Muro de Berlim: o retrato de uma época, de um mundo dividido
(continua dividido, não na economia, mas na política)
Paulo Roberto de Almeida
10 de novembro de 1989: estávamos ainda na Suíça, Carmen Lícia e eu, com nossos dois filhos, acompanhando por todos os canais de TV a derrocada do muro de Berlim (simbolicamente) em face da pressão da população da RDA por simples liberdade de movimento entre um lado e outro de uma “cortina de ferro” já esgarçada pelas iniciativas reformistas de Mikhail Gorbatchev, o burocrata russo que tentou salvar o comunismo soviético de si próprio.
Não conseguiu, mas mereceu o Prêmio Nobel que lhe foi concedido mais tarde, por ter se recusado a reprimir pela força os impulsos liberalizantes dos povos dos países dominados e oprimidos pela até então totalitária URSS.
Francis Fukuyama já tinha publicado em junho de 1989 — ANTES, portanto, da “queda” do muro — seu famoso artigo sobre o “fim da História”, não premonitório, pois que nele sequer antevia o fim do comunismo ou o desaparecimento do império soviético, apenas o fim das alternativas credíveis ou práticas às democracias de mercado.
Estava totalmente certo quanto aos sistemas de mercado — já em vigor na China de Deng desde 10 anos —, mas foi otimista demais quanto aos sistemas democráticos.
A Rússia profunda NUNCA abandonou seus instintos totalitários, pois que Gorbachev, o estadista que tentou torná-la uma “democracia normal”, sempre foi odiado pela maioria da população, justamente por tentar mudar o sistema econômico, baseado num Estado supostamente protetor e garantidor da igualdade básica dos cidadãos. Nunca foi o caso, desde a origem bolchevique, uma contradição total no campo econômico, justamente, como visto por Mises desde 1919.
O “despotismo oriental” ainda triunfa no campo político, como visto pela estreita aliança entre as duas maiores autocracias do mundo contemporâneo, uma weberiana (burocraticamente racional), a outra apenas despótica, e na origem de uma nova divisão do mundo.
O novo “muro de Berlim” assumiu a forma de um agrupamento manipulado pelas duas grandes autocracias, o Brics+, que tenta seduzir incautos ou oportunistas do chamado Sul Global, uma construção puramente intelectual e tão diversa quanto o antigo “Terceiro Mundo”.
As esquerdas, non variatur, apoiam a nova ficção, como antes apoiavam os poderes antidemocráticos da coalizão antiocidental, mais um sinal de que a democracia liberal não faz parte de seu universo mental no terreno político. Não por isso, as direitas fazem progressos em várias partes do mundo, mas seu universo mental tampouco se filia às democracias liberais, e sim a uma das variantes dos regimes autocráticos.
O novo “muro de Berlim” continuará dividindo o mundo por mais algumas décadas, e direitas e esquerdas seguirão, não coincidentemente, apoiando objetivos antiliberais.
Erich Fromm, um frankfurteano escapado do nazismo, publicou um livro no qual examinava o “medo à liberdade” de muitos residentes dos sistemas liberais, mais uma evidência das contradições dos regimes de liberdades, que compreendem a esfera da política, mas têm dificuldades para concretizá-la na vertente econômica, o que já era uma dificuldade para o jovem Marx.
As soluções estatizantes nunca foram a resposta a essas contradições, mas os antiliberais à esquerda e à direita continuam tendo medo às liberdades econômicas, preferindo a suposta proteção do Estado. Bastiat, antes de Marx, já indicava ser o Estado a grande ilusão de pessoas que, economicamente, pretendem viver às custas de todos os demais.
Uma crença aparentemente inextinguível!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20/11/2024
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