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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro? - Rodrigo Tavares (FSP)

Um professor catedrático convidado numa universidade portuguesa consultou-me sobre a dívida externa do Brasil na interação com Portugal na época da independência; eu disse tudo o que sabia naquele momento, sem consultar meus escritos a esse respeito. PRA

 

PORTUGAL  UNIÃO EUROPEIA



Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro?

Rompimento foi oficializado em 1825, mas verdadeira independência só veio décadas depois

Rodrigo Tavares

Folha de S. Paulo, 7.fev.2024 às 17h00

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/rodrigo-tavares/2024/02/brasil-teve-de-pagar-por-sua-independencia-como-portugal-usou-o-dinheiro.shtml

 

Após 1822, Portugal lutou de todas as formas possíveis, durante alguns anos, contra a independência do Brasil. Mas o que fizeram os portugueses quando, por pressão inglesa, finalmente aceitaram a perda da colônia e firmaram o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, em 1825? Celebraram com júbilo. Um aviso do governo (versão original disponível aqui) convocou a corte para uma "grande galla", deram-se férias aos tribunais e iluminou-se toda a cidade de Lisboa ("luminarias geraes").

Ata que convocou a corte portuguesa para a 'grande galla' – Reprodução colunas e blogs

 

O Brasil teve de pagar por sua independência. O valor total foi 2 milhões de libras esterlinas, o que incluiu a amortização de um empréstimo de 1,3 milhão de libras contraído por Portugal, em 1823, junto a bancos ingleses da família Rothschild, precisamente para custear a guerra que travou contra o Brasil para anular a sua independência. A dívida era portuguesa, mas o Tesouro brasileiro foi obrigado a assumi-la. Além disso, como constava no tratado, dom João 6°, rei de Portugal, manteve, inusitadamente, o título de imperador do Brasil. Por isso os portugueses celebraram.

Ao nascer, o Brasil foi amamentado com dívidas. Mesmo antes do tratado, contraiu empréstimos, em 1822 e 1824, destinados à "aquisição de vasos de guerra" e ao pagamento de passivos do período colonial, apresentando como garantia as rendas da Província do Rio de Janeiro.

Para construir uma memória do Brasil independente, a narrativa oficial enfatizou o corte político, o grito patriótico do novo líder, o brio de uma nova nação. Porém, o Brasil manteve o cordão umbilical financeiro com Portugal por muitos anos.

Além de assumir a dívida de Portugal com bancos ingleses, a reparação a Portugal envolveu vários outros parâmetros, como uma indenização de 250 mil libras a dom João 6° pela perda das suas propriedades particulares existentes no Brasil; a compensação pelos bens confiscados ou destruídos de outros portugueses que voltaram a Portugal (e para esse efeito foi criada em 1827 uma comissão mista que acolheria as reclamações dos súditos de governo a governo); as despesas com o transporte de tropas durante a guerra de independência; o pagamento de uma frota de navios de guerra que ficaram no Brasil (7 naus, 9 fragatas, 12 corvetas, 16 brigues, 8 escunas, 4 charruas e 5 navios-correios).

Quadro 'Independência ou Morte', de Pedro Américo, no Museu do Ipiranga - Eduardo Knapp/Folhapress

Nesse pacote incluiu-se também os recursos autorizados pelo governo brasileiro para custear a guerra movida por dom Pedro 1° a seu irmão dom Miguel, após ter abdicado em 1831 do trono brasileiro. Incestuosamente, foi o Brasil que teve de pagar para que o seu antigo imperador fosse rei no país contra o qual tinha lutada pela independência.

Quando dom João 6° voltou a Portugal, em 1821, a maior parte da moeda de ouro e de prata existente foi levada no barco, ficando o Tesouro Público "sem real em seus cofres" (expressão do então ministro da Fazenda, Martim Francisco Ribeiro de Andrada). A dívida com Portugal após a independência só agravou ainda mais uma situação que já era espinhosa. Ao todo, foram contraídos 15 empréstimos entre 1824 e 1888, alguns com deságios de 35%, usados tanto para satisfazer os déficits dos ministérios da Fazenda, da Marinha e da Guerra quanto para pagar a dívida lusa. A relação do Tesouro brasileiro com a família Rothschild manteve-se intacta até às primeiras décadas do século 20em 1855, tornaram-se os agentes exclusivos do Estado brasileiro.

O pagamento da dívida total não foi nem imediato nem fácil. Tiveram de ser adotadas três convenções: a "convenção direta e especial" de 1825 (o instrumento de ratificação original está disponível nos arquivos nacionais de Portugal), uma convenção sobre a liquidação final de contas em 1840 (cujo documento de ratificação é visível aqui) e, finalmente, uma "convenção para o ajuste de contas pendentes" em 1842 (consultável aqui).

Em 1828, o Brasil deu o primeiro calote ao pagamento da dívida. Pela convenção de 1825, a dívida teria que ser paga em quatro parcelas. Não aconteceu. As negociações relativas à amortização tornaram-se cada vez mais complexas, estendendo-se pelo menos até 1860, quando "caíram no esquecimento" causado pelo desgaste.

Quatro acadêmicos portugueses e brasileiros consultados pela coluna, especialistas em dívida pública dos dois países no século 19, indicaram que não é claro quanto tempo o Brasil demorou a pagar a dívida original a Portugal (e à família Rothschild). Pela convenção de 1842, teria que ser amortizada até 1853. Porém, como declarou Marcelo de Paiva Abreu, professor-titular na PUC-Rio, "tipicamente o Brasil em meados do século 19 tomava novos empréstimos para saldar os velhos empréstimos quando venciam os prazos iniciais." Torna-se assim difícil determinar quando é que a dívida a Portugal foi quitada.

Além disso, não há evidências de que Portugal tenha adiantado quantias devidas pelo Brasil e, posteriormente, recebido reembolso, como nota Nuno Valério, professor catedrático da Universidade de Lisboa e um dos maiores especialistas em história econômica portuguesa.

Paulo Roberto de Almeida reforça que, para sabermos se o Tesouro brasileiro pagou a indenização a dom João 6° pela perda das suas propriedades no Brasil, teríamos que examinar os relatórios do Ministério da Fazenda e, se existirem, os registros do Tesouro nos anos subsequentes a 1825, "uma tarefa monstruosa e quase impossível de ser feita." Almeida é autor do livro Formação da Diplomacia Econômica do Brasil: as Relações Econômicas Internacionais no Império (Brasília: Funag, 2017).

O mal de uns é o bem de outros. O pagamento da dívida brasileira foi essencial para que Portugal pudesse reorganizar as suas finanças. A primeira metade do século havia sido dramática. As guerras com a França revolucionária e imperial (1793-1795, 1801 e 1807-1814) pilharam o país. A guerra civil entre absolutistas e liberais, que assolou Portugal entre 1832 e 1834, afundou-o ainda mais. Foi àquela altura que houve as primeiras suspensões de pagamentos dos encargos com a sua dívida pública, em 1837 e em 1846. Durante o reinado de dona Maria 2ª (1834-1853), Portugal teve 27 ministros da Fazenda.

É dessas cinzas que ascende em Portugal um dos seus mais importantes políticos daquele século: António Fontes Pereira de Melo (1819-1887). Foi ministro das Obras Públicas e presidente do Conselho de Ministros, uma espécie de primeiro-ministro da altura. Hoje dá o nome a uma das principais avenidas de Lisboa.

Foi ele que encabeçou o "fontismo", um período marcado pelo início de um grande programa de obras públicas sustentado no liberalismo econômico. Para investir em infraestrutura, Portugal teve, primeiro, de sanear as contas públicas, beneficiando-se, para isso, do pagamento ao longo dos anos da dívida brasileira. O pagamento, por parte do Brasil, do empréstimo de 1823 aos credores privados ingleses melhorou a credibilidade de Portugal nos mercados. Conseguiu, assim, reestruturar a sua dívida externa e continuar a financiar-se internacionalmente.

