Por vezes eu me pergunto
se o Brasil, ou melhor, se os brasileiros não padecem de certos desvios de
comportamento que revelam, no fundo, deformações mentais, não no sentido de
doenças congênitas – típicas dos chamados retardados – mas equívocos de
compreensão quanto ao funcionamento do mundo, das coisas, das relações de causa
a efeito, enfim. Tantos são os exemplos dessas deformações que eu não teria
problemas em ordenar toda uma lista dos desvios mais frequentes; de fato acabei
colecionando alguns casos recentes que me parecem ilustrativos do argumento defendido
neste texto. Alinhei no subtítulo aqueles que me parecem os mais frequentes, e
vou aproveitar algumas postagens receitas feitas em meu blog Diplomatizzando
para tratar de cada um deles.
1. Proibicionismo
Comecemos por este exemplo
típico, aliás já tratado aqui anteriormente pelos mesmos motivos: os
corporativos de sempre querem impedir os cidadãos de adotar as medidas que eles
julgam mais adequadas para seus deslocamentos diários entre casa e trabalho,
querendo obrigá-los a usar os transportes regulamentados, e portanto a pagar
transportes coletivos (sempre péssimos, mesmo os metros) ou taxis individuais.
A nova notícia é esta aqui: “Carona paga é ilegal, diz
agência reguladora sobre app Uber”, já postada sob este link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/nosso-fascismo-ordinario-o-estado.html
Como comentei em minha
introdução a essa postagem, essas novas formas de
transporte “solidário” (na verdade, de fato com pagamento compartilhado) ou
baseados em esquemas tipo Uber, são extremamente relevantes em nossas cidades
engarrafadas, pois podem justamente desafogá-las de milhares de carros
individuais. Provavelmente, as autoridades
fascistas, seja porque estão a serviço de concessionários oligopolistas (e
geralmente corruptos), seja porque são justamente de mentalidade fascista,
querem proibir essas novas formas de transporte e, a pretexto de defender os
direitos dos cidadãos, desejam impedir a concorrência aos seus pagadores
corruptos habituais, daí a intenção de regulamentar proibindo e, em todo caso,
taxar.
2. Iniquidade
Vejam agora esta outra
idiotice econômica, que obviamente deve ter sido obtida ao cabo de um poderoso
lobby de “cineastas” brasileiros desejosos de consolidar para si um mercado
cativo. Já tendo obtido cotas nas salas de cinema nacionais e na programação
televisiva, eles avançam agora para a parte mais passiva de todas: alunos do
sistema público de ensino, aliás não só publico, mas nacional. Todas as escolas
do ciclo fundamental deverão exibir pelo menos duas horas de filmes nacionais
por mês. Leiam a matéria nesta postagem que fiz sobre este tema: “As escolas de educação básica terão agora que
exibir no mínimo duas horas mensais de filmes de produção nacional”, neste link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/deseducacao-brasileira-mais-uma-reserva.html
A medida, como sempre
obrigatória, deverá gerar mais receita para os ditos “cineastas”, e mais
despesas para o sistema público de ensino e para as escolas privadas. Adivinhe
quem vai pagar por tudo isso caro leitor? Sim, acertou: você, e todos os demais
brasileiros, mesmo aqueles que não têm nada a ver com tudo isso. Quem vai
ganhar? Um punhado de dilapidadores da riqueza alheia, que conspiraram com
aquele outro bando de idiotas nacionais, que são os nacionalisteiros, os
patrioteiros, os tais defensores da “cultura nacional”, que usarão a lei
obrigatória para transferir renda de toda a sociedade para os seus bolsos, sempre
com a ajuda dos ingênuos, equivocados, dos idiotas, simplesmente. Depois eles
não sabem por que, a despeito de todas as medidas distributivas, a renda no
Brasil continua concentrada em favor dos mais ricos (eu diria dos mais
espertos). É devido a medidas idiotas como essa que a renda continua
concentrada. E os pobres dos alunos vão ter de passar a assistir essas comédias
nacionais, semi-eróticas e semi-idiotas...
