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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro? - Rodrigo Tavares (FSP)

Um professor catedrático convidado numa universidade portuguesa consultou-me sobre a dívida externa do Brasil na interação com Portugal na época da independência; eu disse tudo o que sabia naquele momento, sem consultar meus escritos a esse respeito. PRA

 

PORTUGAL  UNIÃO EUROPEIA



Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro?

Rompimento foi oficializado em 1825, mas verdadeira independência só veio décadas depois

Rodrigo Tavares

Folha de S. Paulo, 7.fev.2024 às 17h00

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/rodrigo-tavares/2024/02/brasil-teve-de-pagar-por-sua-independencia-como-portugal-usou-o-dinheiro.shtml

 

Após 1822, Portugal lutou de todas as formas possíveis, durante alguns anos, contra a independência do Brasil. Mas o que fizeram os portugueses quando, por pressão inglesa, finalmente aceitaram a perda da colônia e firmaram o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, em 1825? Celebraram com júbilo. Um aviso do governo (versão original disponível aqui) convocou a corte para uma "grande galla", deram-se férias aos tribunais e iluminou-se toda a cidade de Lisboa ("luminarias geraes").

Ata que convocou a corte portuguesa para a 'grande galla' – Reprodução colunas e blogs

 

O Brasil teve de pagar por sua independência. O valor total foi 2 milhões de libras esterlinas, o que incluiu a amortização de um empréstimo de 1,3 milhão de libras contraído por Portugal, em 1823, junto a bancos ingleses da família Rothschild, precisamente para custear a guerra que travou contra o Brasil para anular a sua independência. A dívida era portuguesa, mas o Tesouro brasileiro foi obrigado a assumi-la. Além disso, como constava no tratado, dom João 6°, rei de Portugal, manteve, inusitadamente, o título de imperador do Brasil. Por isso os portugueses celebraram.

Ao nascer, o Brasil foi amamentado com dívidas. Mesmo antes do tratado, contraiu empréstimos, em 1822 e 1824, destinados à "aquisição de vasos de guerra" e ao pagamento de passivos do período colonial, apresentando como garantia as rendas da Província do Rio de Janeiro.

Para construir uma memória do Brasil independente, a narrativa oficial enfatizou o corte político, o grito patriótico do novo líder, o brio de uma nova nação. Porém, o Brasil manteve o cordão umbilical financeiro com Portugal por muitos anos.

Além de assumir a dívida de Portugal com bancos ingleses, a reparação a Portugal envolveu vários outros parâmetros, como uma indenização de 250 mil libras a dom João 6° pela perda das suas propriedades particulares existentes no Brasil; a compensação pelos bens confiscados ou destruídos de outros portugueses que voltaram a Portugal (e para esse efeito foi criada em 1827 uma comissão mista que acolheria as reclamações dos súditos de governo a governo); as despesas com o transporte de tropas durante a guerra de independência; o pagamento de uma frota de navios de guerra que ficaram no Brasil (7 naus, 9 fragatas, 12 corvetas, 16 brigues, 8 escunas, 4 charruas e 5 navios-correios).

Quadro 'Independência ou Morte', de Pedro Américo, no Museu do Ipiranga - Eduardo Knapp/Folhapress

Nesse pacote incluiu-se também os recursos autorizados pelo governo brasileiro para custear a guerra movida por dom Pedro 1° a seu irmão dom Miguel, após ter abdicado em 1831 do trono brasileiro. Incestuosamente, foi o Brasil que teve de pagar para que o seu antigo imperador fosse rei no país contra o qual tinha lutada pela independência.

Quando dom João 6° voltou a Portugal, em 1821, a maior parte da moeda de ouro e de prata existente foi levada no barco, ficando o Tesouro Público "sem real em seus cofres" (expressão do então ministro da Fazenda, Martim Francisco Ribeiro de Andrada). A dívida com Portugal após a independência só agravou ainda mais uma situação que já era espinhosa. Ao todo, foram contraídos 15 empréstimos entre 1824 e 1888, alguns com deságios de 35%, usados tanto para satisfazer os déficits dos ministérios da Fazenda, da Marinha e da Guerra quanto para pagar a dívida lusa. A relação do Tesouro brasileiro com a família Rothschild manteve-se intacta até às primeiras décadas do século 20em 1855, tornaram-se os agentes exclusivos do Estado brasileiro.

O pagamento da dívida total não foi nem imediato nem fácil. Tiveram de ser adotadas três convenções: a "convenção direta e especial" de 1825 (o instrumento de ratificação original está disponível nos arquivos nacionais de Portugal), uma convenção sobre a liquidação final de contas em 1840 (cujo documento de ratificação é visível aqui) e, finalmente, uma "convenção para o ajuste de contas pendentes" em 1842 (consultável aqui).

Em 1828, o Brasil deu o primeiro calote ao pagamento da dívida. Pela convenção de 1825, a dívida teria que ser paga em quatro parcelas. Não aconteceu. As negociações relativas à amortização tornaram-se cada vez mais complexas, estendendo-se pelo menos até 1860, quando "caíram no esquecimento" causado pelo desgaste.

Quatro acadêmicos portugueses e brasileiros consultados pela coluna, especialistas em dívida pública dos dois países no século 19, indicaram que não é claro quanto tempo o Brasil demorou a pagar a dívida original a Portugal (e à família Rothschild). Pela convenção de 1842, teria que ser amortizada até 1853. Porém, como declarou Marcelo de Paiva Abreu, professor-titular na PUC-Rio, "tipicamente o Brasil em meados do século 19 tomava novos empréstimos para saldar os velhos empréstimos quando venciam os prazos iniciais." Torna-se assim difícil determinar quando é que a dívida a Portugal foi quitada.

Além disso, não há evidências de que Portugal tenha adiantado quantias devidas pelo Brasil e, posteriormente, recebido reembolso, como nota Nuno Valério, professor catedrático da Universidade de Lisboa e um dos maiores especialistas em história econômica portuguesa.

