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quarta-feira, 25 de junho de 2014

O que o Brasil quer ser no mundo? - Carlos Eduardo Lins da Silva

O que o Brasil quer ser no mundo?
Carlos Eduardo Lins da Silva
Época, 23/06/2014

A importância do país na cena global cresceu nos últimos 20 anos. Agora, precisamos decidir que tipo de influência internacional queremos exercer

O papel do Brasil no mundo foi debatido por 42 especialistas de 13 nacionalidades diferentes durante três dias de abril na sede da Fundação Ditchley, uma entidade britânica localizada nas cercanias de Oxford, dedicada ao estudo de temas internacionais de relevância. O debate foi uma revisão do tema. Em 2006, quando o Brasil estava em alta no cenário mundial, o país já fora objeto de seminário similar promovido pela mesma organização. Agora, com o país em relativa baixa, em grande parte devido ao contraste de interesse por relações internacionais entre a presidente Dilma Rousseff e seus dois antecessores imediatos, muitos dos problemas apontados oito anos atrás continuaram na pauta.

Houve pouco consenso entre os participantes, em especial entre brasileiros e estrangeiros. Isso permitiu uma conclusão inicial importante: existe um fosso entre a autopercepção do Brasil e a que os outros fazem dele. Todos aceitam que o país fez enormes progressos nos últimos 20 anos, fruto de um amplo consenso nacional em torno de princípios básicos em política e macroeconomia. Essa situação nova naturalmente fez com que a projeção do Brasil no mundo se ampliasse. Apesar disso, persistem desafios enormes a vencer nas áreas de infraestrutura, produtividade, sistema fiscal e tributário, competitividade, educação, eficiência do sistema político-partidário vigente e segurança pública.

Mesmo que esses obstáculos venham a ser satisfatoriamente superados, ainda restarão questões essenciais sobre o que o Brasil quer ser no mundo e quanto está disposto a pagar para chegar ao lugar que deseja. Mesmo regionalmente, na América do Sul, o Brasil precisa fazer opções. Ele quer ser líder ou só um grande poder benigno, condição que seu simples tamanho geográfico e a tradição diplomática de respeito à paz e à autodeterminação já lhe garantem? Nem a autoimagem de potência que não interfere nos problemas dos vizinhos está assegurada. Ela foi contrastada por observadores que classificaram o Brasil como negligente diante de situações críticas na Argentina e na Venezuela.

A debilidade do Mercosul e a ameaça ao comércio exterior brasileiro representada pela Aliança do Pacífico (bloco comercial formado por Chile, Colômbia, México e Peru) foram objeto de muita discussão. Alguns participantes afirmavam que o Brasil já está marginalizado por causa de sua opção pelo Mercosul. Isso exclui o país das negociações dos grandes acordos comerciais transatlântico (entre os Estados Unidos e a União Europeia) e transpacífico (entre uma dúzia de nações banhadas pelo Oceano Pacífico). Outros diziam que esses acordos multinacionais, mesmo a Aliança do Pacífico, ainda não passam de miragem e que a aposta brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC) é correta.

Apesar de não se ter chegado a conclusões consensuais, o debate deixou claro que a integração da América do Sul atravessa um período particularmente complicado. Embora existam áreas em que é possível avançar, mesmo com as divisões ideológicas atuais no continente, como a cooperação educacional-científico-cultural e o combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado, não há sequer clareza sobre o que significa integração.

Ninguém duvida de que o Brasil é (e continuará a ser) um ator global relevante. A disposição do Brasil de se tornar mais influente e responsável na cena mundial fica evidente pela consistente participação em missões de paz da ONU (mais recentemente no Haiti e Congo). Essa participação só não é mais destacada porque, em situações específicas em que tentou ser mais proeminente (como na proposta de acordo, em 2010, para tentar resolver o impasse do programa nuclear do Irã), o Brasil foi boicotado pelas grandes potências ocidentais.