Com isso, construíram-se as primeiras ferrovias (a primeira é de 1856), alargou-se a malha viária (de 200 km existentes em 1850 para 10 mil km em 1890), os portos foram modernizados e toda a costa portuguesa foi robustecida com uma rede de faróis. Construíram-se escolas públicas por todo o país.

Além disso, os telégrafos surgiram em 1850 e o telefone, em 1882. O país apresentou taxas de crescimento relevantes, com um rendimento per capita equivalente a 77% da média europeia. Até que perdeu a mão, ficou demasiado alavancado e entrou em colapso financeiro no final do século. Faltou ainda fazer muita coisa. A sociedade manteve-se sobretudo rural e o analfabetismo rondava os 79% em 1890.

Essa rede de infraestrutura ainda está ativa. Uma das linhas de trem construídas durante o "fontismo", que une Lisboa a Sintra, é ainda hoje usada diariamente por 200 mil passageiros, incluindo milhares de brasileiros.

Uma das escolas construídas por Fontes Pereira de Melo foi o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que mais tarde deu origem ao Instituto Superior Técnico (IST) e ao Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg), ambos da Universidade de Lisboa, onde atualmente estudam dezenas de milhares de brasileiros.

Seria um exagero inferir que os brasileiros residentes em Portugal se beneficiam do pagamento pelo Brasil da dívida a Portugal. A história não é assim tão justa e a economia não é circular. Mas é, sim, possível concluir que a dívida brasileira prejudicou a nova nação e promoveu o desenvolvimento econômico da velha. O Brasil só se tornou verdadeiramente independente de Portugal muitas décadas depois da independência no papel.

Esse papel foi o Tratado de Paz, Amizade e Aliança firmado pelos representantes dos dois países em 29 de agosto de 1825. Dom Pedro 1° ratificou-o no dia seguinte, mas o manteve secreto até setembro. Enquanto em Portugal o tratado foi celebrado com júbilo público, no Brasil tentou-se esconder o documento para não causar nenhuma decepção.

Para uma descrição detalhada das negociações financeiras entre Portugal e o Brasil no século 19, recomendo: Teixeira Soares (1972), "O Reconhecimento do Império do Brasil", Revista de Ciência Política, Vol. 6 (3), p. 43-64; e Daniel Valle Ribeiro (1978), "A Mediação Inglesa no Reconhecimento da Independência do Brasil", Estudos Ibero-Americanos IV.

 

 


sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Venezuela: a confusa situacao de sua divida externa (Financial Times)


EUA, Rússia e China fazem suas apostas na crise da Venezuela

John Paul Rathbone e Robin Wigglesworth | 
Financial Times, de Miami e Nova York
Valor Econômico, 23/11/2017

