Calote da Argentina é (mais uma) má notícia para o Brasil
Aprofundamento da crise no país vizinho pode impactar a indústria brasileira, sobretudo os segmentos automotivo e de máquinas e equipamentos
Veja.com, 19/06/2014
Cristina Kirchner e Dilma: calote argentino pode ter impacto na indústria brasileira (Eraldo Peres/AP)
A declaração do governo argentino de que poderá dar o calote na próxima parcela de sua dívida a credores americanos (que vence em 30 de junho), feita na noite de quarta-feira, não só sinaliza consequências nefastas para a economia do país vizinho, como também pode impactar de forma negativa a indústria brasileira. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás de China e Estados Unidos. Contudo, o calote que, tudo indica, não será evitado, deve minar o acesso a crédito internacional do país e, consequentemente, prejudicar o comércio com o Brasil — em especial com o setor automotivo.
O calote sinalizado na quarta se refere aos fundos de hedge, também chamados de 'fundos abutres', que não aceitaram a reestruturação da dívida da Argentina proposta pelo governo Kirchner em 2010. A decisão foi tomada, segundo o ministério, depois de a Corte de Apelações de Nova York ordenar a suspensão de medidas cautelares e a execução do pagamento de 1,33 bilhão de dólares aos investidores que entraram na Justiça após a crise de 2001. A medida, assinada pelo juiz federal Thomas Griesa, é uma consequência da decisão da Suprema Corte dos EUA, que na segunda-feira rejeitou um recurso do governo argentino para tentar esquivar-se do pagamento.
A corrente de comércio entre Brasil e Argentina, que consiste da soma do volume de importações e exportações, acumula 9,39 bilhões de dólares entre janeiro e abril — uma queda de 19% em relação ao mesmo período do ano passado, devido à desaceleração econômica nos países. O calote e, consequentemente, a falta de liquidez, deve reduzir a capacidade de consumo do país. A Argentina importa 12% da produção automotiva nacional e os dois países acabam de renovar o acordo bilateral que define as regras para o comércio de veículos. "Não há um risco de contágio em relação à dívida, mas é claro que, se o Brasil já está sofrendo desaceleração econômica, uma crise mais aguda na Argentina terá impacto significativo na economia brasileira", afirma Christopher Garman, economista-chefe para mercados emergentes da consultoria Eurasia.
Outro risco incide sobre as empresas exportadoras que têm a Argentina como principal mercado e financiam suas exportações com recursos de bancos. Com o calote e o aumento do risco, pode haver redução do prazo de financiamento das exportações por parte das instituições, o que pode prejudicar o caixa das companhias.
Reservas internacionais — Diferentemente do calote de 2001, o mercado financeiro, hoje, não associa Brasil e Argentina em relação à questão da dívida externa. As reservas brasileiras estão em 380 bilhões de dólares, acima das reservas de países como Alemanha, França e Estados Unidos. Já a Argentina enfrenta sérios problemas para atrair divisas, o que levou o governo de Cristina Kirchner a travar uma verdadeira ofensiva para impedir a saída de dólares de seu país. Por isso, qualquer compra de moeda estrangeira deve ser autorizada pelo banco central do país, assim como ocorre na Venezuela.
As reservas internacionais do país vizinho atingem mínimas históricas, de 28,6 bilhões de dólares. Devido à decisão da Corte americana, se a Argentina não conseguir renegociar os termos da dívida e pagar o 1,3 bilhão de dólares aos 'fundos abutres', abre caminho para ser acionada na Justiça também pelos investidores que aceitaram a reestruturação da dívida — e aí está o grande temor do governo argentino. Segundo análise da Moody's, isso pode elevar os desembolsos para 15 bilhões de dólares, o equivalente a 64% das reservas do país. Com isso, o nível das reservas se torna insuficiente, por exemplo, para arcar com as obrigações da dívida que devem ser pagas em 2015, ano de eleições no país.
A Argentina tem até o dia 30 de junho para executar o pagamento — prazo que pode (e deve, segundo analistas) ser prorrogado por 30 dias. Desta forma, caso o governo Kirchner opte pelo calote, não será antes de 30 de julho. Outro pagamento a credores está previsto para 30 de setembro.
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