Paulo Roberto de Almeida reforça que, para sabermos se o Tesouro brasileiro pagou a indenização a dom João 6° pela perda das suas propriedades no Brasil, teríamos que examinar os relatórios do Ministério da Fazenda e, se existirem, os registros do Tesouro nos anos subsequentes a 1825, "uma tarefa monstruosa e quase impossível de ser feita." Almeida é autor do livro Formação da Diplomacia Econômica do Brasil: as Relações Econômicas Internacionais no Império (Brasília: Funag, 2017).

O mal de uns é o bem de outros. O pagamento da dívida brasileira foi essencial para que Portugal pudesse reorganizar as suas finanças. A primeira metade do século havia sido dramática. As guerras com a França revolucionária e imperial (1793-1795, 1801 e 1807-1814) pilharam o país. A guerra civil entre absolutistas e liberais, que assolou Portugal entre 1832 e 1834, afundou-o ainda mais. Foi àquela altura que houve as primeiras suspensões de pagamentos dos encargos com a sua dívida pública, em 1837 e em 1846. Durante o reinado de dona Maria 2ª (1834-1853), Portugal teve 27 ministros da Fazenda.

É dessas cinzas que ascende em Portugal um dos seus mais importantes políticos daquele século: António Fontes Pereira de Melo (1819-1887). Foi ministro das Obras Públicas e presidente do Conselho de Ministros, uma espécie de primeiro-ministro da altura. Hoje dá o nome a uma das principais avenidas de Lisboa.

Foi ele que encabeçou o "fontismo", um período marcado pelo início de um grande programa de obras públicas sustentado no liberalismo econômico. Para investir em infraestrutura, Portugal teve, primeiro, de sanear as contas públicas, beneficiando-se, para isso, do pagamento ao longo dos anos da dívida brasileira. O pagamento, por parte do Brasil, do empréstimo de 1823 aos credores privados ingleses melhorou a credibilidade de Portugal nos mercados. Conseguiu, assim, reestruturar a sua dívida externa e continuar a financiar-se internacionalmente.

Com isso, construíram-se as primeiras ferrovias (a primeira é de 1856), alargou-se a malha viária (de 200 km existentes em 1850 para 10 mil km em 1890), os portos foram modernizados e toda a costa portuguesa foi robustecida com uma rede de faróis. Construíram-se escolas públicas por todo o país.

Além disso, os telégrafos surgiram em 1850 e o telefone, em 1882. O país apresentou taxas de crescimento relevantes, com um rendimento per capita equivalente a 77% da média europeia. Até que perdeu a mão, ficou demasiado alavancado e entrou em colapso financeiro no final do século. Faltou ainda fazer muita coisa. A sociedade manteve-se sobretudo rural e o analfabetismo rondava os 79% em 1890.

Essa rede de infraestrutura ainda está ativa. Uma das linhas de trem construídas durante o "fontismo", que une Lisboa a Sintra, é ainda hoje usada diariamente por 200 mil passageiros, incluindo milhares de brasileiros.

Uma das escolas construídas por Fontes Pereira de Melo foi o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que mais tarde deu origem ao Instituto Superior Técnico (IST) e ao Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg), ambos da Universidade de Lisboa, onde atualmente estudam dezenas de milhares de brasileiros.

Seria um exagero inferir que os brasileiros residentes em Portugal se beneficiam do pagamento pelo Brasil da dívida a Portugal. A história não é assim tão justa e a economia não é circular. Mas é, sim, possível concluir que a dívida brasileira prejudicou a nova nação e promoveu o desenvolvimento econômico da velha. O Brasil só se tornou verdadeiramente independente de Portugal muitas décadas depois da independência no papel.

Esse papel foi o Tratado de Paz, Amizade e Aliança firmado pelos representantes dos dois países em 29 de agosto de 1825. Dom Pedro 1° ratificou-o no dia seguinte, mas o manteve secreto até setembro. Enquanto em Portugal o tratado foi celebrado com júbilo público, no Brasil tentou-se esconder o documento para não causar nenhuma decepção.

Para uma descrição detalhada das negociações financeiras entre Portugal e o Brasil no século 19, recomendo: Teixeira Soares (1972), "O Reconhecimento do Império do Brasil", Revista de Ciência Política, Vol. 6 (3), p. 43-64; e Daniel Valle Ribeiro (1978), "A Mediação Inglesa no Reconhecimento da Independência do Brasil", Estudos Ibero-Americanos IV.

 

 


quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

500 Camões (que se está a perder) - Afonso Reis Cabral (JN, Portugal)

Em 2022, o Brasil não comemorou, devidamente, o seu bicentenário da Independência. Portugal está a perder os 500 anos de Camões, segundo este descendente de Eça de Queiroz. (PRA)


500 Camões

JN (Portugal), 30 de janeiro de 2024

https://www.jn.pt/1201519401/500-camoes/

Em 2024, Camões faz quinhentos anos - essa meia-idade dos eternos -, mas nós esquecemo-nos de lhe organizar uma festa. Talvez à última hora alguém consiga desenrascar o bolo, as velas, e cantar-lhe uma canção triste e embaraçosa.

Somos peritos em canções tristes e embaraçosas. Em desencantar uma qualquer coisa que apresentamos como melhor do que coisa nenhuma.

Em Maio de 2021, diz o “Público”, o Conselho de Ministros nomeou uma comissária para as comemorações do quinto centenário e prometeu criar uma Comissão de Honra, um Conselho Consultivo e uma estrutura de missão. Esta parafernália devia ter apresentado um programa de comemorações no final de 2022.

Porém, a bem dizer, uma parafernália inexistente não pode parafernaliar. Em Dezembro de 2023, a comissária disse que nenhuma destas instâncias tinha sido de facto constituída. Esperar pelo Camões, para a comissária, foi esperar por Godot. Depois da denúncia, o Governo criou um “comissariado consultivo” ao qual cabe agora apresentar um programa até Maio, começando as celebrações logo em Junho.