Na semana passada, a convite do presidente Nicolás Maduro, um grupo de credores internacionais esteve em Caracas para iniciar o que vem sendo classificado de a mais complicada reestruturação de dívida do mundo, além de uma das maiores e certamente uma das mais estranhas.
Ressaltando o contraste de uma economia amparada pelas maiores reservas de petróleo do mundo, mas à beira do colapso, o governo Maduro estendeu um tapete vermelho para seus convidados e posicionou uma guarda cerimonial.
A Venezuela busca uma solução que seja boa para todos, disse o vice-presidente, Tareck El Aissami, aos investidores. O país continuará pagando a sua dívida externa, de US$ 150 bilhões, assegurou, embora agências de classificação de risco estivessem emitindo alertas de calotes enquanto ele falava. O pronunciamento terminou meio hora depois. Os participantes saíram com presentes, como pacotes de café e chocolates finos, mas sem nenhum esclarecimento. O governo declarou a reunião um sucesso.
"Estamos todos tentando descobrir se há um método nessa loucura da Venezuela", diz Peter West da consultoria EM Funding. "Se você estiver um pouco confuso... não se sinta mal", acrescentou Russ Dallen da Caracas Capital, um especialista na dívida da Venezuela.
A confusão deriva, em parte, da complexidade das obrigações da Venezuela, que foram emitidas por várias entidades, com várias cláusulas legais, para múltiplas partes. O país deve US$ 64 bilhões a detentores de bônus, mais de US$ 20 bilhões aos aliados China e Rússia, US$ 5 bilhões a credores multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e dezenas de bilhões a importadores e firmas de serviços que mantêm a crucial indústria do petróleo funcionando e o regime respirando.
As incertezas resultam da noção de que a Venezuela embarcou num "plano de reestruturação" clássico. Caracas não está iniciando um exercício de reescalonamento da dívida, sustentabilidade e outras medidas que geralmente marcam uma renegociação. Em vez disso, o país começou um jogo de pôquer sem limite de apostas.
Com exceção dos detentores de bônus, para outras cinco partes interessadas- governo, oposição, EUA, Rússia e China - o prêmio vai muito além do dinheiro. Está em jogo a sobrevivência política de um governo, o destino de 30 milhões de cidadãos venezuelanos e os interesses geopolíticos conflitantes de três superpotências.
"É um jogo complexo com muitos jogadores, e que poderá ter um resultado ruim", diz Robert Kahn, ex-funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI) e veterano de outras crises de dívidas soberanas. "Além disso, muitos dos jogadores não conhecem nem entendem as motivações dos demais."
O governo Maduro quer apenas sobreviver. Ele teme que os detentores de bônus, que querem apenas ser pagos, possam confiscar suas cargas de petróleo no caso de um default, tirando de Caracas a sua única fonte de receitas. Entre as superpotências, Washington quer abreviar um regime envolvido com o tráfico de drogas, que possui reservas de petróleo avaliadas em US$ 15 trilhões e distante só três horas de avião dos EUA.
Moscou tenta transformar Caracas numa base avançada nas Américas. Os interesses da China são mais comerciais: por ter emprestado a Caracas mais de US$ 60 bilhões na última década, Pequim quer manter acesso às enormes reservas de energia da Venezuela.
Contribuindo para a complexidade estão as regras - ou ausência delas. Todos os bônus da Venezuela no mercado externo estão submetidos às leis de Nova York. Mas a presença da Rússia e da China no jogo é um complicador a mais numa reestruturação que será, ao menos parcialmente, conduzida fora do FMI ou do Clube de Paris.
Depois, há o fato de os dois venezuelanos encarregados de conduzir o processo, El Aissami e Simon Zerpa, o ministro de Economia, serem alvos de sanções dos EUA acusados de tráfico de drogas e de casos de abusos dos direitos humanos. A nomeação dos dois indica que Caracas se imagina operando num universo legal paralelo - como demonstra o jogo de pôquer que se desenrola.
Uma das poucas coisas que estão claras nesse exercício de blefes é que a Venezuela não pode mais arcar com sua dívida. Há dez anos, em meio ao boom dos preços das commodities, a Venezuela recebeu de um fluxo extraordinário de petrodólares estimado em US$ 1 trilhão. Com ajuda de Wall Street, Caracas emitiu mais de US$ 50 bilhões em bônus. Junto com o dinheiro dos chineses e outros empréstimos, isso quadruplicou a dívida externa. Grande parte do dinheiro se perdeu ou foi roubado - até US$ 300 bilhões, segundo ex-ministros. Agora, Caracas está sem recursos.
As reservas internacionais estão abaixo de US$ 10 bilhões, perto do menor patamar em 20 anos. As importações caíram 85% em cinco anos, algo muito pior que o mais austero dos programas do FMI. No mercado paralelo, a taxa de câmbio está 7.000 vezes acima da taxa oficial, e a produção média diária de petróleo - a única fonte de divisas estrangeiras - encolheu 20% em relação ao ano passado.
Além disso, a Venezuela sofre com a hiperinflação, com os preços subindo mais de 50% só no mês passado. Nenhuma economia consegue sobreviver à hiperinflação por muito tempo. Com o calote da dívida à vista, mudanças podem estar chegando para a Venezuela.
Certamente é isso que a oposição espera. Embora abalada e dividida, ela é uma carta potencialmente forte nesse jogo. Sanções impedem instituições dos EUA de negociar emissões da dívida refinanciada da Venezuela, o que efetivamente torna impossível uma reestruturação. A única exceção é se a dívida for autorizada pela Assembleia Nacional, controlada pela oposição.
Em tese, isso abre a possibilidade de uma barganha política que poderia resultar numa mudança mais profunda. A oposição poderia aprovar um refinanciamento da dívida. Em troca, o governo permitiria eleições presidenciais livres, justas e monitoradas internacionalmente no ano que vem.
Se o governo está preocupado, até agora não deu muitos sinais disso. Além disso, Maduro tem bons motivos para achar que pode blefar com os EUA, com a oposição e com os detentores de bônus.
Aconselhado pela inteligência cubana, que por sua vez foi instruída pelos soviéticos, Maduro exerce um domínio "orwelliano" sobre o país. À parte a Assembleia Nacional, todas as demais instituições estão o sob seu controle - incluindo a Suprema Corte, a imprensa, a autoridade eleitoral e os militares.
Há escassez de alimentos - e grande parte do que está disponível é distribuído por meio de um programa estatal subsidiado, que Maduro pode usar para coagir o apoio público. A oposição está exausta depois que as manifestações em massa deste ano não produziram mudanças, apesar dos mais de 100 mortes. Começa até mesmo a surgir uma "oposição fiel", cooptada pelo governo.
"Tudo isso deixar o presidente Nicolás Maduro numa posição confortável" e também "reduz significativamente as chances de uma mudança de regime", escreveu Risa Grais-Targow, da consultoria de risco Eurasia.
Deve ser por isso que Maduro iniciou as discussões sobre a dívida em primeiro lugar. Mesmo um calote não seria necessariamente o fim. Ele poderia usar os US$ 9 bilhões previstos de serviço da dívida em 2018 para dobrar a importação, aumentando assim suas chances na eleição do ano que vem. Enquanto isso, seus advogados trabalhariam para rebater as queixas dos investidores nos tribunais.
"O governo jamais irá negociar se não achar que essa será a sua melhor operação", diz um analista a par da situação. "E esse momento ainda não chegou."
Apesar da escassez de divisas, Caracas continua pagando os credores privados, ainda que de maneira irregular, graças à generosidade de Moscou e Pequim.
Na semana passada, a Rússia reestruturou sua dívida bilateral de US$ 3,5 bilhões com a Venezuela, liberando recursos para Caracas pagar outros credores. A China, embora relute em aumentar sua exposição de cerca de US$ 20 bilhões à Venezuela, também parece preferir o status quo político.
"A Venezuela é um atoleiro para a China", diz Margaret Myers, uma especialista em China do instituto Inter-American Dialogue, de Washington. "Mas a sensação geral é que Pequim vai desembolsar outros US$ 4 bilhões ou coisa parecida para a Venezuela neste ano, por meio do fundo estabelecido em joint-venture pelos dois países. Mas a China não irá além disso."
Este promete ser um jogo de pôquer exaustivo. Mas haverá um ajuste de contas. A hiperinflação venezuelana e a contínua queda na produção de petróleo serão responsáveis por isso. Nem Moscou, nem Pequim continuarão reestruturando a dívida da Venezuela indefinidamente enquanto investidores em bônus continuam sendo pagos. Quando esse momento chegar, os outros jogadores terão de arriscar tudo, ou ceder.
Os EUA poderão ser os primeiros a subir a aposta. O país poderá ampliar a proibição de viagens e o congelamento de ativos de autoridades venezuelanas. Também poderá emitir sanções secundárias contra companhias de petróleo russas e bancos chineses que negociam com a Venezuela, assim como tem feito com empresas que têm negócios com a Coreia do Norte. A maior sanção de Washington seria a "opção nuclear" de proibir a importação de 600 mil barris de petróleo/dia da Venezuela.
Quanto aos detentores de bônus, em algum momento eles terão de decidir se vão esperar para receber propostas de reestruturação do governo da Venezuela ou elaborar suas próprias propostas.
Em caso extremo, isso significaria o confisco de cargas de petróleo. Se essa estratégia for bem-sucedida, Maduro enfrentaria uma escolha difícil. Ele poderia desistir e fugir para o exílio em Cuba - uma saída já sugerida a Havana por diplomatas latino-americanos. Ou, ele poderia resistir e reprimir uma instabilidade social crescente. O papel dos militares seria então crucial: eles continuam leais a Maduro, mas isso pode não durar para sempre - como mostrou o Zimbábue recentemente.
As apostas foram feitas. O jogo será difícil, mas os retornos são potencialmente altos. Isso se aplica especialmente àqueles investidores dispostos a suportar uma batalha como a que produziu lucros descomunais para vários "fundos abutre" que compraram títulos da dívida da Argentina na reestruturação de US$ 100 bilhões em bônus do país, e então entraram com processos buscando o reembolso integral ao preço nominal.
"No fim, eles vão ganhar mais dinheiro na Venezuela do que ganharam na Argentina", diz Hans Humes, presidente da Greylock Capital, que está formando uma comissão de investidores. As consequências geopolíticas e humanitárias deverão ser ainda maiores. 

(Tradução de Mario Zamarian)


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Divida Externa: relembrando o calote da Argentina em 2001

Argentina declara moratória em 2001 e dá o maior calote da História, de US$ 102 bi
Em meio a suspensão do pagamento da dívida externa, confiscos, saques e violentos protestos de rua, colapso econômico fez país perder 20% do PIB em apenas quatro anos

Fonte: Acervo O Globo

Após uma década de estabilidade e aparente prosperidade alcançadas com o câmbio artificialmente fixo, a Argentina declarou moratória em dezembro de 2001. Era o sinal mais evidente de que a lei da conversibilidade, de 1991, do governo de Carlos Menem, estava ruindo. Instituída pelo Plano Cavallo (elaborado pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, para deter a inflação), a paridade dólar-peso — cada peso respaldado por um dólar — estava com os dias contados. A dívida externa do país, pública e privada, havia disparado: de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 146 bilhões dez anos depois, segundo o instituto Indec. Acumulando déficits externos, com exportações insuficientes para honrar seus compromissos e parcas reservas cambiais (despencaram para US$ 16 bilhões), o país quebrou.

Abalado por uma grave crise econômica e social, o governo argentino anunciou às vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro de 2001, a suspensão por tempo indeterminado do pagamento da dívida externa. A decisão foi tomada pelo novo presidente, Adolfo Rodríguez Saá, do Partido Justicialista (PJ, peronista), escolhido pelo Congresso. O calote da dívida externa pública superava US$ 102 bilhões, o maior da História. O cálculo contabilizava US$ 82 bilhões envolvidos na moratória, além dos juros somados ao principal. Sem conseguir novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina, ao declarar moratória, entrava em rota de colisão com seus credores e o mercado financeiro mundial.

O embate iniciado em 2001 com os credores da dívida externa — renegociada só em 2005 no governo de Néstor Kirchner (sucessor de Eduardo Duhalde) — afeta até hoje a credibilidade do país. Na reestruturação da dívida na gestão Kirchner, o governo acertou pagar só 25% do devido aos banqueiros e fundos internacionais. Não é à toa que, nos últimos anos, o governo argentino se viu em dificuldades para voltar a obter financiamentos externos e estimular a sua economia. O calote também acabou respingando em seus parceiros comerciais no MERCOSUL, como o Brasil.