3. Obrigatoriedade
As suas postagens
anteriores ilustram também o terceiro aspecto: o caráter compulsório das
medidas adotadas pelo Estado fascista. Não basta ao Estado arvorar-se em
regulamentador do que é mais positivo, adequado, útil ou saudável para o
cidadão comum; ele também quer proibi-lo de decidir segundo sua própria vontade
o que é melhor para ele, seja em matéria de transporte, de educação, de lazer,
de qualquer coisa. A mesma obrigatoriedade está presente no decreto bolivariano
emitido em 25 de maio pela presidência, ou seja, a consulta à organizações ditas
sociais – sob o rótulo enganoso de “participação social” – que toda e qualquer
agência pública (o que compreende cada um dos 39 ministérios) deve fazer antes
de adotar qualquer medida, qualquer política de âmbito público. Não sem razão,
vários observadores já chamaram o famigerado decreto de bolivariano ou de equivalente
aos sovietes.
Em diversas outras instâncias,
medidas que poderiam até ser adotadas segundo o arbítrio dos cidadãos, ou por
decisão de um conselho de pais e mestres, acabam se tornando compulsórias em
âmbito nacional. Penso, por exemplo, na introdução de espanhol e de estudos
afro-brasileiros no primário, e de sociologia e de filosofia no secundário,
duas medidas altamente custosas para toda a população brasileira, sendo que
muitas escolas já adotam uma ou outra recomendação a título voluntário.
4. Inconsciência
Todas essas medidas, todas
essas arbitrariedades são adotadas seja na total inconsciência dos
legisladores, ou então com a sua colaboração ativa e de má-fé; eles atuam,
portanto, com total consciência de que estão roubando dinheiro dos cidadãos
para entregar recursos a protegidos, a protecionistas, a corruptos. Isso me faz
sempre lembrar uma velha distinção que aprendi a fazer, com base em leituras,
nos estudos históricos, nas pesquisas sobre as formas de comportamento social existentes
nas sociedades anglossaxãs, por um lado e nas sociedades ibéricas, por outro;
por facilidade, confrontemos, digamos, a livre iniciativa na América Latina e nos
Estados Unidos.
Vivendo nos EUA
atualmente, constato como novos negócios são lançados a cada dia, e se
transformam em sucessos de público, de consumo, de moda. A própria matéria
sobre o Uber ilustra bem esse aspecto: “O Uber, aplicativo americano de “carona” mais popular do mundo,
anunciou sua chegada ao Brasil em maio, pouco antes de ser avaliado em 18,2
bilhões de dólares.” Ou seja, um aplicativo em quase nada revolucionário, mas
sem dúvida inovador, permite ao cidadão comum dispensar um carro individual,
seja para seu uso eventual, seja mesmo para posse como ativo, pois ele pode
apelar para um carro tipo taxi a qualquer momento, de qualquer lugar. Esse tipo
de facilidade permite, por exemplo, eliminar milhares de carros de cidades já
congestionadas. O espírito fascista de nossas autoridades e a reserva de
mercado de motoristas de taxi se combinaram para proibir tal prática,
pretendendo, no Brasil, que ela não é regulamentada, e portanto estaria
proibida. Essa é uma interpretação criativa dos fascistas nacionais, sem dúvida
alguma.
Volto à minha distinção, e eis aqui como se
distinguem dois modelos sociais.
Tudo o que não estiver expressamente proibido
nas sociedades derivadas do velho mundo saxão, das lei costumeiras, está ipso facto permitido à iniciativa dos
cidadãos, que assim podem criar um novo negócio, explorá-lo sem qualquer
reserva de mercado, e ficarem ricos, com base no sucesso de mercado, ou seja, dependendo
do interesse dos consumidores. Por isso mesmo, essas sociedade são ricas,
produtivas, inovadoras, numa palavra: livres.
Em contraste, tudo o que não estiver
expressamente previsto na lei – e sabemos que a lei tem um longo caminho pela
frente – e não for detalhadamente previsto nos regulamentos, tudo aquilo que
não for objeto de algum alvará régio, de uma autorização do executivo, de uma
lei votada pelo parlamento, estará automaticamente proibido, e os cidadãos que
tentarem começar novos negócios, sem a devida autorização das agências públicas,
poderão se expor às penas da lei.
É por isso mesmo que nossa sociedade são tão
pobres, tão pouco inovadoras, tão constrangidas e oprimidas pelo Estado.
Para mim isso é fascismo.
Ou seja, já vivemos num Estado fascista, mas os
brasileiros não têm consciência disso.
É uma pena...
Nenhum comentário:
Postar um comentário