto nos regulamentos, tudo aquilo que não for objeto de algum alvará régio, de uma autorização do executivo, de uma lei votada pelo parlamento, estará automaticamente proibido, e os cidadãos que tentarem começar novos negócios, sem a devida autorização das agências públicas, poderão se expor às penas da lei.
É por isso mesmo que nossa sociedade são tão pobres, tão pouco inovadoras, tão constrangidas e oprimidas pelo Estado.
Para mim isso é fascismo.
Ou seja, já vivemos num Estado fascista, mas os brasileiros não têm consciência disso.

É uma pena...
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 29 de junho de 2014