Após a renúncia do presidente Fernando De la Rúa, e a passagem relâmpago pela Casa Rosada de Ramón Puerta, presidente do Senado, Rodríguez Saá representava a volta do peronismo após dois anos afastado do poder. No dia de sua posse, ele anunciou um pacote de medidas, incluindo a emissão de títulos públicos — o que, na prática, significava a criação de uma terceira moeda (não conversível ao peso e ao dólar). Com isso, também fazia uma desvalorização cambial disfarçada, ao emitir títulos públicos para pagar servidores e impostos. Também anunciou a venda de carros e aviões oficiais, a eliminação de ministérios e o confisco parcial, impedindo o argentino de retirar depósitos bancários a prazo fixo e outros tipos de aplicações. Permitia sacar apenas 250 pesos por semana.

Diante de uma taxa de desemprego que chegava a 18,3%, o pacote, na área social, além de limitar o salário de servidores, previa a criação de 1 milhão de vagas. Após sucessivas greves dos sindicatos, onda de saques a supermercados e protestos de rua, o governo também anunciou a distribuição de alimentos à população. E o Congresso convocou eleições presidenciais para o ano seguinte. Em quatro anos, entre 1998 e 2002, período chamado de “Tragédia Argentina”, o país perdeu 20% do PIB e a renda per capita encolheu em dólares 68%. Em janeiro de 2002, em meio ao colapso econômico, a confusão institucional levou o país a ter cinco presidentes, em apenas duas semanas. Durante os protestos de rua contra o governo, o país registrou mortes e dezenas de pessoas ficaram feridas.

A moratória anunciada pela Argentina em 2001 foi um novo capítulo da história da suspensão do pagamento da dívida externa dos países emergentes, especialmente os da América Latina. Após o salto dos juros nos Estados Unidos, até a metade dos anos 80, a chamada década perdida, a dívida das nações emergentes havia aumentado de US$ 500 bilhões para US$ 800 bilhões, segundo o FMI. A partir dos anos 80, a crise da dívida se alastrou nos países latino-americanos. Em 1983, o México pediu moratória. Também tiveram de renegociar as suas dívidas Chile, Cuba, Honduras e Venezuela. Já o Equador pediu moratória em 1999.

No caso do Brasil, em fevereiro de 1987, no governo Sarney, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, decretou moratória da dívida externa. O país chegava ao fim daquele ano devendo US$ 110 bilhões.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Grecia: quase 200 anos depois da independencia, voltou a ser colonia (por seus proprios erros)

Não são exatamente 200 anos de independência completa, pois no século 19 a Grécia já enfrentou problemas semelhantes, ao se endividar demasiadamente, e ao ter de colocar suas finanças sob a supervisão de representantes de governos estrangeiros, que atuavam a pedido dos banqueiros financiadores.
Portanto, não deve ser nenhuma tragédia, viver uma velha experiência outra vez, mas eu não quero tripudiar sobre os pobres gregos, que não tem culpa por terem as elites que tiveram e têm (nós também, por sinal, temos elites ineptas, corruptas e basicamente autocentradas nos seus próprios negócios pessoais).
Mas, uma coisa que venho reparando nos comentários e matérias de jornalistas é essa constante referência à Grécia antiga, a pátria da democracia, da filosofia, da história, e outras coisas mais. Tudo isso é bobagem. Os gregos antigos (comedores de azeitonas, ordenhadores de cabras e bons de conversa) têm pouca coisa diretamente legada aos gregos modernos, que só herdaram dos antigos essa mania de conversar, ao que parece. O resto, não tem absolutamente nada a ver com antigas tradições e relatos heróicos. Mal comparando, eles são os baianos da Europa, aquela coisa de viver de sol, de turistas, de música, e de dinheiro público... Enfim, cada um se vira como pode.
Abaixo, os detalhes da colonização contemporânea. Eles conseguiram que o fundo de privatização não os humilhe sendo sediado em Luxemburgo; será na Grécia, mas terá supervisores estrangeiros...
Paulo Roberto de Almeida

Conheça os detalhes do novo acordo de resgate da Grécia
Veja.com, 13/07/2015 às 19:25

O primeiro-ministro grego Alexis Tsipras e a chanceler alemã, Angela Merkel se reúnem na sede da União Europeia em Bruxelas, na Bélgica - 07/07/2015 (Foto: Philippe Wojazer/AFP)
O primeiro-ministro grego Alexis Tsipras e a chanceler alemã, Angela Merkel se reúnem com os demais líderes do continente na sede da União Europeia em Bruxelas, na Bélgica - 07/07/2015
Yanis Varousfakis chega para uma conferência em Atenas. O ex-ministro das finanças da Grécia renunciou ao cargo após a vitória do "Não" às propostas dos credores
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Depois de uma série de reuniões realizadas nas últimas semanas, a Grécia finalmente chegou a um acordo com os seus credores para contornar a crise financeira do país. Os detalhes do acordo, que foram longamente debatidos por líderes de 19 países da zona do euro entre a noite de domingo e a manhã desta segunda-feira, tratam da necessidade de implantação de diversas medidas de austeridade, como privatizações, aumento de impostos e reformas no mercado de trabalho e no sistema previdenciário.
Algumas das medidas, inclusive, foram refutadas pelo povo grego no referendo realizado no dia 5 de julho. Apesar de ter alardeado que sairia fortalecido com a vitória do "não" no plebiscito, o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, se viu obrigado a arredar o pé e aceitar as duras condições propostas pelos credores para liberação de um pacote de socorro que pode chegar a 86 bilhões de euros.
LEIA TAMBÉM:
Os números da crise grega
Com uma dívida de mais de 170% do PIB, o governo grego corre o risco de não ter recursos para bancar o funcionamento do Estado sem o auxílio financeiro. Os bancos já estão fechados há duas semanas e devem continuar nos próximos dias até que o dinheiro do Banco Central Europeu seja injetado no sistema bancário grego. As medidas, que ainda devem ser apreciadas pelo Legislativo grego até esta quarta-feira, devem deprimir ainda mais a economia do país, que recuou quase 25% nos últimos 5 anos e cuja taxa de desemprego chega a 26%.
Eleito com o slogan anti-austeridade no início do ano, Tsipras já encontra resistência do próprio partido, o Syriza, para conseguir aprovar o plano. Ministros de seu governo e correligionários chegaram a dizer que o acordo firmado "humilha" a Grécia e a coloca como uma "colônia da dívida de uma Europa supervisionada pela Alemanha".
Os detalhes do acordo foram divulgados no início da tarde. Confira os principais pontos do documento:
FMI - O Eurogrupo condiciona a concessão de um empréstimo via MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) a um acordo prévio com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em moratória com o fundo desde a semana retrasada, o governo grego havia insistido que não queria o FMI como parceiro no novo plano. "Portanto, a Grécia solicitará apoio continuado do FMI (monitoração e financiamento), a partir de março de 2016", diz o texto.
Previdência - Fazer uma reforma ampla no sistema de aposentadorias e pensões, visando torná-los viáveis. O texto ainda define que essas medidas devem ser aprovadas até esta quarta-feira.
Aumento de tributos - Implementar mecanismos de "alargamento da base tributária" a fim de expandir a receita. O texto também fala em desburocratizar alguns sistemas tributários, como o IVA (imposto sobre o valor agregado).
Privatizações - Segundo o documento, o governo deverá desenvolver um programa de privatizações, que consiga levantar 50 bilhões de euros com a venda de ativos. Esse montante deverá ser transferido para um fundo independente. Do valor, 25 bilhões de euros serão usados para recapitalizar os bancos; 13,2 bilhões de euros, para reduzir a dívida do país; e os outros 13,2 bilhões de euros serão repassados para investimentos. O fundo será sediado na Grécia e não em Luxemburgo, como havia proposto a Alemanha. Apesar disso, ele contará com a supervisão de "instuições europeias relevantes".
A operadora da rede nacional de transmissão de energia também deve ser privatizada, "a menos que medidas de substituição possam ser identificadas que tenham efeito semelhante sobre a concorrência", conforme o texto.
Mercado de trabalho - O acordo destaca a necessidade de "revisões rigorosas e uma modernização" das relações de trabalho. O objetivo é que, com as mudanças, as políticas trabalhistas se alinhem às "melhores práticas europeias e profissionais" e se distanciem do formato anterior que "não são compatíveis com as metas de promoção de crescimento sustentável e inclusivo".
Independência - O Eurogrupo exige medidas para melhorar a governança do Fundo de Estabilidade Financeira da Grécia e a eliminação de "qualquer possibilidade de interferência política" sobre os bancos.
Transparência - O texto exige uma reforma do escritório de estatísticas (Elstat), sob suspeita de manipulação de dados do país. A entidade se assemelha ao que é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no Brasil (IBGE) no Brasil.
Recuperar a confiança - Os países da zona do euro reforçam a "necessidade crucial de reconstruir a confiança com as autoridades gregas como pré-requisito" para a Grécia conseguir ajuda financeira. "A Comissão Europeia recebe positivamente os compromissos das autoridades gregas de propor ao Parlamento, sem delongas, um primeiro conjunto de medidas", informa o documento.
Reduzir a máquina pública - De acordo com o texto, o governo grego assumiu o compromisso de reduzir "ainda mais" os custos de administração do país. A primeira proposta nesse sentido deve ser apresentada até o dia 20 de julho.
Revisar leis - O texto prevê que o governo reavalie as leis aprovadas antes de fevereiro deste ano que resultaram "em abandono de compromissos anteriores" quanto ao controle fiscal. Além disso, os credores pedem a "modernização e a despolitização" da administração grega.
Consideração - No texto, o governo grego é apontado como o culpado pela insolvência da dívida grega. "Isso se deve ao relaxamento de políticas nos últimos 12 meses, que resultou na recente deterioração do ambiente financeiro e macroeconômica grego", explica o documento. Por fim, os países da zona do euro ainda fizeram uma constatação de que, se o acordo não sair do papel, a responsabilidade será toda da Grécia.
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(Da redação)

