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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

500 Camões (que se está a perder) - Afonso Reis Cabral (JN, Portugal)

Em 2022, o Brasil não comemorou, devidamente, o seu bicentenário da Independência. Portugal está a perder os 500 anos de Camões, segundo este descendente de Eça de Queiroz. (PRA)


500 Camões

JN (Portugal), 30 de janeiro de 2024

https://www.jn.pt/1201519401/500-camoes/

Em 2024, Camões faz quinhentos anos - essa meia-idade dos eternos -, mas nós esquecemo-nos de lhe organizar uma festa. Talvez à última hora alguém consiga desenrascar o bolo, as velas, e cantar-lhe uma canção triste e embaraçosa.

Somos peritos em canções tristes e embaraçosas. Em desencantar uma qualquer coisa que apresentamos como melhor do que coisa nenhuma.

Em Maio de 2021, diz o “Público”, o Conselho de Ministros nomeou uma comissária para as comemorações do quinto centenário e prometeu criar uma Comissão de Honra, um Conselho Consultivo e uma estrutura de missão. Esta parafernália devia ter apresentado um programa de comemorações no final de 2022.

Porém, a bem dizer, uma parafernália inexistente não pode parafernaliar. Em Dezembro de 2023, a comissária disse que nenhuma destas instâncias tinha sido de facto constituída. Esperar pelo Camões, para a comissária, foi esperar por Godot. Depois da denúncia, o Governo criou um “comissariado consultivo” ao qual cabe agora apresentar um programa até Maio, começando as celebrações logo em Junho.

Acresce que o Orçamento do Estado para 2024 não tem verbas para as comemorações, escreve o “Sol”, e entretanto caiu o Governo e portanto, com ele, o Carmo e a Trindade: um novo Governo impossivelmente fará seja o que for a tempo.

Camões não se queixa, e até dispensa homenagens oficiais. Nós é que nos queixamos. Nós é que não dispensamos homenageá-lo. Nós, os maravilhados com a épica que não se contém numa única leitura; nós, os encantados com a lírica, cujos sonetos toda a língua portuguesa sabe de cor; nós, os que queremos agradecer-lhe o legado, ainda que nos falte engenho e a arte.

Nisto perdeu-se a oportunidade óptima para ler Camões no século XXI, isto é, a oportunidade para promovermos leituras diversas da obra, de lhe darmos um fôlego nosso.

Poetry slams com temática camoniana, peças de teatro, edições especiais, declamações de memória e em jeito de desafio, um site com o contributo de gente variada, envolver as comunidades de língua portuguesa por onde Camões andou, mas sempre com um oi ao Brasil, enfim. Haveria tanto para fazer, sobretudo apresentar aos estudantes um Camões diverso, complexo, um Camões sem manias de academismo ou instrumento da gramática, essa coisa detestável que ainda se pratica nas escolas. 
Veja-se a lírica e o que fez com ela Eugénio de Andrade. Dizia ele que o melhor livro da literatura em língua portuguesa seria uma antologia sua dos sonetos de Camões. E tinha razão: a antologia, que hoje se encontra publicada pela Assírio & Alvim, é breve e maravilhosa, profunda e única. Não sei porquê, gostaria de ver adolescentes desesperados de amor a lerem aqueles poemas uns aos outros, em busca de conquistar o coração alheio.

Decerto algo se fará. Somos peritos em fazer algo. Mas uma homenagem séria agora já é coisa de ficção. 

*O autor escreve segundo a antiga ortografia