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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Politica externa discreta e diplomacia barulhenta - Elio Gaspari

De R.Guerreiro@org para Dilma@gov
Elio Gaspari
Folha de S. Paulo e O Globo, 30/06/2014

A senhora não lembra de mim, pois ninguém lembra do Ramiro Guerreiro, prova de que fui um bom chanceler

Excelência,
Houve no Itamaraty um embaixador muito inteligente e engraçado, o Araújo Castro. Celebrizou-se pelas piadas com que feria os colegas e fez uma terrível comigo: "O Guerreiro é a única pessoa capaz de dormir durante o próprio discurso". Quando escrevi minhas memórias intitulei-as "Lembranças de um empregado do Itamaraty". Parece que o livro é muito chato. Eu diria que sou monótono.
Escrevo-lhe para dizer que esse funcionário que está hoje na chefia do ministério, o Luiz Alberto Figueiredo, foi um presente que a vida lhe deu. Em 1979, quando assumi o Ministério das Relações Exteriores, ele acabara de sair do Instituto Rio Branco. Era um terceiro-secretário, e foi cuidar de irrelevâncias como meio ambiente.
Outro dia a Corte Suprema dos Estados Unidos recusou-se a apreciar um recurso da Argentina contra uma sentença de um juiz federal que mandava pagar, ao par, aos atuais detentores de títulos caloteados em 2001 que não concordaram com a renegociação feita anos depois. Equivalem a 8% do papelório. A decisão da primeira instância é insana e poderá provocar uma moratória e travar as negociações em futuras e inevitáveis crises de crédito. Tanto é assim que o governo americano advertiu a corte para os riscos resultantes da decisão. Um pedaço da banca e o FMI também pisaram no freio. Ademais, em 1933 os Estados Unidos calotearam a conversibilidade de sua dívida em ouro. Fizeram isso com um voto do Congresso, ratificado na Corte Suprema por maioria de 5 x 4.
Até agora, o Brasil alinhou-se juridicamente com a Argentina, sem barulho. Seu governo fez isso dando voz ao embaixador nas Nações Unidas. O que me levou a escrever-lhe foi a discrição da sua diplomacia. Política externa sem charanga é tudo o que precisamos. A senhora já ouviu falar que em 1983 o presidente Reagan queria invadir o Suriname, estava com tudo pronto e mandou o diretor da CIA a Brasília para pedir apoio? Dissuadimo-lo, ajudamos a resolver a encrenca e não dissemos uma palavra. Imagine a manchete: "Brasil nega a Reagan apoio para invadir o Suriname". E depois: "Reagan cede ao Brasil e não invade Paramaribo".
A senhora imagine que, em 1982, um general megalomaníaco, apreciador de destilados, decidiu invadir as ilhas Malvinas. Nós não podíamos nos meter naquela aventura, mas também não podíamos negar solidariedade à nação amiga. (O Roberto Campos, embaixador em Londres, achava que a primeira-ministra Margaret Thatcher ia amarelar.) Sabíamos que os generais argentinos seriam postos para correr, pois só eram valentes com estudantes amarrados. Tratava-se de tirar a meia sem descalçar o sapato. Conseguimos, porque trabalhamos sem charanga.
A presidente argentina chama os fundos que compraram papéis da velha dívida de "abutres". Por muitos motivos, estamos com ela, mas não precisamos entrar nesse bate-boca. Brigar com a Argentina, só no futebol, se for inevitável.
A senhora conseguiu fazer o certo, sem pirotecnia. O Araújo Castro, incorrigível, chama os especialistas em lances diplomáticos barulhentos de "papagaios de crises". Ele lista todos os nomes. Eu não os menciono.
Respeitosamente, saúdo-a.

Ramiro Saraiva Guerreiro

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