terça-feira, 5 de maio de 2015

Dívida Externa, Resenha de Santiago Fernandes - Paulo Roberto de Almeida (1986)


Dívida Externa: uma velha história

Paulo Roberto de Almeida
Revista Brasileira de Política Internacional
(Rio de Janeiro: Ano XXIX, 1986/2, nº 115-116, pp. 127-130)

FERNANDES, Santiago:
A Ilegitimidade da Dívida Externa do Brasil e do III Mundo
(Rio de Janeiro: Nórdica, 1985)

Ao se perguntarem como foi possível que o Brasil atingisse o nível de endívidamento externo a que chegou, sem que mecanismos de controle fossem acionados, os parlamentares responsáveis pela CPI da Dívida Externa e dos Acordos Brasil-FMI levantaram a questão da ilegalidade dos empréstimos contratados. Com efeito, argumentaram eles, em nenhum momento os instrumentos contratuais da dívida foram submetidos à processualística constitucional da apreciação legislativa, nem poderia o Banco Central renunciar à imunidade jurisdicional e aceitar foro judicial nos países credores (Nova York e Londres) para julgamento de pendências e eventual decretação de penhora dos bens mantidos no exterior. Constatada a ilegalidade dos contratos de empréstimo, não apenas se deveria decretar sua nulidade por inconstitucionalidade, mas igualmente declarar a responsabilização criminal dos responsáveis pela enorme dívida e pelas escandalosas cartas de intenção assinadas com o FMI. Como se sabe, nada disso aconteceu.
Ao tratar da mesma problemática em seu curioso e instigante livro, o economista Santiago Fernandes prefere analisar a questão do ponto de vista da ilegitimidade da dívida externa do Brasil e dos países do Terceiro Mundo. A ilegitimidade decorreria, segundo ele, da ação conjugada de três processos descapitalizadores: a) a secular deterioração dos termos de intercâmbio, drenando recursos das nações pobres para os países ricos; b) a penetração financeira do Terceiro Mundo por instituições e agências bancárias dos países centrais, que passam a operar com recursos locais e muitas vezes a remeter divisas obtidas com manipulações cambiais; c) a evasão de capitais, oficial e criminosa, propiciada pela singular e perniciosa situação de privilégio de que goza o dólar, como moeda de reserva internacional. Constatada a ilegitimidade das dívidas do Terceiro Mundo, não apenas se deveria decretar o seu repúdio, puro e simples, mas igualmennte encetar a reorganização do sistema monetário e financeiro internacional, desmonetizando o ouro e transformando o FMI numa Câmara Internacional de Compensação. Como se sabe, nada disso aconteceu tampouco.
Os banqueiros internacionais receberiam com céticos sorrisos propostas de renegociação que utilizassem os argumentos da legalidade ou da legitimidade das dívidas contraídas pelos países em desenvolvimento. A História parece lhes dar razão: na longa experiência de renegociação das dívidas de Estados temporariamente insolventes, o repúdio completo foi comparativamente raro, ocorrendo em alguns casos uma redução temporária, mas não uma cessação completa do serviço da dívida.
Na época em que a Europa atuava sozinha como world’s banker, ocorreram pelo menos dois períodos de insolvências generalizadas: ao final das independências latino-americanas, na terceira década do século XIX, e nos anos setenta desse século, envolvendo novamente países latino-americanos e alguns médio-orientais (Turquia, Egito). A Grã-Bretanha foi evidentemente o primeiro país a sentir necessidade de proteger seus interesses e, mesmo na ausência de qualquer apoio governamental, os grupos privados organizaram, desde 1868, uma Corporation of Foreign Bondholders. Os resultados parecem ter sido animadores, pois já em princípios dos anos 80, o economista britânico R.L. Nash informava que “the losses caused through defaults were, in the long run almost insignificant compared with the large gains derived by British investors over the whole field of foreign and colonial securities” (A Short Inquiry into the Profitable Nature of Our Investments; London: Wilson, 1881, p. 9).
Em raras ocasiões – como nos casos históricos do México (1861) e da Venezuela (1902) – os governos detentores de títulos de dívida pública chegaram a fazer apelo à ação armada para o ressarcimento dos débitos, provocando, no campo jurídico-conceitual, a primeira contestação à até então dominante “teoria dos credores”. Esta, como se sabe, afirma que a obrigação do devedor é controlada pelo Direito privado dos contratos e que as relações entre as partes estão reguladas por instrumentos vinculativos: quando um Estado contrata um empréstimo ele tacitamente abdicaria de seu caráter soberano e se submeteria voluntariamente às regras do Direito privado.
Para contrapor-se a essa doutrina, o então Ministro argentino das Relações Exteriores, Luis Drago, formulou uma “teoria dos devedores”, colocando ênfase no caráter soberano do Estado devedor, na impossibilidade de se perseguir judicialmente o Estado e na definição da dívida como uma simples “questão de honra”. Para conciliar essas posições antitéticas, surgiu, posteriormente, uma terceira doutrina, a “teoria do contrato sui generis”, que via as transações de empréstimos como contratos de Direito público.
Seja como for, a Corporation britânica parece ter servido de modelo para diversos outros grupos organizados na França, na Bélgica, na Alemanha e na Holanda, bem como para o American Foreign Bondholders Protective Council, organizado diretamente pelo Departamento de Estado norte-americano em 1932, como consequência do terceiro grande período de insolvências generalizadas, provocado pelo bank crash de 1929-1931, que trouxe consigo uma serie de inadimplências na Europa e na América Latina. Os ingleses, que asseguraram sozinhos o funding loan brasileiro de 1898, tiveram, em 1934, de ceder terreno aos norte-americanos, como observa o historiador econômico Edwin Borchard (State Insolvency and Foreign Bondholders; New Haven: Yale, 1951, p. 343).
A estrutura da comunidade financeira internacional alterou-se substancialmente no 2° pós-guerra, com a emergência do FMI e do Banco Mundial, mas sobretudo com o desenvolvimento extraordinário do setor bancário privado. Assim, as renegociações provocadas pelo quarto grande período de defaults, inaugurado em princípios da década de 80, são normalmente conduzidas pelos Advisory Banking Committees, criados pela comunidade bancária privada, e supervisionadas pelo Clube de Paris e pelo FMI. O cartel dos credores tem portanto uma longa história atrás de si, e uma das mais dignificantes: se as incursões armadas, os bloqueios de portos e as intervenções diretas nas finanças dos devedores parecem ter hoje saído de moda, ficou a truculência dos banqueiros atuais que, mesmo resguardada pelos salões acarpetados dos grandes hotéis, nada fica a dever à ética enviesada de seus predecessores.
0s devedores, por sua vez, parecem ter estacionado nas banalidades conceituais da Doutrina Drago, uma vez que o chamado Consenso de Cartagena nada mais fez, até agora, do que reconhecer o óbvio: a carga financeira é insuportável, os programas de reajuste são inadequados, mas continua-se a drenar recursos líquidos para o exterior a título do serviço da dívida. Se não parece tão simples proclamar a ilegalidade jurídica dos contratos de empréstimo, alguns Governos tem procurado avançar a tese da ilegitimidade de fato das dívidas atuais, sem muitos resultados tangíveis ate aqui.