Acresce que o Orçamento do Estado para 2024 não tem verbas para as comemorações, escreve o “Sol”, e entretanto caiu o Governo e portanto, com ele, o Carmo e a Trindade: um novo Governo impossivelmente fará seja o que for a tempo.

Camões não se queixa, e até dispensa homenagens oficiais. Nós é que nos queixamos. Nós é que não dispensamos homenageá-lo. Nós, os maravilhados com a épica que não se contém numa única leitura; nós, os encantados com a lírica, cujos sonetos toda a língua portuguesa sabe de cor; nós, os que queremos agradecer-lhe o legado, ainda que nos falte engenho e a arte.

Nisto perdeu-se a oportunidade óptima para ler Camões no século XXI, isto é, a oportunidade para promovermos leituras diversas da obra, de lhe darmos um fôlego nosso.

Poetry slams com temática camoniana, peças de teatro, edições especiais, declamações de memória e em jeito de desafio, um site com o contributo de gente variada, envolver as comunidades de língua portuguesa por onde Camões andou, mas sempre com um oi ao Brasil, enfim. Haveria tanto para fazer, sobretudo apresentar aos estudantes um Camões diverso, complexo, um Camões sem manias de academismo ou instrumento da gramática, essa coisa detestável que ainda se pratica nas escolas. 
Veja-se a lírica e o que fez com ela Eugénio de Andrade. Dizia ele que o melhor livro da literatura em língua portuguesa seria uma antologia sua dos sonetos de Camões. E tinha razão: a antologia, que hoje se encontra publicada pela Assírio & Alvim, é breve e maravilhosa, profunda e única. Não sei porquê, gostaria de ver adolescentes desesperados de amor a lerem aqueles poemas uns aos outros, em busca de conquistar o coração alheio.

Decerto algo se fará. Somos peritos em fazer algo. Mas uma homenagem séria agora já é coisa de ficção. 

*O autor escreve segundo a antiga ortografia 


terça-feira, 25 de abril de 2023

Prémio Camões 2019: o discurso de Chico Buarque na íntegra

 

Prémio Camões 2019: o discurso de Chico Buarque na íntegra

https://www.publico.pt/2023/04/24/culturaipsilon/noticia/premio-camoes-2019-discurso-chico-buarque-integra-2047322

Ao receber este prêmio penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária. Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá no meu posto, a receber o Prêmio Camões com muito mais propriedade. Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos sessenta, retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspectos mais profundo.

O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco. Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica. Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tenho uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos sinto-me em casa e esmero-me nas colocações pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema Morte e Vida Severina com músicas minhas, ele, um poeta consagrado e eu, um atrevido estudante de arquitetura. O grande João Cabral, primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música, e não sei se chegou a folhear algum livro meu.

Escrevi um primeiro romance, Estorvo, em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de Prêmio Camões. De vários autores aqui premiados fui amigo, e de outras e outros – do Brasil, de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde — sou leitor e admirador. Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim.

Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade. Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele Governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-Presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso Presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo.

Muito obrigado


sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

IV Congresso Internacional da Associação de Brasilianistas na Europa (ABRE) - 5 a 8 de setembro de 2023 no Instituto Universitário de Lisboa

 Associação de Brasilianistas na Europa (ABRE) convida para a apresentação de propostas para seu IV Congresso Internacional que ocorrerá de 5 a 8 de setembro de 2023 no ICS - Instituto de Ciências Sociais e no Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, Portugal.  


A Europa tem uma forte tradição em estudos brasileiros, assim como em pesquisas científicas ou colaborações profissionais que estão de alguma forma conectadas com o Brasil. A ABRE tem como objetivo oferecer um fórum transdisciplinar para o intercâmbio, a difusão e a comunicação entre estudantes e profissionais que atuam na Europa, interessados pelo Brasil. Os congressos que organiza a cada 2 anos procuram juntar pessoas que realizam pesquisas ou algum outro tipo de colaboração relacionada com o Brasil, não se limitando a pesquisadores europeus e vinculados a instituições europeias (http://abre.eu/estatutos/).

O próximo congresso decorrerá ente 5 e 8 de setembro de 2023 em Lisboa, no ICS - Instituto de Ciências Sociais e no ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa.

O Congresso contará com painéis acadêmicos, palestrantes convidados e sessões plenárias.

Calendário 

As submissões podem ser feitas até 20 de janeiro de 2023.

As confirmações de aceite serão enviadas até 20 de fevereiro de 2023.

Regras para a submissão de propostas:

ABRE aceita propostas de comunicações individuais e de painéis.

As propostas devem conter:

Título do Painel

Nome dos Organizadores/as e endereço eletrônico

Resumo do painel com 300 palavras

Nome das/dos participantes com o título e resumo da comunicação (250 palavras) 

Em caso de submissão individual deve conter título e resumo da comunicação (250 palavras), o nome das/os autoras/es e co-autoras/es, e endereço eletrônico 

Painéis

Cada pessoa pode submeter uma única proposta e participar apenas em um painel, seja como autor ou co-autor.

Cada painel proposto deverá ser composto por

um mínimo de 3 e um máximo de 5 participantes;

1 responsável/moderador, que também pode apresentar uma comunicação;

participantes de ao menos 3 países diferentes, sendo 2 europeus.

As propostas de painéis completos (5 participantes) serão privilegiadas.

Comunicações Individuais

As propostas de comunicação individual serão incluídas em painéis com temáticas semelhantes e que tenham menos de 5 membros ou reunidas em painéis que incluam várias temáticas. 

O congresso decorrerá preferencialmente de forma presencial embora também aceite painéis/sessões exclusivamente online. Não haverá sessões híbridas e na altura da submissão da proposta deverá ser indicado se a sessão será presencial ou online. Serão privilegiados os painéis presenciais.