A dimensão da importância do Brasil dependerá, no entanto, em parte da solução que dará aos problemas internos que constrangem seu progresso e em parte da definição da sociedade brasileira sobre seu papel no mundo. O Brasil prefere ser visto como uma nação do Ocidente, em que se encaixa do ponto de vista de cultura e valores? Ou é uma nação do Sul, em que se insere por sua condição de economia emergente? Essa contradição, segundo os críticos, resulta na contínua inclinação do Brasil por deixar de se colocar claramente em crises internacionais, como na Síria e na Líbia. A tal visão se contrapõe o argumento de que o Brasil, historicamente, dá preferência a ações diplomáticas mais eficazes nos bastidores e se opõe a condenações políticas por violações de direitos humanos, decididas ao gosto de quem as propõe.

O dilema conceitual sobre o papel do Brasil no mundo foi resumido no documento final da seguinte forma: ou o Brasil é "essencialmente um poder passivo que não quer se engajar na maior parte dos problemas do mundo" ou o Brasil é "simplesmente uma forma incomum de poder, que trabalha ativamente para promover a paz internacional e uma governança mundial melhor, só que não da maneira prescritiva e intervencionista que o Ocidente costuma usar".

O Brasil, por fortuna ou virtude (ou ambas), é um país sem inimigos reais, sem grandes problemas de segurança, sem sectarismos de ordem étnica, religiosa ou cultural, com enormes recursos naturais e humanos disponíveis, como nenhuma outra nação emergente. Essa peculiaridade lhe oferece a chance de desenvolver um "soft power" poderoso e de exercer influência real nos destinos de um mundo multipolar, em que as aparentes contradições brasileiras podem ser classificadas mais como ativos do que passivos.


Esse "soft power" precisa, no entanto, se expressar de maneira mais clara. Isso ainda não tem ocorrido. E poderá correr sério risco se os programas de inclusão social admirados internacionalmente não se revelarem sustentáveis ou se não houver um gerenciamento eficaz das questões ambientais.

Carlos Eduardo Lins da Silva é global fellow do Woodrow Wilson Center

terça-feira, 8 de abril de 2014

Relacoes (pouco) afetivas Brasil-EUA - Carlos Eduardo Lins da Silva

Nem tão perto, nem tão longe

 Carlos Eduardo Lins da Silva

Na ditadura, os atritos do Brasil com os EUA foram frequentes. Na democracia, as trombadas são atenuadas pela força dos elos econômicos e sociais.

"Chega de intermediários: Lincoln Gordon para presidente do Brasil." Depois da deposição de João Goulart da Presidência da República, em 1964, a brincadeira em alusão ao embaixador dos Estados Unidos no país refletia uma convicção de parte da opinião pública brasileira: o golpe contra Jango fora engendrado pelos americanos e o regime militar era uma mera marionete de Washington.
 
O bordão "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil", criado por Juracy Magalhães, o primeiro embaixador dos militares em Washington, e algumas decisões do novo regime pareciam sugerir que a previsão de alinhamento automático entre Washington e Brasília se cumpriria. Em 1965, Castelo Branco mandou tropas brasileiras para a Força Interamericana, formada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) por pressão dos EUA, para intervir na República Dominicana. Em 1971, Garrastazu Médici foi recebido na Casa Branca por Richard Nixon com a frase: "Para onde o Brasil for, o resto da América Latina irá".
 
Durante a maior parte da ditadura, no entanto, as trombadas entre os dois países foram constantes. O idílio diplomático rompeu-se a partir de 1974, no governo Ernesto Geisel, por causa do acordo nuclear Brasil-Alemanha. O rápido reconhecimento dado por Brasília à independência de antigas colônias portuguesas na África, especialmente Angola, onde os EUA estavam diretamente envolvidos, também desagradou a Washington. Com a eleição de Jimmy Carter em 1976, o governo americano passou a pressionar o Brasil em casos de desrespeito a direitos humanos.
 