O livro de Santiago Fernandes procura justamente fornecer argumentos econômicos para sustentar esta última posição e é com base nessa pretensão que ele deve ser julgado. Os três mecanismos de descapitalização por ele mencionados – resumindo: desequilíbrio nas relações de troca, manipulações de bancos estrangeiros e fuga de capitais – podem realmente ser responsabilizados pela acumulação do enorme passivo financeiro que caracteriza hoje grande parte do Terceiro Mundo ?
A ilegitimidade da dívida externa brasileira e de diversos outros países em desenvolvimento só poderá ser comprovada na prática se estabelecermos um vínculo estrutural, isto é uma relação causal, entre os fatores acima citados e o processo de formação das obrigações financeiras externas desses países. Uma análise isenta das relações econômicas internacionais dos países em desenvolvimento constataria, efetivamente, que os três fatores selecionados atuaram de forma negativa, muitas vezes de maneira contundente, sobre as contas nacionais desses países, agravando os desequilíbrios externos e ampliando indiretamente a dimensão do endívidamento externo.
Os dados não são porém conclusivos quanto à transformação daqueles elementos contingentes em fatores estruturais do endívidamento externo dos países em desenvolvimento, no sentido em que eles passariam de necessários a suficientes. Não cabe, nos limites desta resenha, uma análise detalhada de cada um daqueles fatores considerados como dotados de relevância causal no processo de endívidamento externo, mas não se pode deixar de notar que, no plano das variáveis explicativas, nem sempre é facil ou possível converter a realidade empírica em paradigma interpretativo.
Em outros termos, o possível histórico não pode ser automaticamente convertido em lógico necessário: ainda que aqueles mecanismos tenham efetivamente atuado como processos defraudadores de nosso equilíbrio externo, não existe um nexo diretamente causal que os ligue ao passivo financeiro acumulado ao longo dos últimos anos. A descapitalização pode efetivamente ter resultado daqueles processos defraudadores de nossas riquezas, mas o endividamento não foi provocado, do ponto de vista formal, por lesivos contratos de empréstimo feitos pelas elites do Terceiro Mundo e nos quais tivessem sido expressamente consignados o intercâmbio desigual, a manipulação bancária e a fuga de capitais.
O endívidamento atual deriva de causas essencialmente financeiras, ligadas à forma de funcionamento do mercado de capitais de empréstimo e que incidem prioritariamente sobre o serviço do principal em regime de taxas de juros flutuantes. Do ponto de vista estritamente econômico, a ilegalidade de alguns contratos de empréstimo e de determinadas práticas bancárias, bem como a injustiça e a irracionalidade da transferência de recursos operada apenas para servir a dívida não são suficientes para caracterizar uma situação de ilegitimidade da dívida externa.
O conceito de (i)legitimidade, segundo Mestre Aurelio, refere-se ao fato de terem sido ou não atendidos os requisitos legais ou a qualidade ou condição de desarrazoado e injusto. É evidente que Santiago Fernandes descarta o entendimento jurídico-legal desse conceito, preferindo encará-lo do ponto de vista da autenticidade ou da adequação aos critérios da razão e da justiça. Ainda que a razão e a justiça pudessem militar em favor da tese da ilegitimidade da dívida externa do Brasil e do Terceiro Mundo, deve-se reconhecer que o sistema econômico internacional está muito longe de fundar-se nesses dois princípios.
As relações de espoliação e de expropriação de recursos, no quadro da interação centro-periferia (que Braudel chama de “economia-mundo” e Wallerstein de “capitalismo histórico”), constituem em ultima instância a base sobre a qual se assentam a desigualdade na distribuição de riquezas e a estrutura iníqua do poder mundial. Uma vez que a organização atual da produção social não foi feita para reparar injustiças ou introduzir a igualdade de chances não há razão de esperar que a ordem internacional venha a ser fundada em imperativos éticos ou critérios morais. A menos de se tomar uma decisão política de cancelar simplesmente o serviço ou o principal da dívida, decisão que só pode resultar de uma nova correlação de forças no plano das relações inter-estatais, os atuais países endívidados continuarão a transferir uma parte de suas riquezas para os cofres dos países credores, independentemente do caráter mais ou menos legítimo (ou ilegítimo, como se queira) dos mecanismos de espoliação.
Os argumentos acima expostos em nada invalidam o valor do livro de Santiago Fernandes no que se refere a uma correta avaliação do funcionamento atual do sistema monetário e financeiro internacional e a urgente necessidade de sua restruturação nas linhas propostas outrora por Lord Keynes, tendentes à constituição da uma International Clearing Union (mas por ele mesmo fraudadas com a criação do FMI em Bretton-Woods. Sem dúvida que a exigência de Fernandes, no sentido do cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, será dificilmente cumprida integralmente, mas as regras de funcionamento dessa Câmara mundial de Compensações, relegando o ouro a seu papel de “relíquia bárbara” e introduzindo uma moeda bancária (o “bancor”) para a regulação dos desequilíbrios de balança de pagamentos, devem ser seriamente estudadas por qualquer autoridade monetária tant soit peu honnête e responsável.
Não sejamos muito otimistas porém: a multilateralização dos ajustes de pagamentos, se ocorrer, ficará durante muito tempo restrita às economias desenvolvidas, que precisarão coordenar previamente suas políticas monetárias e fiscais. Pode-se alternativamente pensar em soluções mais modestas, envolvendo projetos de integração regional mobilizando países relativamente homogêneos, como o demonstra a experiência da Comunidade Européia.
Aqui Santiago Fernandes antecipa-se às tendências futuras de desenvolvimento em escala continental, ao propor uma Câmara Regional de Compensação Multilateral para a América Latina e a instituição de uma moeda comum, o “Latinor”, para ajustes comerciais e financeiros que até agora são realizados bilateralmente ou utilizando-se de moedas fortes, no caso o dólar. Os recentes acordos de integração comercial e industrial do Brasil com a Argentina e o Uruguai, lançando as bases de um espaço econômico comum no Cone Sul, e as negociações para a criação de uma nova moeda de câmbio (o “gaúcho”), vêm dar inteiramente razão a Santiago Fernandes.
A ousadia e a originalidade da maior parte das teses do autor tornam sem dúvida alguma deveras atrativa a leitura deste livro, verdadeiro manancial de idéias refrescantes na atual pasmaceira da “ciência econômica”. A razão e o bom senso parecem caracterizar este economista “heterodoxo” – para usar um termo na moda – ainda que não concordemos com todas as suas propostas.
A discordância aliás não está na justeza das medidas propostas, sobretudo aquelas relativas à dívida externa do Terceiro Mundo, mas tão somente num julgamento diverso do funcionamento do sistema internacional e sua eventual adequação aos princípios da razão e da equidade. Santiago Fernandes deve provavelmente estar certo, mas parece avançado demais para sua época. O futuro lhe dará razão, mas, como diria Lord Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos.

