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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Real vai continuar caindo, diz o Financial Times

Brazil's real: how low can it go?
Joe Leahy and John Paul Rathbone
Financial Times, February 8, 2016

Currency has further to fall given the state of the economy, analysts say
When Dilma Rousseff attended the 2016 opening session of Brazil's congress this week, she appealed to lawmakers to approve tax increases to tackle a widening gap in the country's public finances.
Most critically, the president called for the reintroduction of a tax on financial transactions, known as the CPMF, that was abandoned in 2007 after objections from business. Opposition congressmen booed her.
But with Brazil reporting a budget deficit last year that was the biggest among emerging economies except for Saudi Arabia at over 10 per cent, unpopular measures are needed to save the country from a deepening fiscal hole, analysts say.
Indeed, some economists argue that given Brazil's growing political and budget crises, its currency, the real, should be trading at closer to R$5 against the dollar than today's level of around R$4. Only intervention by the central bank with its large reserves and Brazil's high interest rates are keeping hedge funds at bay, they say.
"Most of us think that if it were just based on fundamentals, the real should be closer to R$5 to the dollar not R$4," said a senior banker with a foreign institution in São Paulo.
Ms Rousseff made a rare appearance in congress because she will need all the support she can get in 2016. Not only is the economy heading into its worst recession in more than a century but lawmakers will resume an impeachment process against her after the annual carnival festivities end next week.
A central bank survey of economists shows most predicting gross domestic product will contract by more than 3 per cent this year, compounding what is expected to have been a more than 3 per cent fall in 2015. They are also forecasting inflation of 7.3 per cent, above the central bank's target range of 4.5 per cent plus or minus 2 percentage points and carrying on from last year's blowout rise in prices of 10.7 per cent.
The survey also shows economists predicting the real will end the year at R$4.35 to the dollar compared with about R$3.90 on Wednesday.
However, even though a rate of R$4.35 would be a record nominal low for the currency, it could have much further to fall, economists say. In spite of the much more negative economic situation today, Brazil's currency remains stronger against the dollar in real terms than when it last hit record lows in 2002. At that time, the currency was struck by pessimism over the election of a leftwing firebrand president, Luiz Inácio Lula da Silva, who later turned out to be more market-friendly than expected.
On a real effective exchange rate basis, the real today is trading at about 15-25 per cent below its historical average while in 2002 it fell as much as 50 per cent below its average. Indeed, the currency's "equilibrium" - the level at which it would represent fair value in real terms - would be R$5.45 if it were allowed to float without intervention, said Marcos Casarin, economist with Oxford Economics.
"This [R$5.45 to the dollar] is where the model says OK now your external adjustment is done and now this rate will ensure you have some capacity for your export industry to be competitive in external markets," Mr Casarin said.
This fact has not been lost on hedge fund managers. Just before the Christmas break, Brazilian hedge fund, Verde Asset Management, led by Luis Stulhberger, known for his long history of market outperformance, said in a report it saw the currency as overvalued.
"The time will come to have much higher exposure in US dollars [versus the real]," Verde said. "We remain very attentive."
The obstacle facing hedge funds is the prospect of central bank intervention to defend the currency. Brazil has one of the largest foreign exchange reserves in the world at about $369bn. Betting against the real by going short is also expensive given Brazil's high interest rates, with the central bank's benchmark Selic rate at 14.25 per cent.
"I think it [the real] will be held back by central bank intervention and also by those fat interest rates they offer, which discourage shorting of the real," said Mr Casarin of Oxford Economics.
Another factor potentially helping the real is a collapse in trade, with imports contracting faster than exports in recent months. This has generated a positive trade balance - a factor that could curb depreciation of the Brazilian currency, Nomura said in a report.
However, most analysts say that even if the real can withstand Brazil's internal problems, it is extremely vulnerable to an external event, such as a significant devaluation of the renminbi. China is one of Brazil's most important trading partners. Such a shock could open the currency up for attack.
"There are a lot of mines along the way, external and internal, so the real, as much as it has moved down, probably hasn't seen its bottom yet," said Jorge Mariscal, emerging markets chief investment officer with UBS Wealth Management.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Divida externa de estados e municipios: aumento apos a desvalorizacao do real

Da coluna diária do ex-prefeito Cesar Maia:

DÓLAR SOBE E ESTADOS E MUNICÍPIOS PAGAM UMA DOLOROSA CONTA! EM 2 ANOS E MEIO DIVIDA EXTERNA EM REAIS PASSOU DE R$ 41 BILHÕES PARA R$ 54 BILHÕES!           
1. (Ex-Blog) A dívida externa de estados e municípios foi estimulada pelo governo federal nos últimos anos. Além das clássicas dívidas com o Banco Mundial e o BID, foram introduzidos novos mecanismos de forma a que estados e municípios pudessem se endividar externamente com bancos privados. E –nesses casos- o governo federal além de estimular, passou a ser garantidor.
           
2. (Globo, 23/08/2013) O Senado Federal aprovou 69 pedidos de empréstimos para estados e municípios desde o início de 2012 até agora. Somente os créditos em moeda americana somam US$ 12,5 bilhões. Além das operações em moeda americana, há ainda dívidas em iene (16,4 bilhões) e euros (310 milhões).
           
3. (Ex-Blog) O governo federal aprovava tais empréstimos e encaminhava para autorização do Senado, justificando a necessidade de investimentos na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016, e legitimando com aplicações também em saneamento básico...
           
4. (Globo, 23/08/2013) O especialista em contas públicas do Ipea Mansueto Almeida lembra que vários estados (e grandes municípios), trocaram dívidas internas por endividamento externo nos últimos anos. Além dessas renegociações, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ainda autorizou novas contratações. — A dívida foi negociada em dólares, mas é paga em reais. Por isso, desde o início do ano, os estados e municípios estão pagando mais caro por ela e o impacto vai chegar aos próximos governadores e prefeitos — observou Mansueto.
           
5. (Ex-Blog) Em 2012 o dólar era cotado a 2 reais. A dívida externa de estados e municípios somava R$ 41 bilhões. Em 2013, o dólar subiu a 2,30 reais. Hoje a 2,60 reais. Em 2013 a dívida externa de estados e municípios alcançava R$ 47,9 bilhões de reais. Entre 2012 e 2013 os estados e municípios passaram a dever em reais mais R$ 7 bilhões. Entre 2013 e 2014 –novembro- o crescimento do dólar foi de 13% e, portanto, o endividamento externo total em reais passou a R$ 54 bilhões, crescendo mais 6 bilhões de reais.
           
6. Portanto, mais 13 bilhões em reais em menos de 2 anos e meio. Agora está na hora de pagar a farra do endividamento externo de estados e municípios. E se a parte com garantias dadas pelo governo federal for executada, transfere-se o ônus para déficit fiscal federal.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Venezuela: politica cambial cambiante... (inevitavel)

O destino desses países que manipulam o câmbio -- Venezuela, Argentina, por ex. -- é enfrentar, mais cedo ou mais tarde, uma crise de transações correntes que os obrigue a desvalorizar em catástrofe, sequestrando eventualmemte os ativos em dólares dos particulares.
Alguem confia nos bancos venezuelanos para neles deixar os seus dólares? A Argentina, por sua vez, é um dos paises menos bancarizados da América Latina: alguma razão deve haver...
Paulo Roberto de Almeida

Venezuela desvaloriza bolívar em 46,5% em relação ao dólar
Por Suzi Katzumata | Valor, com agências internacionais, 8/02/2013


O ministro de Planejamento e Finanças da Venezuela, Jorge Giordani, anunciou, nesta sexta-feira, 8, que a taxa cambial do bolívar passará de 4,30 por dólar a 6,30 por dólar — uma desvalorização de 46,5% —, segundo informou a agência nacional de notícias do país AVN. Ao mesmo tempo, Giordani anunciou a criação do Órgão Superior para a Otimização do Sistema Cambial, mas sem detalhar como será o funcionamento desse novo organismo.
A desvalorização do bolívar era amplamente esperada pelos analistas, pois a medida permitirá uma melhora nas contas do governo, que em 2012 registrou um déficit fiscal de 16% do Produto Interno Bruto (PIB). A elevação do dólar permitirá, ainda, aumentar o caixa da estatal Petróleos de Venezuela (PdVSA), que receberá mais bolívares por cada dólar obtido com a exportação da commodity.
De acordo com o jornal venzuelano El Universal, o presidente do banco central do país, Nelson Merentes, anunciou ainda o fim do Sitme (Sistema de Transações com Títulos em Moeda Estrangeira), após dois anos de funcionamento.
“O sistema não estava cumprindo os objetivos em alguns aspectos. Era imperfeito”, disse o presidente do BC do país, em entrevista coletiva.
Porém, Merentes destacou que o governo irá estimular a abertura de contas em dólar em território nacional.