Todos os participantes de um painel devem aderir à ABRE antes da submissão da proposta aqui https://www.conftool.pro/abre2023. 

Endereço eletrônico do Congresso: secretariadoabre2023@gmail.com  

As propostas podem ser feitas online pelo site: https://www.conftool.pro/abre2023

Informações atualizadas serão publicadas no site http://abre.eu/congressos/abre-iv/

Vos esperamos em Lisboa em setembro de 2023! 

domingo, 31 de julho de 2022

Pedro, o libertador? Em parte, e não sozinho. Harmoniosa separação? Nem tanto...

 

Os baianos, e outros do NE, certamente não concordariam com essa "harmoniosa separação", pois que pessoas morreram resistindo às tentativas de manutenção do status colonial que tropas portuguesas pretendiam manter. A luta armada não foi só em prol da defesa da legitimidade da coroa portuguesa para sua filha Maria da Gloria, contra seu irmão absolutista D. Miguel. 

O Conselho de Minerva deveria ter mais cuidado ao redigir seu anúncio.

Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820 - Lisboa, Portugal, 11-13/10/2021

CONGRESSO INTERNACIONAL DO BICENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO DE 1820 

Programa 

Assembleia da República, Lisboa, Portugal


Dia 11 de outubro 

9:30 Horas 

Acolhimento dos participantes (entrada principal da Assembleia da República) 


(...)


Sessão Solene de Abertura | Sala do Senado 

17:00 Horas | Abertura pelo Presidente da Assembleia da República 

Eduardo Ferro Rodrigues 

17:10 Horas | Intervenção do Presidente das Comemorações do Bicentenário do Constitucionalismo Português 

Guilherme d’Oliveira Martins 

17:20 horas | Intervenção da Presidente da Comissão Organizadora do Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820 

Miriam Halpern Pereira 

17:30 Horas | Encerramento pelo Presidente da República 

Marcelo Rebelo de Sousa 


(...)


Dia 13/10; 14: 30 Horas – Sala 1 

As Revoluções na América do Sul (3) 

Coord. Maria Beatriz Nizza da Silva, Ana Frega e Maria Lúcia Bastos P. Neves 

Adriana Pereira Campos e Kátia Sausen da Motta (Universidade Federal do Espírito Santo) -Petições atlânticas: brasileiros dirigem-se às cortes de Lisboa por direitos de justiça 

Paulo Roberto de Almeida (Ministério das Relações Exteriores do Brasil e Centro Universitário de Brasileiro) - A revolução liberal de 1820 como precursora da independência do Brasil: o papel do Correio Braziliense de Hipólito da Costa 

Rafael Cupello Peixoto - “Como soldado, como Português, e como filho de uma Ilustre Pátria por quem ainda darei a vida, e fazenda [...]”: Felisberto Caldeira Brant e a Revolução do Porto de 1820 

Maria Beatriz Nizza da Silva (Universidade de São Paulo) - 1820: Luís do Rego Barreto governador de Pernambuco (P) 


(...)

16:00 Horas | Pausa 


16:30 Horas | Mesa Redonda - Encerramento 

Miriam Halpern Pereira, Gabriel Paquette e Guilherme d’Oliveira Martins - O Antigo Regime em questão: continuidades e mudança 



Íntegra do programa neste link: 


https://www.academia.edu/53289748/Congresso_Internacional_do_Bicentenario_da_Revolucao_de_1820_Lisboa_Portugal_2021_

sábado, 8 de maio de 2021

Digging Thucydides in Lisbon - Miguel Monjardino (The City Journal)


 A História da Guerra do Peloponeso, por Tucídides, ainda é uma grande leitura para os tempos atuais, válido tanto para história, estrito sensu, como para relações internacionais, no sentido lato, pois que tratando das más decisões tomadas por Atenas em suas alianças com outras cidades-Estado gregas na luta contra Esparta. Mas, as interpretações feitas a partir da sua obra, como se existisse alguma "armadilha de Tucídides" no caso de uma suposta disputa hegemônica entre os EUA, o poder estabelecido (ou Atenas), e a China, equivocadamente identificada com Esparta (por ser "ditatorial'), refletem apenas a paranoia inacreditável de acadêmicos americanos – no caso, o professor Graham Allison, de Harvard – que se deixaram contaminar (o termo é apropriado, não só pela peste em Atenas, que vitimou o próprio Péricles, mas pela pandemia do século XXI) pela paranoia dos generais do Pentágono (que têm por obrigação ser paranoicos). Essa postura confrontacionista dos americanos – como se eles fossem atenienses agressivos e arrogantes – é sumamente equivocada, inadequada e prejudicial, não só aos dois gigantes da economia mundial, mas a todos os demais países, em especial os países em desenvolvimento, que poderiam se beneficiar com duas locomotivas do crescimento global e das possibilidades de cooperação entre elas, dada sua complementaridade absoluta.

Paulo Roberto de Almeida

MIGUEL MONJARDINO

Digging Thucydides in Lisbon

China’s rise has led to pat citations of the Athenian historian, but one must truly study his work to understand it.


The City Journal, May 8, 2021

https://www.city-journal.org/digging-thucydides-in-lisbon



At the March 18 meeting of senior American and Chinese officials in Anchorage, Alaska, Yang Jiechi, director of China’s Office of the Central Commission for Foreign Affairs, clarified his country’s position: “The United States does not have the qualification to say that it wants to speak to China from a position of strength.” Xi Jinping’s sobering message to the Biden administration was that the United States can have peace or war. Amid the political fallout of Anchorage came a deluge of references to Thucydides, the Athenian general and historian who wrote The History of the Peloponnesian War in the fifth century B.C. “The Thucydides Moment?” asked the Nikkei Asia Review after the meeting. General Xu Qiliang, vice president of China’s Central Military Commission and the country’s top military officer, spoke about the “Thucydides trap.” Indeed, such references have become almost mandatory since Harvard professor Graham Allison coined that expression a decade ago to warn about the dangers of a contest for supremacy between the U.S. and China.