Ficha do Trabalho:
126. “Dívida Externa”, Brasília, 31 agosto 1986, 5 pp.
Resenha-crítica ao livro de Santiago FERNANDES, A Ilegitimidade da Dívida Externa do Brasil e do III Mundo (Rio de Janeiro, Nórdica, 1985)
Publicada na Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro: Ano XXIX, 1986/2, nº 115-116, pp. 127-130) e na Seção “Crítica” de Humanidades (Brasília, Ano III, nº 11, novembro 1986-janeiro 1987, pp. 14-115).
Relação de Trabalhos Publicados nº 030 e 033.
Anexo: Reação de Santiago Fernandes à minha resenha: “Controvérsia sobre a legitimidade da dívida”, publicada no Jornal do Commércio (Rio de Janeiro: 20 março 1987, p. 4).

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Divida externa de estados e municipios: aumento apos a desvalorizacao do real

Da coluna diária do ex-prefeito Cesar Maia:

DÓLAR SOBE E ESTADOS E MUNICÍPIOS PAGAM UMA DOLOROSA CONTA! EM 2 ANOS E MEIO DIVIDA EXTERNA EM REAIS PASSOU DE R$ 41 BILHÕES PARA R$ 54 BILHÕES!           
1. (Ex-Blog) A dívida externa de estados e municípios foi estimulada pelo governo federal nos últimos anos. Além das clássicas dívidas com o Banco Mundial e o BID, foram introduzidos novos mecanismos de forma a que estados e municípios pudessem se endividar externamente com bancos privados. E –nesses casos- o governo federal além de estimular, passou a ser garantidor.
           
2. (Globo, 23/08/2013) O Senado Federal aprovou 69 pedidos de empréstimos para estados e municípios desde o início de 2012 até agora. Somente os créditos em moeda americana somam US$ 12,5 bilhões. Além das operações em moeda americana, há ainda dívidas em iene (16,4 bilhões) e euros (310 milhões).
           
3. (Ex-Blog) O governo federal aprovava tais empréstimos e encaminhava para autorização do Senado, justificando a necessidade de investimentos na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016, e legitimando com aplicações também em saneamento básico...
           
4. (Globo, 23/08/2013) O especialista em contas públicas do Ipea Mansueto Almeida lembra que vários estados (e grandes municípios), trocaram dívidas internas por endividamento externo nos últimos anos. Além dessas renegociações, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ainda autorizou novas contratações. — A dívida foi negociada em dólares, mas é paga em reais. Por isso, desde o início do ano, os estados e municípios estão pagando mais caro por ela e o impacto vai chegar aos próximos governadores e prefeitos — observou Mansueto.
           
5. (Ex-Blog) Em 2012 o dólar era cotado a 2 reais. A dívida externa de estados e municípios somava R$ 41 bilhões. Em 2013, o dólar subiu a 2,30 reais. Hoje a 2,60 reais. Em 2013 a dívida externa de estados e municípios alcançava R$ 47,9 bilhões de reais. Entre 2012 e 2013 os estados e municípios passaram a dever em reais mais R$ 7 bilhões. Entre 2013 e 2014 –novembro- o crescimento do dólar foi de 13% e, portanto, o endividamento externo total em reais passou a R$ 54 bilhões, crescendo mais 6 bilhões de reais.
           
6. Portanto, mais 13 bilhões em reais em menos de 2 anos e meio. Agora está na hora de pagar a farra do endividamento externo de estados e municípios. E se a parte com garantias dadas pelo governo federal for executada, transfere-se o ônus para déficit fiscal federal.

sábado, 20 de setembro de 2014

Deuda argentina: las cosas se complican, hermanos (e nao vao melhorar...)

EUA nega recurso da Argentina e de banco para pagamento de dívida

Tribunal negou pedido do país e do Citibank para liberar pagamentos.
Argentina enfrenta impasse para pagar dívida a credores.

Da France Presse, 20/09/2014
Presidente argentina Cristina Kirchner quer transferir capital de Buenos Aires para Santiago del Estero, no norte do país (Foto: Reuters/BBC) 
Presidente Cristina Kirchner enfrenta crise e tenta
solucionar impasse para pagamento de dívida
argentina (Foto: Reuters/BBC)
 
O Tribunal de Apelações de Nova York negou nesta sexta-feira (19) o recurso apresentado pelo governo da Argentina e pelo Citibank para que fossem liberados os pagamentos de parte dos títulos reestruturados do país, bloqueados pelo juiz federal americano Thomas Griesa.
Os três magistrados da corte indicaram que sua decisão não significa uma decisão definitiva sobre o pedido. Segundo eles, o caso pode ser levado a Griesa antes do dia 30 de setembro, data em que vencem os pagamentos dos títulos argentinos que motivou o recurso do Citibank.
A decisão do Tribunal de Apelações acontece no dia seguinte à audiência em que os juízes ouviram os argumentos das partes, submetidas a uma bateria de perguntas.
"As apelações são indeferidas por falta de jurisdição", determinaram os juízes Rosemary Pooler, Barrington Parker e Reena Raggi, referindo-se a um tecnicismo em relação à decisão original de Griesa.
"Declinamos de nossa jurisdição porque a apelação é de um esclarecimento e não de uma modificação. De todo modo, o tribunal não descarta que o Citibank busque nova ajuda do juiz", afirmam.
O Citibank, agente de pagamento dos títulos reestruturados emitidos sob a lei argentina, recorreu em julho de uma ordem do juiz Griesa, que impede a instituição de pagar os credores no próximo vencimento dos títulos da dívida, em 30 de setembro (entenda a crise pelo impasse no pagamento da dívida argentina no quadro abaixo).
Griesa mantém bloqueado no Bank of New York um depósito efetuado pelo governo argentino no valor de US$ 539 milhões para os credores dos títulos reestruturados sob legislação americana, situação que levou o país a uma moratória parcial.
Na época do bloqueio, o juiz autorizou que o Citibank pagasse de uma só vez os juros dos títulos emitidos sob legislação argentina e que estavam em um limbo jurídico. O novo prazo para o pagamento voltou a levar a questão à justiça.

