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sábado, 23 de novembro de 2024

Bolsonaro e o bolsonarismo - Augusto de Franco (Revista Identidade Democrática)

Bolsonaro e o bolsonarismo


E o perigo que atualmente representam para a democracia


Augusto de Franco

Revista Identidade democrática, Nov 22, 2024


Bolsonaro e o bolsonarismo são expressões do populismo-autoritário ou nacional-populismo - dito de extrema-direita - que floresceu mais amplamente na segunda década do século 21. 

Na Itália, inicialmente, com Bepe Grillo e Gianroberto Casaleggio do movimento 5 Stelle, Matteo Salvini com a Lega Nord (e, depois, Lega per Salvini Premier) até chegar à forma, hoje mais moderada, de Giorgia Meloni, do Fratelli d'Italia. 

Na Polônia com os irmãos Lech e Jaroslaw Kaczynski e, depois, com Andrzej Duda, do partido Lei e Justiça. Na Hungria com Viktor Orbán, do Fidesz. Na Turquia, com Recep Erdogan, do partido Justiça e Desenvolvimento. Na França, com Marine Le Pen, da Rassemblement National. No Reino Unido, com Nigel Farage, do Reform UK e o movimento do Brexit. Nos Estados Unidos, com Donald Trump e o movimento MAGA, que colonizou o partido Republicano. Na Alemanha, com Tino Chrupalla e Alice Weidel, com a AFD - Alternativa para a Alemanha. Na Holanda, com Geert Wilders, do Partido para a Liberdade. Na Finlândia, com Riika Purra, do partido Verdadeiros Finlandeses. Em El Salvador com Nayib Bukele, do Nuevas Ideas. Em Israel, com Benjamin Netanyahu, do Likud, em aliança com supremacistas como Bezalel Smotrich do Partido Sionista Religioso e Itamar Ben-Gvir do partido Poder Judaico. Em Portugal, com André Ventura, do Chega. Na Espanha, com Santiago Abascal, do Vox. No Brasil, com Jair Bolsonaro e o movimento olavista-bolsonarista. 

Ocupam posições especiais (com alguns casos ainda em exame): na Índia, Narendra Modi, do Partido do Povo Indiano, com seu projeto autocrático, de fundo mítico-religioso, chamado Bharat; na Argentina, Javier Milei, do Partido Libertário; na Eslováquia, Roberto Fico, do Smer, que embora seja dito de esquerda, virou quase um fantoche de Putin.

Desses todos, estão atualmente no governo apenas nove atores: Orbán, Erdogan, Meloni, Netanyahu, Bukele, Modi, Fico, Milei e Trump (a partir de 2025). 

Quase todos esses foram apoiados ou estimulados por Vladimir Putin, do partido Rússia Unida - que não se enquadra bem como direita ou esquerda.

Pois Putin também apoia ou estimula: a) ditadores de esquerda, ditos socialistas, como Xi Jinping da China, Kim Jong-un da Coreia do Norte, Minh Chính do Vietnam, Díaz-Canel de Cuba, Nicolás Maduro da Venezuela, Daniel Ortega da Nicarágua, Sonexay Siphandone do Laos; b) ditadores islâmicos, como Ali Khamenei do Irã, Bashar al-Assad da Síria; c) ditadores seculares, como Alexander Lukashenko da Bielorrussia, Paetongtarn Shinawatra da Tailândia; e d) neopopulistas ditos de esquerda - não autoritários, mas também não-liberais - como Obrador e Sheinbaum do México, Xiomara e Manuel Zelaya de Honduras, Gustavo Petro da Colômbia, Lula da Silva do Brasil, Cyril Ramaphosa da África do Sul e, talvez, Prabowo Subianto da Indonésia.

Pode-se dizer que Bolsonaro surfou na onda do populismo-autoritário, mas que ele - em si - é apenas um oportunista eleitoreiro reacionário, um passadista saudoso da ditadura militar e de seus métodos truculentos e anacrônicos. Não fosse o olavismo, o bolsonarismo não teria nenhuma substância ideológica considerável (o que era a opinião do próprio Olavo de Carvalho).

O fato de Bolsonaro e seus seguidores, civis e, sobretudo, militares, tramarem um golpe de Estado à moda antiga, com fechamento de instituições pela força bruta e, ao que se diz, planejamento de assassinato de representantes eleitos, não se coaduna com o comportamento da imensa maioria dos populistas-autoritários atuais, listados acima. Seus métodos para chegar ao poder e nele se manter são outros, por erosão democrática, com o desmonte dos sistemas de freios e contrapesos das democracias que parasitam.

O golpe bolsonarista, embora tenha sido planejado e intentado, tinha pouquíssimas chances de se concretizar e perdurar (caso tivesse sucesso). Em primeiro lugar porque não havia força político-militar para tanto (como ficou demonstrado). Em segundo lugar porque a maioria do sistema político - mesmo a sua parcela governista - não o apoiava (porque seria um suicídio para quem vive do jogo eleitoral). Em terceiro lugar porque não haveria apoio internacional para a aventura esdrúxula.

Evidentemente, os golpistas bolsonaristas devem responder pelos seus crimes. Mas essa é uma tarefa da polícia, do ministério público e da justiça e não da política, na medida em que a ameaça de golpe de Estado não existe mais na atualidade. Tratar o assunto como se a ameaça fosse atual e esticar os processos judiciais com o fito de colher vantagens eleitorais em 2026 é a pior coisa que se pode fazer agora. Significa investir, por mais dois anos, na polarização tóxica que está dilacerando a sociedade brasileira.

O "perigo" que o bolsonarismo representa, no curto prazo, é apenas o de seus próceres, antigos ou novos, vencerem as próximas eleições. Mas tirar o PT do poder pelo voto, em eleições limpas, não é golpe de Estado: faz parte do jogo democrático. Tentar impedir isso com artimanhas político-judiciais, restringindo direitos políticos e liberdades civis (como a liberdade de expressão: aparelhando os meios de comunicação profissionais e praticando censura prévia nas mídias sociais), terá como efeito inevitável acelerar um processo de autocratização do nosso regime político.


Revista ID é uma publicação apoiada pelos leitores.

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