Contas em dólares
“Desde junho de 2012 está autorizada a abertura de contas em moeda estrangeira e vamos criar mecanismos que facilitem esse fluxo de divisas”, afirmou Merentes.
Segundo o presidente do BC da Venezuela, serão aceitos depósitos em bolívares de até US$ 2 mil por mês para fins previstos pela lei, como remessas para familiares no exterior, recebimento de aposentadorias pagas por outro países e recebimentos de trabalhos prestados.

sábado, 1 de setembro de 2012

A frase da semana: Ludwig von Mises

True, governments can reduce the rate of interest in the short run. They can issue additional paper money. They can open the way to credit expansion by the banks. They can thus create an artificial boom and the appearance of prosperity. But such a boom is bound to collapse soon or late and to bring about a depression.

Ludwig Von Mises 

recolhida de um dos muitos comentários a este artigo de opinião publicado no Wall Street Journal deste sábado: 


The Federal Reserve: From Central Bank to Central Planner

John Cochrane

The Wall Street Journal, September 1, 2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

Brasil quer a socializacao dos custos de sua politica cambial!

Em suma, é isso que pretende o Brasil, ou melhor, o atual governo brasileiro.
Ele quer dividir com todos os demais países os "prejuízos", para seus exportadores, de ter uma moeda valorizada.
Curioso que nunca se fala nos benefícios de se ter uma moeda valorizada.
Por exemplo: as importações ficam mais baratas, e assim o sistema produtivo nacional, ou brasileiro, pode trabalhar com custos menores.
Outro benefício: os brasileiros ficam um pouco mais ricos, e podem passear em Paris e Londres, e ir duas vezes por ano à DisneyWorld.
Por que só se vêem os prejuízos?
Por que os produtores nacionais e os exportadores estão reclamando? Seria isso?
Frequentemente ouço, até de economistas bem postos, que NENHUM -- com essa ênfase -- se desenvolveu com câmbio valorizado.
MENTIRA! (minha ênfase).
Dou dois exemplos magníficos. Alemanha e Japão, durante todo o pós guerra, cresceram enormemente, se tornaram grandes máquinas exportadoras, a despeito, e até com o benefício de moedas constantemente valorizadas. O marco alemão, por exemplo, começou sua trajetória, no final dos anos 1940, acima de 6 DM por dólar; quando terminou, em 1999, ou 2002, estava a menos de 1,2 deutsche marks por dólar. Da mesma forma, o iene caiu de mais de 550 por dólar, para menos de 80 atualmente,  e nem por isso o Japão deixou de exportar e retirar benefícios de uma moeda valorizada, o que barateia importações e permite utilizar ao máximo esse desafio para obter ganhos de produtividade, justamente.
E o que lemos na matéria abaixo?:


"Os mecanismos atuais da OMC são muito poucos e muito limitados numa situação de câmbio desalinhado. As regras foram desenhadas ainda nos tempos de moeda fixa e são insuficientes para garantir proteção à indústria nessas circunstâncias. Não existe na OMC um mecanismo específico, como salvaguarda, por exemplo, para reagir a desvalorizações competitivas de moedas."


