México, Indonésia, Coreia do Sul, Turquia e Austrália vêm trabalhando na construção de uma nova concertação internacional desde o final de 2013. Batizada de MIKTA, conforme as iniciais dos países em inglês, a iniciativa começou a ser articulada nos encontros do G-20, fórum do qual os cinco países participam. O grupo, que ainda não despertou muita atenção na imprensa e entre estudiosos, já se reuniu duas vezes nos últimos seis meses e planeja manter a frequência dos encontros.
A reunião que formalizou o MIKTA ocorreu durante a 68ª Assembleia da ONU, em setembro de 2013, entre os ministros de Relações Exteriores dos cinco membros. A nota de imprensa emitida após o encontro descreveu a inciativa como “uma plataforma de colaboração e consulta informal” entre países que são “economias abertas que gozam de sistemas democráticos pluralistas” e “atores ativos em suas regiões, contribuindo significativamente para a paz regional e global”. (TURQUIA, 2013)
Os ministros dos cinco países voltaram a se reunir em 13 e 14 abril de 2014, na Cidade do México, para refinar a agenda do MIKTA. A declaração conjunta que foi emitida após o encontro detalhou o perfil dos membros do grupo:
Os ministros ressaltaram os interesses comuns de seus países e as similaridades na representação de economias abertas que promovem o livre comércio e o investimento estrangeiro; são grandes democracias e economias resistentes com potencial para altas taxas de crescimento; têm mercados domésticos fortes, inflação moderada e populações com poder aquisitivo crescente. (TURQUIA, 2014)
Segundo a declaração, o MIKTA servirá como um espaço de diálogo contínuo sobre temas de segurança, governança global, comércio e desenvolvimento. No encontro, foram debatidas as situações da Síria, da Ucrânia e da península coreana, além de assuntos como a agenda do desenvolvimento pós-2015, segurança cibernética, mudanças climáticas, migrações e a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Em poucos dias após o encontro no México, o MIKTA lançou um artigo na imprensa internacional, assinado pelos cinco ministros – José Meade (México), Marty Natalegawa (Indonésia), Yun Byung-se (Coreia do Sul), Ahmed Davutoglu (Turquia) e Julie Bishop (Austrália). Intitulado “MIKTA: uma força para o bem”, o artigo descreve novamente o grupo como um conjunto de países dotados de democracia e economia liberal, duas características que parecem conformar a essência da sua identidade.
Essa apresentação sinaliza duas intenções complementares do MIKTA: agradar ao Ocidente e rivalizar com os BRICS. O grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul ganhou destaque nas relações internacionais ao se posicionar como um representante dos países emergentes na relação com o Ocidente. O MIKTA parece querer disputar essa posição. Ao salientar as credenciais da democracia e do livre mercado, o grupo busca ter maior legitimidade do que os BRICS diante dos governos ocidentais e do mercado financeiro internacional.
Um antagonismo entre as duas concertações é evidente na esfera econômica. O neoliberalismo que o MIKTA defende é uma alternativa ao desenvolvimentismo que os BRICS propõem como o modelo de desenvolvimento capitalista mais adequado para os países do Sul. Tal posição dos BRICS foi explicitada em uma conferência do bloco realizada de 20 a 23 de maio de 2014, no Rio de Janeiro, entre intelectuais dos cinco países. No encontro, foi elaborado o Consenso do Rio – em uma clara alusão ao Consenso de Washington –, que critica abertamente a política econômica neoliberal:
No campo econômico e social, é indiscutível que os países BRICS estão tendo um desempenho superior ao dos países industrializados avançados, cujas elites ainda teimam, para pagar menos impostos, em manter o receituário do Estado mínimo e da autorregulação dos mercados – não obstante o colapso dessas teses no bojo da crise em curso. (JORNAL DO BRASIL, 2014)
O Consenso do Rio exalta a presença do Estado na economia para garantir o pleno emprego, a redução da pobreza e a sustentabilidade ambiental. Em uma lista de doze itens, inclui a defesa de uma “forte presença reguladora do governo central na economia”, uma “presença de fortes empresas estatais estratégicas”, um “forte sistema de bancos públicos de desenvolvimento” e um “controle de capitais para evitar ondas financeiras especulativas”. (JORNAL DO BRASIL, 2014)
A concepção de desenvolvimento do MIKTA poderá ter uma influência direita dentro do G-20, onde BRICS e G7 se opõem em diversos assuntos. O MIKTA tem potencial para se tornar o conjunto de votos decisivo nas discussões do fórum. Dado o perfil do grupo, é mais provável que ele se alinhe às posições do G7, o que representaria um novo desafio aos interesses do BRICS. (TOLORAYA, 2013)
A apresentação do MIKTA como um defensor do liberalismo político e econômico entre as nações subdesenvolvidas o habilita a reivindicar do Ocidente uma maior importância no sistema político internacional. O artigo lançado pelos cinco ministros em abril de 2014 destaca o papel que o grupo pode desempenhar na estabilidade mundial a partir da atuação regional:
Atores regionais emergentes estão adquirindo um novo protagonismo. A paz e a estabilidade global residem cada vez mais no aproveitamento dos interesses regionais e dos acordos globais. […] O MIKTA é formado por atores regionais importantes, cuja contribuição ativa é essencial para a busca de soluções aos problemas de natureza regional. […] Estamos estrategicamente localizados e fortemente conectados com nossas regiões circundantes em todos os aspectos. […] Todos consideramos a “apropriação regional” [“regional ownership”] como chave. (EXCELSIOR, 2014)
Em uma conjuntura na qual os Estados Unidos buscam aliados regionais que defendam seus interesses, os cinco países se apresentam como parceiros confiáveis. Na Ásia, o MIKTA apoia o balanceamento que Washington tenta construir contra a China. Austrália e México participam das negociações da Parceria Transpacífica, à qual Indonésia e Coreia do Sul já manifestaram interesse em aderir. No Oriente Médio, a diminuição da presença militar dos Estados Unidos nos próximos anos eleva a importância da Turquia, segundo maior exército da OTAN, como estabilizadora regional. Na América Latina, o México capitaneia a Aliança do Pacífico, lembrança de uma ALCA que enfraquece a unidade sul-americana que o Brasil vem construindo nos últimos anos.