Gestos simbólicos importantes mostram o grau de desacordo à época entre os dois países. O Brasil não aderiu nem ao boicote à Olimpíada de Moscou, em 1980, nem ao embargo de exportação de grãos à União Soviética, ambos liderados pelos EUA. A visita de Ronald Reagan ao país em 1982, quando o Brasil se opunha a sua política na Nicarágua e em El Salvador, não mitigou as tensões, ainda mais porque, ao final de um jantar, ele propôs um brinde ao "povo da Bolívia". A. década de 1980 foi marcada por rusgas relacionadas à crise da dívida externa brasileira.
 
O fim do regime militar não teve o efeito de melhorar o diálogo com Washington. No governo José Sarney, a moratória de 1987 e a política de reserva de mercado na informática aumentaram as desconfianças no governo e no mercado americanos e provocaram sanções comerciais contra o Brasil. Só com o fim da Guerra Fria, a redemocratização do Brasil, com a Constituição de 1988, e a eleição de Fernando Collor, as tensões aliviaram um pouco.
 
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Brasil e EUA se entenderam melhor no nível oficial. Mas as fricções não cessaram na área do comércio, com as frustradas negociações em torno da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Nem na área do combate ao tráfico de drogas, com a gélida recepção de Brasília às investidas de Washington na Colômbia e Bolívia, para as quais Bill Clinton esperava apoio de FHC. Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o Brasil invocou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca para dar solidariedade aos EUA. Mas se afastou do governo George W. Bush quando a guerra ao terrorismo extrapolou para o mundo árabe, como FHC deixou claro em discurso na França, em 2001.
 
No governo Lula, houve vários atritos com os EUA: o veto ao uso pelos americanos da base espacial de Alcântara, o anúncio de uma aliança militar estratégica com a França, o abrigo na embaixada brasileira dado ao presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya. O principal problema com os EUA foi o acordo entre Brasil, Turquia e Irã em 2010, sobre o programa nuclear iraniano. Ele provocou enorme reação negativa ao Brasil em Washington. Mas Lula agradou muito aos americanos ao enviar tropas para a estabilização do Haiti, a partir de 2004, e ao mediar, como fizera FHC, as difíceis relações dos EUA com a Venezuela.
 
O mais recente contencioso, ainda em curso e sem solução à vista, ocorreu com a revelação de que a NSA, a agência de inteligência americana, espionou a presidente Dilma Rousseff e empresas brasileiras. Dilma cancelou uma visita de Estado a Washington (teria sido a primeira em 18 anos), fez um duro discurso contra os EUA na ONU e preteriu a Boeing na compra dos novos caças para a FAB.
 
Neste meio século depois do golpe, apesar das desavenças governamentais, Brasil e EUA se aproximaram muito, por meio de suas sociedades. Os investimentos diretos e as exportações dos EUA aumentaram significativamente - e o Brasil passou também a ter maior presença nos EUA. Três das principais marcas de consumo para o americano comum pertencem atualmente a brasileiros: a rede de lanchonetes Burger King, a cerveja Budweiser e o ketchup Heinz.
 
A Embraer é a maior fornecedora de jatos de médio porte para empresas aéreas americanas. A Gerdau tem dezenas de usinas americanas. A JBS é dona da Pilgrims, a maior produtora de carne de frango dos EUA. A Odebrecht construiu uma das linhas de trem do aeroporto de Miami. O Brasil é o terceiro país não vizinho que mais manda turistas para os EUA, abaixo apenas de Reino Unido e Japão. Os americanos serão o maior contingente estrangeiro de torcedores na Copa. O intercâmbio de universitários entre o Brasil e os EUA teve o maior aumento já registrado na história durante o ano letivo 2012-2013.
 
Os governos brasileiro e americano podem não se dar muito bem. Mas seus povos se entendem.
Carlos Eduardo Lins da Silva é global fellow do Woodrow Wilson Center