Mas, os mecanismos da OMC não foram concebidos para conceder proteção à indústria. Eles foram concebidos para facilitar o comércio, o que se consegue liberalizando fluxos, baixando tarifas, produzindo facilitações alfandegárias, etc. Proteção é um conceito que não deveria ser invocado como mecanismo da OMC, e sim como solução emergencial e temporária, e em condições muito limitadas.
Seria a OMC, ou os seus membros responsáveis pelo câmbio desalinhado de um país qualquer?
Claro que não! Por que então se pretende socializar os prejuízos de uma decisão inteiramente nacional. 
Vamos ser claros. Depois do fim de Bretton Woods, ou seja, os regimes de taxas estáveis, cada país é inteiramente livre para fazer o que desejar com a sua moeda: fixar, ancorar, desvalorizar, flutuar, estabilizar, enfim, pode adotar qualquer regime que desejar, sem limitações. Sabendo que qualquer desvalorização torna sua população mais pobre...
Será que EUA e UUEM estão fazendo "desvalorizações competitivas" de suas moedas?
Não consta que seja assim.
A injeção de recursos corresponde a programas específicos de ajuda interna, não a estímulos à exportação.
E foi a própria presidente Dilma quem pediu, expressamente, aos líderes da Europa e dos EUA que estimulassem suas economias, que reinflassem os setores produtivos, para trazer de volta o crescimento e evitar assim maiores problemas ao Brasil.
Como reclamar agora que eles estejam fazendo exatamente o que ela recomendou em suas lições de economia política?


Lemos ainda nesta matéria: 


"...o que queremos é um desafogo para momentos de valorização cambial excessiva."


OK, mas quem é o responsável por essa situação. São os EUA e a Europa responsáveis pela taxa de juros do Brasil, que atrai muitos capitais e assim valoriza sua moeda? Ou os chineses?
Vamos culpá-los, todos, por estarem comprando nossos produtos, aliás commodities, com preços valorizados, e assim ganhando muito dinheiro com isso?
Vamos reclamar de estar ficando ricos?
Por que o Brasil não baixa a taxa de juros, ou se volta para o seu mercado interno, como ele (e outros) recomenda para a China?
Os demais países precisam pagar pelo "desafogo" do Brasil?


Curiosa maneira de ver o mundo.
Quando o Brasil fez um acordo automotivo com o México, este não reclamou que o Brasil tivesse, durante anos seguidos, superávit nas transações bilaterais. Agora que a corrente se inverteu, o Brasil reclama e exige superávit ou equilíbrio politicamente administrado?
Parece aquele menino dono da bola que reclama do resultado do jogo, só aceitando partidas em que ele possa ganhar.
Tudo isso deve ser encarado com seriedade?
Duvido.
E duvido que dessa reunião da OMC saia algo mais do que... palavras...
Paulo Roberto de Almeida 



Brasil busca alívio cambial na OMC
Entrevista / Roberto Azevedo
Primeira Página
Valor Econômico, 26/03/2012

Por Assis Moreira - O Brasil quer pavimentar o terreno na Organização Mundial do Comércio (OMC) para a criação de um mecanismo de desafogo para um momento de valorização cambial excessiva, permitindo impor sobretaxa na importação para proteger sua indústria. A primeira grande discussão ocorrerá amanhã e quarta-feira, reunindo setor privado, governos, instituições internacionais e acadêmicos, na sede do xerife do comércio, em Genebra, num ambiente de fricções crescentes, causadas por desvalorizações competitivas de moedas e retração da demanda global.
Em entrevista, o embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo, diz que o Brasil precisaria de uma tarifa de importação de 180% para dar a mesma proteção que a tarifa de 35% oferecia antes da Rodada Doha, em 2001. É com essas cifras que ele enfatizará amanhã na OMC a que ponto o câmbio deteriorou a competitividade da indústria brasileira.
Nesse cenário, Azevedo reage com vigor à afirmação do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, de que não estaria claro se o câmbio afeta o comércio. Para o representante brasileiro, trata-se de argumento de quem "quer conturbar e confundir" a discussão. Afinal, nota ele, estudo da própria OMC mostrou o impacto dos desalinhamentos cambiais no curto prazo para setores específicos da economia. "E isso exige remédio", disse.
Na mesma linha, a Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) discutirá já hoje mudanças no comércio internacional, com ênfase no câmbio no Brasil. O estudo para discussão estima que a excessiva valorização do real chegou a 80% em abril de 2011 em relação a um nível "ótimo" de longo prazo. Os autores, os economistas André Nassif, do BNDES e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carmem Feijó, da UFF, e Eliane Araújo, da Universidade Estadual de Maringá, sugerem uma meta para o câmbio, para o país alcançar a taxa "ótima" real de longo prazo, definida como aquela que induz à alocação de recursos para os setores de maior produtividade da economia. A seguir, os principais trechos da entrevista com Azevedo:

Valor: O que o Brasil espera dessa discussão sobre câmbio na OMC?
Roberto Azevedo: Os mecanismos atuais da OMC são muito poucos e muito limitados numa situação de câmbio desalinhado. As regras foram desenhadas ainda nos tempos de moeda fixa e são insuficientes para garantir proteção à indústria nessas circunstâncias. Não existe na OMC um mecanismo específico, como salvaguarda, por exemplo, para reagir a desvalorizações competitivas de moedas. É necessário atualizar as disciplinas da OMC e isso só acontece negociando regras também sobre câmbio.