Além do plano político regional, o MIKTA também reivindica mais espaço no nível internacional. Na reunião do grupo realizada em abril de 2014, a reforma do Conselho de Segurança da ONU esteve na pauta de discussão. Coreia do Sul, Turquia, México e Indonésia são membros do “Uniting for Consesus”, grupo que pede a criação de dez assentos não-permanentes com possibilidade de reeleição. A Austrália, ao que parece, passará a apoiar essa posição. A proposta rivaliza com aquelas defendidas por Brasil, Índia e África do Sul, uma vez que o G-4 e a União Africana pedem o aumento de assentos permanentes no órgão.
Os tempos são favoráveis para que o MIKTA ganhe o apreço do Ocidente. Na medida em que os BRICS conseguiram se firmar com relevância no sistema internacional, o novo grupo surge como um adversário às suas posições políticas e econômicas. Em troca da defesa do modelo ocidental, abalado após a maior crise financeira da história, o MIKTA pede o apoio das nações mais industrializadas às suas políticas regionais e à reforma do Conselho de Segurança nos seus termos. (Cf. STUNKEL, 2014)
Novos encontros da iniciativa já estão programados. No comunicado lançado em abril de 2014, estão previstas três reuniões ministeriais dentro de um ano: em setembro, durante a 69ª Assembleia Geral da ONU; em novembro, durante a Cúpula do G-20, que será realizada na Austrália; e uma terceira, a ser organizada no primeiro semestre de 2015 pela Coreia do Sul. Ao menos no curto prazo, o MIKTA indica que veio para ficar.
Fontes
EXCELSIOR. MICTA, una fuerza para el bien. Publicado em 21 de abril de 2014. Disponível emhttp://www.excelsior.com.mx/opinion/mexico-global/2014/04/21/954975. Acesso em 9 de junho de 2014.
JORNAL DO BRASIL. Consenso do Rio: Brics abrem caminho para desenvolvimento sustentável. Publicado em 24 de maio de 2014. Disponível emhttp://www.jb.com.br/economia/noticias/2014/05/24/consenso-do-rio-brics-abrem-caminho-para-desenvolvimento-sustentavel/. Acesso em 10 de junho de 2014.
STUNKEL, Oliver. Can the BRICS avoid the “Power South vs. Poor South” Dynamic? Post Modern World, 20 de junho de 2014. Disponível emhttp://www.postwesternworld.com/2014/06/20/avoid-south-dynamic/. Acesso em 21 de junho de 2014.
TOLORAYA, Georgy. MIKTA – Is It a New Element of the Global Governance Structure? Publicado em 23 de dezembro de 2013. Disponível emhttp://russiancouncil.ru/en/inner/?id_4=2893#top. Acesso em 11 de junho de 2014.
TURQUIA. Nota de imprensa após encontro na ONU. Publicado em 26 de setembro de 2013. Disponível emhttp://www.mfa.gov.tr/no_-254_-26-september-2013_-press-release-regarding-the-mikta-initiative.en.mfa. Acesso em 9 de junho de 2014.
_________. Declaração conjunta após encontro no México. Disponível emhttp://www.mfa.gov.tr/joint-communique-of-the-ministers-of-foreign-affairs-of-mexico_-indonesia_-the-republic-of-korea_-turkey-and-australia-_mikta__.en.mfa. Acesso em 9 de junho de 2014.
Diogo Ives é graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (diogoiq@hotmail.com)
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