O que o Brasil quer ser no mundo?
Carlos Eduardo Lins da Silva
Época, 23/06/2014
A importância do país na cena global cresceu nos últimos 20 anos. Agora, precisamos decidir que tipo de influência internacional queremos exercer
O papel do Brasil no mundo foi debatido por 42 especialistas de 13 nacionalidades diferentes durante três dias de abril na sede da Fundação Ditchley, uma entidade britânica localizada nas cercanias de Oxford, dedicada ao estudo de temas internacionais de relevância. O debate foi uma revisão do tema. Em 2006, quando o Brasil estava em alta no cenário mundial, o país já fora objeto de seminário similar promovido pela mesma organização. Agora, com o país em relativa baixa, em grande parte devido ao contraste de interesse por relações internacionais entre a presidente Dilma Rousseff e seus dois antecessores imediatos, muitos dos problemas apontados oito anos atrás continuaram na pauta.
Houve pouco consenso entre os participantes, em especial entre brasileiros e estrangeiros. Isso permitiu uma conclusão inicial importante: existe um fosso entre a autopercepção do Brasil e a que os outros fazem dele. Todos aceitam que o país fez enormes progressos nos últimos 20 anos, fruto de um amplo consenso nacional em torno de princípios básicos em política e macroeconomia. Essa situação nova naturalmente fez com que a projeção do Brasil no mundo se ampliasse. Apesar disso, persistem desafios enormes a vencer nas áreas de infraestrutura, produtividade, sistema fiscal e tributário, competitividade, educação, eficiência do sistema político-partidário vigente e segurança pública.
Mesmo que esses obstáculos venham a ser satisfatoriamente superados, ainda restarão questões essenciais sobre o que o Brasil quer ser no mundo e quanto está disposto a pagar para chegar ao lugar que deseja. Mesmo regionalmente, na América do Sul, o Brasil precisa fazer opções. Ele quer ser líder ou só um grande poder benigno, condição que seu simples tamanho geográfico e a tradição diplomática de respeito à paz e à autodeterminação já lhe garantem? Nem a autoimagem de potência que não interfere nos problemas dos vizinhos está assegurada. Ela foi contrastada por observadores que classificaram o Brasil como negligente diante de situações críticas na Argentina e na Venezuela.
A debilidade do Mercosul e a ameaça ao comércio exterior brasileiro representada pela Aliança do Pacífico (bloco comercial formado por Chile, Colômbia, México e Peru) foram objeto de muita discussão. Alguns participantes afirmavam que o Brasil já está marginalizado por causa de sua opção pelo Mercosul. Isso exclui o país das negociações dos grandes acordos comerciais transatlântico (entre os Estados Unidos e a União Europeia) e transpacífico (entre uma dúzia de nações banhadas pelo Oceano Pacífico). Outros diziam que esses acordos multinacionais, mesmo a Aliança do Pacífico, ainda não passam de miragem e que a aposta brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC) é correta.
Apesar de não se ter chegado a conclusões consensuais, o debate deixou claro que a integração da América do Sul atravessa um período particularmente complicado. Embora existam áreas em que é possível avançar, mesmo com as divisões ideológicas atuais no continente, como a cooperação educacional-científico-cultural e o combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado, não há sequer clareza sobre o que significa integração.
Ninguém duvida de que o Brasil é (e continuará a ser) um ator global relevante. A disposição do Brasil de se tornar mais influente e responsável na cena mundial fica evidente pela consistente participação em missões de paz da ONU (mais recentemente no Haiti e Congo). Essa participação só não é mais destacada porque, em situações específicas em que tentou ser mais proeminente (como na proposta de acordo, em 2010, para tentar resolver o impasse do programa nuclear do Irã), o Brasil foi boicotado pelas grandes potências ocidentais.
A dimensão da importância do Brasil dependerá, no entanto, em parte da solução que dará aos problemas internos que constrangem seu progresso e em parte da definição da sociedade brasileira sobre seu papel no mundo. O Brasil prefere ser visto como uma nação do Ocidente, em que se encaixa do ponto de vista de cultura e valores? Ou é uma nação do Sul, em que se insere por sua condição de economia emergente? Essa contradição, segundo os críticos, resulta na contínua inclinação do Brasil por deixar de se colocar claramente em crises internacionais, como na Síria e na Líbia. A tal visão se contrapõe o argumento de que o Brasil, historicamente, dá preferência a ações diplomáticas mais eficazes nos bastidores e se opõe a condenações políticas por violações de direitos humanos, decididas ao gosto de quem as propõe.
O dilema conceitual sobre o papel do Brasil no mundo foi resumido no documento final da seguinte forma: ou o Brasil é "essencialmente um poder passivo que não quer se engajar na maior parte dos problemas do mundo" ou o Brasil é "simplesmente uma forma incomum de poder, que trabalha ativamente para promover a paz internacional e uma governança mundial melhor, só que não da maneira prescritiva e intervencionista que o Ocidente costuma usar".
O Brasil, por fortuna ou virtude (ou ambas), é um país sem inimigos reais, sem grandes problemas de segurança, sem sectarismos de ordem étnica, religiosa ou cultural, com enormes recursos naturais e humanos disponíveis, como nenhuma outra nação emergente. Essa peculiaridade lhe oferece a chance de desenvolver um "soft power" poderoso e de exercer influência real nos destinos de um mundo multipolar, em que as aparentes contradições brasileiras podem ser classificadas mais como ativos do que passivos.
Esse "soft power" precisa, no entanto, se expressar de maneira mais clara. Isso ainda não tem ocorrido. E poderá correr sério risco se os programas de inclusão social admirados internacionalmente não se revelarem sustentáveis ou se não houver um gerenciamento eficaz das questões ambientais.
Carlos Eduardo Lins da Silva é global fellow do Woodrow Wilson Center
Nenhum comentário:
Postar um comentário