Contagem regressiva
Com o indeferimento desta sexta-feira no Tribunal de Apelações, a Argentina e o Citibank têm dez dias para tentar reverter a situação com Griesa (embora não pareça fácil, considerada a posição do juiz em relação ao caso).
"O Citibank enfrenta um sério e iminente desafio", afirmou Wagner na quinta-feira (18), ao advertir para os possíveis riscos enfrentados pelo banco, como sanções do governo argentino ou ações judiciais dos clientes que não receberem o pagamento.
Segundo a advogada, os títulos sob a lei argentina pagos pelo Citibank estão em uma situação diferente daqueles que foram pagos pelo BoNY e não estão comprometidos pela decisão de Griesa.
Os fundos especulativos (credores da dívida argentina que não aceitaram renegociação do valor) insistiram que todos os pagamentos da dívida reestruturada em 2005 e 2010 devem ser bloqueados.
"Os títulos argentinos não foram incluídos de modo específico na ordem (original de Griesa). Mas não importa", afirmou o advogado Roy Englert, do fundo Aurelius Capital, que junto ao NML Capital ganhou da Argentina na justiça americana.
De acordo com Englert, Griesa "cometeu um erro" ao não detalhar isso na sua decisão, mas corrigiu em julho ao autorizar que o pagamento do Citibank.
Além de sua tentativa de reduzir o alcance das ações do juiz, limitando-as aos títulos sob legislação americana, a Argentina busca desde julho uma alternativa de pagamento. Na semana passada, foi aprovada no Congresso uma lei que permite alterar a sede de cobrança para Buenos Aires, Paris ou onde os credores preferirem.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Argentina, 7 vs Brasil, 5: perdemos no concurso das moratorias

Apesar de ganharmos amplamente na corrida inglória de destruir e enterrar moedas, com 8 a 5 para o nosso infeliz registro, ainda estamos perdendo no concurso das moratórias. Os argentinos conseguiram ser mais caloteiros.
Parabéns, continuem assim...
Paulo Roberto de Almeida 
Una lágrima por Argentina
La última suspensión de pagos de Argentina plantea cuestiones inquietantes a los encargados de la formulación de políticas. Es cierto que las periódicas crisis de deuda de este país son a menudo consecuencia de políticas macroeconómicas destructivas, pero esta vez el desencadenante de la suspensión de pagos ha sido un cambio importante en el régimen internacional de la deuda soberana.
Dicho cambio favorece a los acreedores intransigentes en el caso de las emisiones de bonos regidas por la legislación de Estados Unidos. Al aminorarse el crecimiento de los mercados en ascenso y aumentar la deuda exterior, unas nuevas interpretaciones jurídicas que dificulten más las reestructuraciones y las futuras reprogramaciones de la deuda no son un buen augurio para la estabilidad financiera mundial.
En esta historia no hay héroes y, desde luego, no lo son las autoridades de Argentina, que hace un decenio intentaron imponer unilateralmente una generalizada reestructuración en gran escala a los titulares extranjeros de bonos. Los economistas que pregonaron el "consenso de Buenos Aires" como la nueva forma de dirigir las economías también resultan ridículos a posteriori. El Fondo Monetario Internacional (FMI) reconoció hace mucho haber concedido demasiados préstamos para intentar salvar la insostenible vinculación de Argentina con el dólar cuando se desplomó en 2001.
No es la primera vez que una suspensión de pagos de Argentina ha alterado los mercados internacionales de capitales. Según el cuadro que Carmen Reinhart y yo compilamos en nuestro libro de 2009 Esta vez es distinto, Argentina ha suspendido pagos en siete ocasiones anteriores: en 1827, 1890, 1951, 1956, 1982, 1989 y 2001.
Argentina puede ser casi tan famosa por sus suspensiones de pagos como por sus equipos de fútbol, pero de ningún modo es la única al respecto. Casi todos los países con mercados en desarrollo han experimentado problemas recurrentes en materia de deuda soberana. Venezuela es el que ostenta la plusmarca en la época contemporánea con 11 suspensiones de pagos desde 1826 y posiblemente otras por venir.
En 2003, en parte como reacción ante la crisis argentina, el FMI propuso un nuevo marco para la adjudicación de deudas soberanas, pero esa propuesta chocó con la firme oposición no sólo de los acreedores que temían que el FMI se mostrara demasiado comprensivo para con los deudores problemáticos, sino también de los mercados emergentes que no preveían un riesgo a corto plazo de que se dejara de confiar en su solvencia. Los prestatarios solventes estaban preocupados ante la posibilidad de que, si se suavizaban las sanciones por incumplimiento, los acreedores exigieran tipos mayores.
Recientemente, como consecuencia de una reconsideración de los préstamos del FMI a la periferia de Europa (y a Grecia en particular), el Fondo ha propuesto otro planteamiento para la reprogramación de la deuda que podría ser más fácil de aplicar. El FMI reconoce ahora que, en realidad, se estaba utilizando la mayor parte de su financiación para que no tuvieran pérdidas los acreedores a corto plazo. A consecuencia de ello, no había dinero suficiente para ayudar a suavizar los recortes presupuestarios impuestos por la repentina paralización de la financiación extranjera.
La experiencia de la reciente crisis de la zona del euro presenta un marcado contraste con la crisis de la deuda latinoamericana en el decenio de 1980, cuando no se permitió que los bancos se apresurasen a librarse de sus préstamos. Si se aprueba la nueva propuesta, el FMI denegaría fondos, con condiciones, a los países que tengan cargas de deuda cuya insostenibilidad considere muy probable el personal del FMI; los acreedores tendrían que acceder primero a "reconfigurar" la deuda.
Lo de reconfigurar la deuda es un eufemismo por reestructurar la deuda, lo que permite a los países endeudarse para con los acreedores existentes durante periodos más largos y con tipos de interés menores de los que podrían encontrar en el mercado abierto. Aunque dista mucho de estar claro si le resultaría fácil al FMI mantenerse firme frente a los acreedores muy exigentes, la nueva política, en caso de que se adoptara, endurecería el planteamiento por parte del Fondo de los casos en que se ve repetidas veces aportando dinero bueno para intentar salvar lo insalvable.
En la actualidad, Estados Unidos parece reacio a secundar la propuesta del FMI. Evidentemente, las autoridades estadounidenses están convencidas de que en algunas situaciones la geopolítica prevalece sobre la economía (lo que se refleja, por ejemplo, en la reciente reincorporación del FMI a Ucrania, después de una serie de programas fallidos).
Esa resistencia americana es desafortunada. Sería mucho mejor que Estados Unidos buscara, sencillamente, formas de organizar simples donaciones en casos excepcionales, como el de Ucrania, en lugar de estructurar el sistema financiero internacional en torno a ellos.
En vista de las complicaciones recurrentes para la resolución de contratos de deuda soberana en tribunales extranjeros y de la incapacidad del mundo para organizar un procedimiento fiable y justo en los casos de quiebras extranjeras, tal vez la mejor idea sea la de orientar la mayor parte de las corrientes internacionales de deuda hacia los tribunales de los países deudores. Hace 25 años, Jeremy Bulow y yo hicimos una propuesta de ese tipo; ése sigue siendo el planteamiento correcto.
En ese caso, los países interesados en endeudarse con grandes cantidades en el extranjero deberían crear entidades que prometieran devolver los préstamos de forma fiable. En general, la experiencia respalda ese método. De hecho, el enorme aumento en los últimos años de la emisión de deuda nacional de los países emergentes ha contribuido a reducir las tensiones en los mercados (si bien la continua dependencia de la deuda extrajera en que se encuentran las empresas sigue manteniendo a muchos países en una situación de vulnerabilidad).
Pero el endeudamiento interno no es una panacea. Creer que cualquier país que emita deuda en su propia divisa carece de riesgo, mientras el tipo de cambio sea flexible, resulta asombrosamente ingenuo: entre otras cosas, porque sigue existiendo riesgo de inflación, en particular en el caso de los países con instituciones fiscales débiles y grandes cargas de deuda.
Aun así, el último trauma de Argentina en materia de deuda muestra que el sistema mundial de renegociaciones de deuda soberana sigue necesitando urgentemente una reparación. Es absolutamente necesario reforzar los mercados nacionales de deuda y tal vez hacer cambios en el sentido propuesto por el FMI.
Traducido del inglés por Carlos Manzano.
Kenneth Rogoff, ex economista jefe del FMI, es profesor de Economía y Política Pública en la Universidad de Harvard.
© Project Syndicate, 2014.