But Thucydides never wrote about the trap. What he wrote, in the beginning of the History of the Peloponnesian War, was: “In my view the real reason, true but unacknowledged, which forced the war was the growth of Athenian power and Spartan fear of it.” This is one the greatest sentences ever written in political analysis, but it can be interpreted only with reference to Thucydides’s views about power, the nature of the Athenian and Spartan regimes, and the realities of empire, money, political psychology, time horizons, and war. Our current fixation with the “Thucydides Trap” has led to an unfortunate oversimplification of his work.

Thucydides has been hosting the longest-running seminar in international politics, and the price of admission for those who want to enroll in it is simple: you have to read him. Since February, I’ve been doing just that with the class of 2021—I call the students, born in 2000, “the last class of the twentieth century”—of the Institute for Political Studies at the Catholic University of Portugal, where I am a visiting professor. Laura Lisboa, a gifted student who graduated with distinction in physics at Instituto Superior Técnico and then switched to work in political science, is the teaching assistant.

Covid-19 has upended our lives. Since March 2020, I’ve been waiting out the pandemic in Angra do Heroísmo, a World Heritage Site in the Azores, while the class reads Thucydides in their homes across Portugal. Zoom has become indispensable for us—at a price. “I don’t want to sound spoiled,” said a young woman in our first class. “We are healthy and, unlike many, we have food on the table. My point is, up to the beginning of the pandemic, university was about being together. Now, in spite of all this technology, I don’t think we are together at all. We used to talk through the night. We shared ideas in bars and libraries. We went out. Now we look at the same walls every day. Today is just like yesterday. Nothing will change tomorrow. We had to learn how to live isolated. It’s been really hard to find the motivation to study and write. When will we be together again? I miss going to live concerts.”

I feel for them. University shouldn’t be like this. I’ve had to reconsider everything about the content and rhythm of education in the digital world, though two decades of work in television have proved helpful.

While Covid-19 cannot be compared to the plague that devastated Athens from 430–427 B.C., it has helped the class appreciate the power of Thucydides’s description of a contagious-disease outbreak in the middle of a war. Among the many casualties of this plague were Athens’s senior statesman Pericles, his sister, and his two sons. The class examined François-Nicolas Chifflart’s Pericles at the Death Bed of His Son and Michiel Sweerts’s Plague in an Ancient City and read his funeral oration to the sound of Mahler’s Fifth Symphony. I asked: was Pericles, who devised a military strategy based on attrition against Sparta and its allies, responsible for the plague and its consequences? The students didn’t reach a consensus. “The way I see it, the war with Sparta was inevitable,” said one. “The plague was not something he could have predicted. Events surprised him. I don’t think he is responsible for this.” “I disagree,” argued another. “I believe he is washing his hands of the responsibility here. This is not leadership. If I was at the assembly, I would trust him less after this.”

Athens agonized over the decision, but eventually struck a defensive alliance with Corcyra (now Corfu). The Athenians believed that the island—with its privileged geopolitical position in the northwest and a powerful navy—would enhance Athens’s security and help the city-state maintain a favorable balance of power with Sparta. Events then took a surprising turn. Instigated by Corinth, an ambitious and risk-taking city, revolution and a bloody civil war consumed Corcyra. Sparta and Athens intervened.

In his powerful account of these events, Thucydides gives his opinion about the drastic changes in values that the civil war brought about. It is essential reading for any political education; as the class read, Schubert’s “Ständchen” D957played in the background. “Why did Sparta withdraw its navy from Corcyra?” asked one perplexed student. “They were winning here. What’s wrong with this Alkidas, the Spartan admiral?” “This is really shocking,” said another. “I mean, fathers killing sons. And the Athenian admiral does nothing. He could have put an end to this horror. This looks like something that Sparta would do, not Athens.” “Perhaps,” said another, “but Corcyra’s geopolitical location is really important for Athens. I believe this is about necessity in war. Just like the Spartans in Plataea. The Athenian fleet is there to deter more foreign interventions and give time to the popular party in Corcyra to turn the civil war in their favor.” “Yes,” observed one student, “but this is not what Athens had in mind when it accepted the alliance. Now they will have to commit more naval forces in the northwest.” “What I find puzzling is how unstable Corcyra is politically,” said another. “How can they be a good ally of the Athenians?”

War, as Thucydides reminded us, is a “violent school.” Francisco Goya, the Spanish painter, knew this too. We discussed his masterpiece El tres de Mayo en Madrid, and some of his drawings and etchings currently in exhibition at the Metropolitan Museum of Art. Civil strife and the powerful emotions that it elicits pose the greatest dangers to any society.

When our seminar drew to a close, we had covered plenty of ground. Our first deep dive into Thucydides’s work, in February, was unsettling. “Do we have to know all this?” asked one student after reading the first paragraphs of the History of the Peloponnesian War and looking at the maps. “I never heard about many of these cities.” “The political context is very confusing,” observed the aide-de-camp of the class. “We don’t live in Thucydides’s time.” Quite right. But there is something about the way Thucydides writes that progressively draws readers into his work, into the dark pit of a long and destructive war. By the end, students had chosen their sides in the war: some Athenians; others Spartans; a few believing that Corinth was right in challenging Athens and pressuring Sparta to step up in defense of its allies; others curious about Persia, the superpower of the time. (As far as I know, Corcyra has no supporters. “They are just like Hannah Montana,” argued a student, tongue in cheek. “They want everything and don’t understand that all of this happened because of them.”) Thucydides became personal to them.

“I have a question,” said a pro-Athenian student. “If Pericles was alive at the time, would he allow this level of violence in Corcyra? I was really shocked by this.”

“What do you think?” I asked.

“I don’t think so,” he replied. “I doubt he would be so brutish. This is not his Athens. Something has changed.”

