o que andou errado, o que se
deveria corrigir? (4)
Paulo Roberto de
Almeida
Professor,
diplomata, autor do livro:
Nunca Antes na
Diplomacia...
(Appris, 2014)
Uma diplomacia simplesmente sensata e adequada ao Brasil
Aparentemente, mais até do que
problemas de ordem econômica, o Brasil parece ter perdido uma mercadoria ainda
preciosa na frente internacional, uma coisa que se chama credibilidade. É isso
que dá ficar apoiando ditaduras comunistas, violadores dos direitos humanos,
agressores dos valores democráticos e outros meliantes do mesmo tipo. Vejam
bem: temos consagrados na nossa Constituição alguns princípios que nos são
muito caros, pois lutamos muito, no passado, para assegurá-los na ordem política
interna e na nossa expressão externa: o pleno respeito dos direitos humanos,
dos valores democráticos, a condenação do terrorismo e a não intervenção nos
assuntos internos de outros países. E o que aconteceu nos últimos dez ou doze
anos? Segundo um “wikileaks” do Itamaraty, recentemente divulgado pelo grupo Anonymous, pedimos aos Estados Unidos
que retirem Cuba da lista dos países que patrocinam terroristas. Parece que somos
aliados, justamente, de alguns dos piores regimes do planeta que violam esses princípios
e valores constantemente, e ainda hoje o fazemos, numa superação da antiga
hipocrisia – que parece ser normal quando alguns desses temas são politizados
na agenda internacional – em favor de um apoio direto e solidário a essas
ditaduras.
Mais grave ainda: nossa Constituição
consagra o princípio de que qualquer acordo gravoso para o país tem de ser necessariamente
aprovado pelo Congresso, para ser plenamente válido, depois de formalmente ratificado.
Não é isso que tem ocorrido nos últimos tempos. Um outro princípio relevante da
Constituição, que é a necessária aprovação do Senado para operações financeiras
externas, também tem sido descurado em diversas ocasiões, por acaso envolvendo
algumas das mesmas ditaduras. Como é possível que empréstimos de órgãos públicos
possam ser classificados como secretos, e se eximirem, assim, do necessário
escrutínio do Congresso? Não se trata nem mais de só fazer favores a ditaduras
corruptas, mas de um desrespeito a todo o povo brasileiro – que alimenta esses
empréstimos com os seus impostos – bem como ao próprio poder legislativo, que
deveria monitorar as condições sob as quais são feitas esses generosos
empréstimos a regimes muito pouco frequentáveis nesse nosso planetinha redondo.
A credibilidade de nossa política
externa também tem sido posta à prova nesses episódios de inadimplência
negociadora: o país, que pertence a um bloco que outrora pretendia ser um
mercado comum, não consegue montar uma oferta exportadora, e concessões nas
importações, para as negociações entre o Mercosul e a União Europeia. O bloco
tampouco consegue dar início a novos processos negociadores com parceiros
promissores, e isso quando esses mesmos parceiros têm assinado acordos de livre
comércio ou de liberalização comercial com vizinhos mais ousados, ou talvez
mais inteligentes e mais abertos do que nós. Por que é que o Brasil insiste
nessa política de avestruz, se fechando ao comércio internacional, atribuindo a
outros as fontes de nossos velhos problemas internos e pretendendo voltar a
construir uma economia apenas baseada no mercado interno, quando sabemos que
esse tempo já passou? Será que os companheiros no poder pretender voltar ao
stalinismo industrial praticado em outras eras de nosso itinerário econômico?
Quando é, finalmente, que vamos
parar de sustentar ditaduras miseráveis, e regimes inviáveis, e nos
relacionarmos normalmente com as maiores democracias de mercado, atendendo de
fato ao que nos prescreve a Constituição? Quando é que vamos deixar a
introversão de lado e nos integrarmos plenamente nos circuitos da globalização
contemporânea, sem mais esses pruridos defensivos que só tem atuado para
diminuir, cada vez mais, nossa participação no comércio internacional? Quando
é, por fim, que vamos deixar de lado essa diplomacia partidária, extremamente
enviesada do ponto de vista dos interesses nacionais, e voltar às boas
tradições do Itamaraty, baseadas numa análise isenta e objetiva das realidades
externas, num tratamento profissional, tecnicamente embasado, dos itens da agenda
internacional, e numa implementação consensual de questões que deveriam nos
integrar cada vez mais ao mundo como ele, não colocar-nos à margem, e por vias obscuras,
da grande integração global que se processa sob nossos olhos mas com pouca
participação do Brasil?
Está na hora de retificar os rumos e
de realmente adotar uma política externa que seja consentânea, adequada e
condizente com o que o Brasil passou a ser depois do Plano Real: uma
democracia, ainda que com muitas falhas, fundada numa economia de mercado, e
que deve procurar defender sua estabilidade interna e sua plena integração ao
mundo contemporâneo. O Itamaraty sabe como fazer, sempre fez, mas seria preciso
deixá-lo fazer.
(Fim)
Paulo Roberto de Almeida [Portland, ME: 31/05/2014;
Hartford, CT: 19/06/2014]
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