Valor: Ou seja, um antidumping cambial?
Azevedo: Nossa expectativa é de que os passos sucessivos dessa discussão na OMC conduzam inevitavelmente à negociação de um mecanismo de desafogo em situações de desalinhamento cambial de curto prazo.

Valor: A questão cambial já foi tratada no sistema multilateral de comércio.
Azevedo: Sim, o Gatt (que antecedeu a OMC) tratou e desenvolveu disciplinas sobre o assunto. Por exemplo, nos anos 90 tomou decisão que permite o reajuste de direitos específicos, que são tarifas de importação fixadas em valor monetário por unidade. A decisão permite que o país tenha o direito de aumentar essa tarifa de importação específica, quando uma moeda se desvaloriza rapidamente.

Valor: Por que o Brasil não faz uso então dessa possibilidade?
Azevedo: O Brasil não tem em sua tabela de compromissos nenhuma tarifa desse tipo, somente tarifas ad valorem (percentual). Nada impede que desenvolvamos mecanismo similar para as tarifas ad valorem.

Valor: Como superar suspeitas de alguns parceiros de que o Brasil busca pretexto para as medidas de proteção que vem adotando?
Azevedo: Seria até ingênuo imaginar que reclamações sobre câmbio não têm relação com comércio. Em todas as grandes negociações globais sobre câmbio o comércio estava como pano de fundo. Isso é nítido quando o presidente Nixon, em 1971, deixou de autorizar a conversão do dólar em ouro. No mesmo momento, ele impôs sobretaxa de 10% em todas as importações americanas. A reclamação na época era de que a valorização do dólar estava favorecendo a indústria estrangeira em detrimento do emprego nos EUA. A relação câmbio/comércio nunca deixou de existir. Inclusive em seguida o assunto foi para o Gatt. A discussão não prosperou porque ali ninguém estava disposto a entrar numa guerra comercial. Tentou-se encontrar uma acomodação, que resultou num acordo internacional, o Acordo Smithsonian, levando a um realinhamento cambial, desvalorizando o dólar. Em 1985, o Acordo Plaza levou a uma desvalorização do dólar entre 20% e 50% contra o marco alemão, o iene japonês e o franco francês. Dois anos depois foi necessário outro acordo, o do Louvre, para estabilizar a moeda americana, que já estava em franco declínio. Todas essas negociações tiveram início com reclamações fortíssimas dos setores industrial e laboral dos EUA.

Valor: Como o Brasil reage então ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, que diz que não está claro se o câmbio afeta o comércio?
Azevedo: Isso é querer tapar o sol com a peneira. Estudos da própria da OMC, publicados em setembro de 2011, deixam inequívoco que desalinhamentos cambiais têm claro impacto no curto prazo para setores específicos da economia. Quando se quer conturbar e confundir essa discussão, argumenta-se que no longo prazo não há consenso de que o desalinhamento cambial é nocivo e retira a competitividade etc. Mas esse longo prazo aí é coisa de 15, 20 anos e até lá todo o sistema produtivo já se ajustou ou quebrou de vez. Outro argumento é de que a volatilidade do câmbio ao longo dos anos não diminui os fluxos de comércio. Isso pode até ser verdade. Mas não é isso o que o Brasil está procurando tratar na OMC. O que queremos é que a OMC reconheça, como seu próprio estudo diz, que, quando há uma mudança significativa de patamar na taxa de câmbio, seguramente há um impacto de perda de competitividade em determinados segmentos da indústria do país que sofreu a valorização. Isso exige remédio. É evidente que nem todos os setores da economia são afetados da mesma forma. Isso não significa que não existam empresas ou setores que precisam de algum tipo de proteção mais imediata.