Yes, up to a point. War happened. That changed everything. Athens was not the same after Pericles’ death in 429 B.C., but the city had been an ambitious imperial democracy for decades. The Athenians always feared revolts by their allies. In his last speech, Pericles was blunt about it: empire was “like a tyranny—perhaps wrong to acquire it, but certainly dangerous to let it go.”

Thucydides, an Athenian and senior military officer who witnessed the rise and fall of his extraordinary city, wrote to tell us that the world is difficult, ambiguous, and complex. Politics and strategy possess too many variables; a few are interdependent. To quote one of his paragraphs to try to explain current events—such as the competition between the U.S. and China—is not enough. The Athenian general wanted us to read his work and to argue with him. That’s why I’ve looked forward to my conversations with the class of 2021 about The History of the Peloponnesian War. Many years from now, when their sons and daughters ask them what they read at university, the members of the last class of the century will be able to say, “I read Thucydides at the Catholic University.”

Miguel Monjardino is a visiting professor of geopolitics and geostrategy at Portuguese Catholic University.

Photo by Sunil Ghosh/Hindustan Times via Getty Images

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A defesa da democracia contra a balcanização da nação - João Carlos Espada (ICP-UCP, Portugal)

No momento em que Portugal tem o seu sistema de assistência hospitalar ameaçado de colapso, pelo avanço da pandemia, depois que o país esteve na vanguarda da prevenção e dos cuidados em 2020, o professor João Carlos Espada, diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica de Portugal, me envia seu artigo semanal, na qual ele alerta não apenas contra os populistas de direita, iliberais ou claramente antidemocráticos, mas também contra o "progressivo coercitivo", ao estilo de Bernie Sanders.

Paulo Roberto de Almeida


João Carlos Espada                                        
Director, Institute for Political Studies, Universidade Católica Portuguesa                                     
President, International Churchill Society of Portugal
Latest books: The Anglo-American Tradition of Liberty: A view from Europe (Routledge, 2016/18); Liberdade como Tradição (Távola, 2019).

O dia da democracia /premium

1 Escrevo antes de conhecer os resultados oficiais das eleições presidenciais de ontem. Mas não hesito em prestar homenagem ao civismo dos portugueses neste dia da democracia.

Votei na Escola Raul Lino — o grande arquitecto da doce e conservadora Casa Portuguesa — no Monte Estoril. Cheguei às 14h10 a uma longa e ordeira fila que esperava cá fora. Tudo decorreu suavemente, sob a gentil e “unassuming” liderança de inúmeros jovens voluntários — vários escuteiros devidamente trajados, e várias jovens elegantes com batas brancas. Todos diziam “por favor” e “obrigado”, com um sorriso educado que se adivinhava por trás das máscaras.

Às 14h25,  eu já estava a sair. Com lágrimas nos olhos e voz embargada, agradeci a todos os voluntários que reencontrei no caminho de saída. Qualquer que seja o resultado, foi uma lição de civismo e de democracia. Foi o dia da democracia!

2 “O dia da democracia” foi também como o Presidente Joe Biden designou o dia da sua tomada de posse, a 20 de Janeiro — a data que a Constituição americana claramente define. Foi uma bela cerimónia, em que o novo Presidente proferiu um tocante discurso em defesa da tradição democrática americana e da reconciliação nacional.

“End this uncivil war!”, disse o Presidente. E este foi o título da manchete do conservador The Daily Telegraph  de Londres, na quinta-feira de manhã. A frase do Presidente democrata americano e o enfático apoio do conservador-liberal diário de Londres falam por si: a esquerda e a direita democráticas estão a re-descobrir a causa comum da defesa da democracia civilizada contra a guerra tribal — e não-civilizada, “uncivil” — entre facções rivais.

3 Existe de facto uma “uncivil war” em curso que tem de ser derrotada. O estilo terceiro-mundista do sr. Trump — a que chamei aqui repetidamente general tapioca — levou a incivilidade ao rubro. Felizmente, o general tapioca foi derrotado nas urnas e nos tribunais pela grande democracia americana. Como também já referi neste espaço, é ensurdecedor o silêncio dos apoiantes do sr. Trump, lá fora e entre nós.

Mas há outro tribalismo a alimentar a “uncivil war” na América e no Ocidente. Num longo e muito estimulante artigo na conservadora-liberal The Spectator de Londres, Stephen Daisley chama-lhe, a meu ver apropriadamente, “progressismo coercivo”.

Trata-se de uma cartilha ideológica politicamente correcta que quer redesenhar central e autoritariamente os modos de vida descentralizados e os valores morais livre e espontaneamente partilhados ao longo de inúmeras gerações. Foi o sentimento espontâneo de auto-defesa contra a ofensiva autoritária do “progressismo coercivo” que gerou os 74 milhões de votos no ungentleman sr. Trump — a maior votação até agora alcançada por um candidato republicano ou/e por um candidato derrotado.

4 Esta é uma questão crucial que não pode ser esquecida. Um estudo não partidário citado por Stephen Daisley refere que o sectarismo partidário nos EUA atinge hoje níveis de ódio e tribalismo semelhantes aos registados na Bósnia e no Kosovo. Isto simplesmente significa que a famosa “balcanização” pode estar hoje a ameaçar a democracia americana — e a revelar sinais também preocupantes em várias democracias europeias.

Isto significa também que, em todo o Ocidente, deve existir um esforço comum de combate à balcanização, ao tribalismo e à “uncivil war”. Por outras palavras, o “trumpismo” não deve agora ser combatido com o “progressismo coercivo” do estilo Bernie Sanders (nos EUA), ou Jeremy Corbyn (no Reino Unido) — ambos muito populares entre minorias militantes, mas amplamente e tranquilamente derrotados nas urnas.

Por outras palavras, os extremos tribais de cada lado devem ser combatidos pelos moderados de cada lado. E a causa comum da democracia liberal pluralista — o regime da regra, obra comum de partidos rivais — deve ser reafirmada pela direita e pela esquerda democráticas.

