Por Marli Olmos | De Buenos Aires
Valor Econômico, 16/06/2014
Em discurso em plenária na sede das Nações Unidas, em Nova York, o ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, reiterou ontem o pedido do governo para que o juiz federal dos EUA Thomas Griesa suspenda a sentença favorável ao grupo de credores que não participam da dívida reestruturada para que o país tenha tempo para negociar com esses fundos hedge. Kicillof conseguiu apoio unânime dos representantes do G-77, o grupo dos países em desenvolvimento, que demonstraram preocupação com o futuro de suas dívidas reestruturadas.
Kicillof destacou a situação de "emergência" pela qual passa a dívida do país e afirmou que existe "boa fé" do governo para cumprir com as obrigações. "É um caso insólito. Empurram a Argentina a um novo default", disse.
Segundo o ministro, a Argentina pediu a suspensão da sentença para poder efetuar o próximo pagamento da dívida reestruturada, que vence dia 30 e soma US$ 900 milhões. "Mas não obtivemos nenhuma resposta", destacou ao acrescentar que a situação pode levar o país ao default técnico. "Estamos à beira de um abismo."
"Se até segunda-feira o juiz dos EUA não suspender a sentença, nossa situação é complexa porque abre precedente para que outros cobrem US$ 15 bilhões. É metade das reservas do país", destacou.
Em uma apresentação recheada com gráficos, Kicillof disse que a dívida que estourou em 2001 começou em 1976. "O dinheiro não foi usado para obras em benefício da população. Foi uma ditadura militar sangrenta que iniciou esse processo. Esse ciclo que terminou em 2001 foi um endividamento que provocou queda de 18% no salário real e de mais de 10% no Produto interno Bruto. A única coisa que cresceu nesse período foi a pobreza no país", disse.
O ministro lembrou que o problema não acaba com o pagamento aos fundos. "A história não termina aí. Se a Argentina pagar U$$ 1,5 bilhão [que deve ao grupo que venceu a batalha na Justiça americana] e mais os US$ 15 bilhões [aos demais fundos hedge que não participaram da restruturação] todos os que aceitaram a reestruturação vão pedir também. É lógica pura. Mas funciona de forma perversa", afirmou. "Digam-me se essa sentença não é uma maneira de jogar água abaixo nossa bem-sucedida reestruturação?", questionou.
Presente na apresentação de Kicillof, o representante permanente do Brasil na Organização das Nações Unidas, Antonio Patriota, disse que apoia a posição da Argentina de tentar negociar com a Suprema Corte dos Estados Unidos a suspensão da sentença que obriga o governo argentino a ceder às exigências dos fundos hedge.
Os advogados da Argentina e dos fundos que não concordaram com a reestruturação da dívida do país se encontraram na terça-feira "por várias horas" com Daniel Pollack, indicado por Griesa para mediar as negociações entre as partes, sem chegar a uma solução.
Em declaração divulgada ontem, Pollack, sócio do escritório McCarter & English, afirma que também houve contato com os advogados por telefone ao longo das últimas 48 horas. Segundo a nota de Pollack, as partes concordaram em manter confidencial a "substância das discussões, para facilitar a possibilidade de uma solução futura".
(Colaborou Sergio Lamucci, de Washington)
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Argentina blinda ativos para evitar arresto pelos credores
Por Fabio Murakawa | De São Paulo
Enfrentando processo nos EUA, o governo argentino adotou nos últimos anos uma série de medidas preventivas para dificultar o arresto de seus ativos no exterior, disseram advogados e economistas ouvidos pelo Valor. Isso está ligado ao calote dado pelo país em 2001, que desaguou no imbróglio envolvendo os "holdout" - os fundos que conseguiram bloquear na Justiça americana o pagamento dos credores que aceitaram a restruturação da dívida do país.
Uma sentença proferida pelo juiz Thomas Griesa em 2013, e contra qual Buenos Aires recorreu sem sucesso à Suprema Corte americana, deixou aberta a porta para que os "holdout" embargarem ativos do Estado argentino no exterior. Mas, segundo fontes, o governo montou uma blindagem para evitar que isso ocorra.
Todas as reservas do Banco Central do país, por exemplo, se encontram no BIS, em Basileia, considerado o BC dos BCs, o que torna praticamente impossível qualquer interferência nesses ativos, diz o advogado Marcelo Etchebarne, que foi assessor do banco UBS durante o processo de reestruturação da dívida do país. Além disso, o pagamento aos detentores dos títulos da dívida emitidos hoje pelo país são feitos na Argentina. Assim, uma medida judicial poderia impedir o pagamento a credores no exterior, mas não embargá-lo.
Os ativos do Anses, que é o fundo estatal de pensão, também estão inteiramente na Argentina. O fundo, de 400 bilhões de pesos (cerca de US$ 50 bilhões no câmbio oficial), livrou-se totalmente de ativos no exterior depois que Anses teve uma conta no Citibank congelada nos Estados Unidos, também a pedido dos "holdout". O juiz que proferiu a sentença à época também foi Griesa, o mesmo que determinou que o país não pode continuar pagando os que aceitaram a reestruturação sem pagar os "holdout".
"Há muitas medidas como essas, e o resultado está à vista. Os 'holdout' precisaram recorrer ao bloqueio de pagamento de credores reestruturados a fim de coagir a Argentina, mas não conseguiram embargar nenhum ativo", afirma Etchebarne.
Além disso, as ações da Aerolineas Argentinas, maior empresa de aviação do país, estatizada em 2008, ainda não estariam registradas em nome do Estado. Uma alternativa seria tentar o embargo de aeronaves da companhia. Mas a maioria delas opera por meio de contratos de leasing.
O jornal argentino "La Nación" disse na semana passada que as ações que a Anses possui em cerca de 30 empresas listadas em bolsa também poderiam ser objeto de arresto. Assim como as ações que o governo possui na petrolífera YPF, listadas na bolsa de Nova York.
"A Argentina está bem blindada, mas ainda há ativos embargáveis", diz Lorenzo Sigaut, economista-chefe da consultoria portenha Ecolatina. "De qualquer maneira, não vejo isso acontecer. [A possibilidade de embargo] é uma ferramenta a mais para pressionar o governo."
Etchebarne lembra outra famosa história de embargo de bem argentino no exterior: a retenção da fragata Libertad em Gana, em 2012, a pedido dos "fundos abutre", alcunha dada aos "holdout" por Buenos Aires. O navio-escola da Marinha argentina ficou retido no país africano entre
8 de outubro e
19 de dezembro daquele ano. O Tribunal Internacional do Direito do Mar deu ganho de causa a Buenos Aires, mas o episódio rendeu uma grande dor de cabeça e uma péssima exposição internacional ao governo argentino.
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