Valor: Qual a dimensão do impacto do câmbio sobre as exportações, que o país mostrará na OMC?
Azevedo: Vamos mostrar que a forte perda de competitividade, no rastro do desalinhamento cambial no Brasil pode conduzir a fechamento de empresas e aumento do desemprego. A cadeia de efeitos é ampla sobre o nosso parque produtivo. É por isso que desejamos algum mecanismo de alívio na OMC. O Brasil vai mostrar uma desvalorização cambial de magnitude várias vezes superior à proteção tarifária máxima de 35% que tem como compromisso na OMC. Fizemos um cálculo no ano passado que apontou que o Brasil precisaria de tarifa de importação de 180% para dar a mesma proteção que a tarifa de 35% oferecia antes da Rodada Doha, em 2001. Com a desvalorização recente do real, passando para um patamar de 1,80 por dólar, esse percentual terá caído. Mas a proteção que nossa indústria precisaria é de vários múltiplos de 35%.

Valor: Nesse cenário, o Brasil poderá aumentar para além de 35% o teto das tarifas de importação?
Azevedo: Com exceção dos mecanismos de defesa comercial (salvaguarda, antidumping, direitos compensatórios), isso apenas é possível com a reconsolidação da tarifa que consta da nossa tabela de compromissos na OMC. A reconsolidação acontece na OMC, mas é muito pontual, para um ou outro produto. Numa situação de desalinhamento cambial, é muito difícil resolver o problema por aí. Primeiro, teríamos que aumentar milhares de tarifas. Segundo, teríamos de pagar compensações aos parceiros, e não são pequenas. Seria muito difícil manobrar uma reconsolidação dessa envergadura. Além disso, a reconsolidação tarifária, para mais de 35%, se tornaria permanente. Ora, o que queremos é um desafogo para momentos de valorização cambial excessiva.

Valor: Não existe o risco de o antidumping cambial deflagrar mais guerra comercial, com barreiras por todo lado?
Azevedo: Não, porque inevitavelmente a discussão sobre esse mecanismo vai procurar circunscrever ao máximo sua utilização e diminuir ao máximo seu impacto sobre o comércio. Não se pode ter uma visão imediatista, na situação em que estamos vivendo apenas hoje. O real é hoje uma moeda muito valorizada, como a de outros emergentes. Mas, historicamente, a situação foi inversa, como nas crises do México, da Rússia, dos asiáticos, em que os capitais saíram subitamente e nossas moedas despencaram. O mecanismo tem que ser adequado para as duas situações, de câmbio alto ou baixo. Não queremos que, mais adiante, as exportações brasileiras sofram barreiras desnecessárias quando o câmbio estiver em patamares mais baixos.

Valor: Qual o apoio que o Brasil tem sobre câmbio na OMC?
Azevedo: No começo, foi muito pouco. Num esforço enorme, tivemos que convencer cada delegação de que estávamos criando uma oportunidade e não mais polêmicas. Felizmente conseguimos que boa parte apoiasse a abertura do debate e outros não objetassem. Na medida em que os parceiros percebem que não buscamos uma negociação açodada, de afogadilho, e sim bem pensada, com objetivos sistêmicos bem definidos, a cautela e receio diminuem. No começo era só o Brasil que falava, os outros ficavam na escuta. Existem delegações cautelosas, mas o quadro está mudando.

Valor: Só que os EUA e a China, com fricções bilaterais sobre câmbio, também não querem o tema na OMC. Isso já não mata a iniciativa?
Azevedo: Esse quadro é muito fluido. Mesmo esses dois países têm evoluído em suas abordagens. Posturas mais reativas vêm muito do temor de que a discussão saia do controle e seja usada para fins políticos, apontar culpados, recriminar determinadas ações no mercado financeiro. Não é o que buscamos.

Valor: Quais serão os próximos passos, após o seminário?
Azevedo: Gostaríamos de examinar já no segundo semestre, como o sistema multilateral do comércio tratou do assunto, como reagiu. Com base nessas análises, caberia passar a olhar para o futuro. Como atualizar as regras da OMC. Para o Brasil, quanto mais rápido melhor. Mas não vai ser fácil. Temos que seguir o ritmo de uma organização com mais de 150 países e que trabalha com base no consenso.