5 Isto implicará um vasto esforço político, mas também e talvez sobretudo cultural e intelectual. Será importante estimular o re-encontro intelectual de vozes moderadas da direita e da esquerda. E será crucial criar espaços de conversação entre essas vozes, em vez de balcanizar a gritaria tribal entre vozes sempre muito zangadas — e em bom rigor, apenas semi-educadas.

Face à gritaria estridente das minorias militantes, da esquerda e da direita radicais e mal-educadas, é sempre gratificante recordar em tom moderado as sábias palavras de Winston Churchill sobre a filosofia política de seu pai — um conservador liberal — e sobre o segredo da mais antiga democracia parlamentar do planeta:

“Ele [Lord Randolph Churchill] não via razão por que as velhas glórias da Igreja e do Estado não pudessem ser reconciliadas com a democracia moderna; ou por que as massas do povo trabalhador não pudessem tornar-se os principais defensores dessas antigas instituições, através das quais as suas liberdades e o seu progresso tinham sido alcançados. É esta união entre o passado e o presente, entre a tradição e o progresso, esta corrente de ouro [golden chain], até agora nunca quebrada, uma vez que nenhum esforço indevido lhe foi imposto, que tem constituído o mérito singular e a qualidade soberana da vida nacional inglesa.”


Aqui envio link para o meu artigo de hoje (1/02/2021) no Observador.

Eleições presidenciais: “Trust the people”


quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820 - Lisboa, 11-13/10/2021

Recebi esta comunicação dos organizadores deste 

Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820


Caro(a)s participantes no Congresso,


Voltamos ao contacto convosco para reiterar o nosso empenho na organização do Congresso comemorativo da revolução liberal de 1820.

Neste ano tão atípico, e com tantas perturbações ao normal funcionamento de encontros académicos nacionais e internacionais, o adiamento deste Congresso tornou-se inevitável.


Agradecemos a vossa compreensão e a vossa disponibilidade para estarem presentes no próximo ano, nos dias 11 a 13 de outubro de 2021.

Recordamos que a lista das comunicações aprovadas e respetivos resumos é a que consta da página do Congresso - https://cbr1820.com/programa/ .

Pedimos a todos os autores que enviem as suas comunicações até dia 31 de maio de 2021. As regras relativas à extensão e formato dos textos são apresentadas no ficheiro em anexo.


Estamos certos que o adiamento não perturbará o alcance que este Congresso vai ter, atendendo à qualidade das comunicações agendadas.

Oportunamente enviaremos informações adicionais sobre a organização do Congresso. E iremos também disponibilizar algumas notícias na página oficial. 


A todos desejamos um Bom Natal e um Novo Ano sem os constrangimentos dos últimos meses.


Cumprimentos calorosos


A Comissão Organizadora do CBR1820

Comissão Organizadora: Miriam Halpern Pereira (ISCTE-IUL), Presidente. Jorge Fernandes Alves (UPorto/FL), Ana Cristina Araújo (UCoimbra/FL) José Luís Cardoso (ULisboa/ICS), Zília Osório de Castro (UNL/FCSH), Maria Alexandre Lousada (ULisboa/FL), Luís Espinha da Silveira (UNL/FCSH).

Comissão Científica: José Viriato Capela (UMinho), Fátima Sá e Melo Ferreira (ISCTE-IUL), Sérgio Campos Matos (ULisboa/FL) Maria Fátima Nunes (UÉvora), José Miguel Sardica (UCP/FCH), Cristina Nogueira da Silva (UNL/FD), Maria Beatriz Nizza da Silva (USP), Susana Serpa Silva (UAçores), Luís Reis Torgal (UCoimbra/FL), Isabel Vargues (UCoimbra/FL), Telmo Verdelho (UAveiro).

Apoio de Secretariado: Ricardo de Brito (ULisboa/FL), Joana Paulino (UNL/FCSH) e Sofia Rocha (ISCTE-IUL/CIES)


PAINÉIS TEMÁTICOS: LISTA DAS COMUNICAÇÕES ACEITES


Informações e contactos: cbr1820@gmail.com


Estou inscrito logo no primeiro painel, com 16 outros participantes: 

As revoluções na América do Sul 

The revolutions in South America [17]

As revoluções na América do Sul

Coordenação:
Ana Frega

anafrega@fhuce.edu.uy

Universidad de la República de Uruguay, Instituto de Ciencias Históricas
Lúcia Maria Bastos P. Neves

lubastos52@gmail.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de História
Maria Beatriz Nizza da Silva

mclaudio5@gmail.com

Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Com este painel, pretende-se recuperar os ecos gerados nas antigas colónias ibero-americanas pela Revolução de 1820 em Portugal e pelos movimentos liberais em outras partes da Europa nesse período. Tem-se em vista uma mais precisa caracterização da cultura política que então surgia e das reações que provocava. Valoriza-se a utilização de novas fontes, como a literatura de circunstância, a imprensa e qualquer documentação privada.

Em primeiro lugar, buscam-se os múltiplos ecos do constitucionalismo nas desarticuladas províncias do Reino do Brasil, que integrava, desde 1815, o Reino Unido com Portugal e Algarves; na Cisplatina, então inserida neste espaço; e também nos demais países em formação da América meridional. Em segundo lugar, o aprofundamento das discussões, já em curso para essa região geográfica, em torno de conceitos como constituição, liberdade, política, soberania, nação e religião, assim como das linguagens políticas do liberalismo a que se recorriam na conjuntura, indicando a circulação de ideias entre os dois lados do Atlântico. Em terceiro lugar, a análise das associações, festas, símbolos e rituais associados ao constitucionalismo. E, por fim, o reexame da historiografia, que tendeu a atribuir um duplo carácter à Revolução de 1820: liberal na Europa e recolonizadora na América.

Meu paper: 

A revolução liberal de 1820 como precursora da independência do Brasil: o papel do Correio Braziliense de Hipólito da Costa

THE 1820 LIBERAL REVOLUTION AS A PRECURSOR TO BRAZILIAN INDEPENDENCE: THE ROLE OF HIPOLITO DA COSTA’S CORREIO BRAZILIENSE

Paulo Roberto de Almeida
Programas de mestrado e Doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub); Ministério das Relações Exteriores do Brasil

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823), natural de Sacramento, criado no Brasil, teve sua carreira de assessor de D. Rodrigo de Souza Linhares precocemente amputada pela Inquisição portuguesa. Ao refugiar-se na Inglaterra desde 1805, tornou-se o criador, redator e editor do Correio Braziliense: foi o primeiro jornal verdadeiramente independente do futuro Estado brasileiro, que ele passou a ver como a sede de um grande império luso-brasileiro geograficamente transcontinental, quadro de um governo monárquico-constitucional que ele augurou desde o deslanchar da revolução no Porto. Por meio do seu “armazém literário” seguiu os trabalhos das Cortes de Lisboa a partir dos quais, ao ver a redução do Brasil a status anterior de colônia, não hesitou em aderir, ainda que tardiamente, à tese da independência de sua pátria de origem. O Correio foi importante do ponto de vista das lutas políticas e jornalísticas, pela liberdade de expressão e no controle das autoridades. Quando dos episódios de 1807-1808, refletindo sobre os destinos do Brasil, ele não hesitou em apontar os caminhos que se abriam à nação que passava a acolher a corte metropolitana, que ele julgava que deveria aperfeiçoar-se na melhoria dos costumes e da moral pública, assim como empenhar-se em livrar-se da nódoa do tráfico e do opróbio da escravidão. Acompanhando a marcha dos acontecimentos no Brasil desde a partida de D. João VI e a assunção de D. Pedro como príncipe regente, Hipólito não deixa de recomendar importantes mudanças quanto à forma de melhor governar o Brasil, na suposição inicial de que Brasil e Portugal deveriam permanecer unidos. Ele não se opôs à constituição de um Estado brasileiro, apenas se pronunciava pela unidade do Império, vendo o Brasil como o centro de uma grande unidade de propósitos entre as diferentes partes dos imensos domínios marítimos de Portugal, a base provável de uma nação espalhada em vários continentes, podendo colocá-la quase em igualdade de condições com outros impérios existentes ou em formação. Na fase final de seu trabalho como editor do Correio Braziliense, em julho de 1822, Hipólito veio a assumir novo posicionamento, já que ele era favorável, até a ocorrência da revolução do Porto e a “constituinte” portuguesa, à continuidade da união política entre Portugal e o Brasil sob a forma de uma monarquia constitucional. Temia acima de tudo uma “independência intempestiva” ou o retorno do Brasil a uma situação de colônia. Sua mudança de atitude se deu no quadro dos debates nas Cortes portuguesas, quando são discutidas diversas medidas no sentido de “recolonizar” o Brasil. Quando esse Estado se constituiu de forma autônoma ao governo de Portugal, evolução, aliás, à qual ele não se opôs de maneira definitiva, ele estava pronto para servir à nova nação, mesmo na condição  meramente instrumental de cônsul na Grã-Bretanha, início provável de uma carreira de estadista que o teria levado de volta à terra natal. Ele foi designado cônsul do Brasil na Grã-Bretanha no início de 1823. Sua morte precoce impediu-o de desempenhar um papel de estadista e diplomata brasileiro.

Palavras-chave:

Hipólito da Costa, Correio Braziliense, Revolução do Porto, Independência do Brasil, Cortes de Lisboa, Império Luso-Brasileiro


Hipolito José da Costa Pereira (1774-1823), born in Sacramento, raised in Southern Brazil, was a young assistant to D. Rodrigo de Souza Linhares, whose career was precociously cut short by the Inquisition. Exiled in England from 1805 onwards, he created the first, truly independent, Brazilian newspaper, Correio Braziliense. He conceived, at the onset of Oporto Liberal revolution, a great role for his birth country, which he considered the siege of a great Luso-Brazilian Empire, under a united constitutional monarchy. Following attentively the debates at the Lisbon Cortes, pointing to the retrocession of Brazil back to a colonial status, he adhered, albeit at a later stage, to the independence of Brazil. From a point of view of political and media debates, Correio was really important, as it followed (and censored) the Crown and ministers’ activities. Printing and distribution in Portugal and Brazil – despite the censorship – started almost immediately after the transfer of the court to Brazil (1807-1808): Hipolito foresaw a new opportunity to upgrade the situation on Brazil, mainly in the political realm and by the elimination of the traffic and the slave system. After the departure of King John VI (1821), pressed by the Lisbon Cortes, and the designation of his son as Regent Prince, Hipolito suggested important changes for the administration of Brazil, while stating that the two parts of the United Kingdom should be kept together under a single monarchy. He was not opposed to the constitution of a Brazilian state, only preferring the unity of a big Empire, within which Brazil would be the center of a big commonwealth of purposes, among the different parts of the huge Portuguese maritime dominions: its spread over many continents would put it at the same level of other empires. During his final phase as publisher of Correio Braziliense, mid 1822, Hipolito started to change somewhat his position as regards the unity between Brazil and Portugal under a single constitutional monarchy. He was afraid of an “early independence” or the going back of Brazil to a new colonial status, as decided within the workings of the Lisbon constitutional assembly.At that point, Brazil was already marching quickly towards Independence, and Hipolito started to put his endeavors at the service of the new nation, deciding to close the Correio by a definitive issue at the end of that year. He would probably start by acting as a Brazilian consul in London, the beginning of new career which could bring him back to the country of his youth or to the inception of a diplomatic assignment. He was formerly chosen as consul in Great Britain at the beginning of 1823, but his early death prevented him to raise as a great statesman or a Brazilian diplomat.

Keywords:

Hipolito da Costa, Correio Braziliense, Oporto revolution, Independence of Brazil, Lisbon Constitutional Assembly, Luso-Brazilian Empire