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sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A PEI, para neófitos e distraídos - Paulo Roberto de Almeida

Minha pequena reflexão histórica sobre a assim chamada Política Externa Independente (muito oversold, é verdade, na literatura acadêmica a respeito).
Estes comentários foram suscitados pela sucessão inacreditável de 15 twites ofensivos à PEI e a San Tiago Dantas, que transcrevi mais abaixo; ver aqui:  
https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/10/san-tiago-dantas-e-pei-segundo-o-atual.html


A PEI sempre foi a base de TODA a política externa brasileira desde a segunda metade do governo JK, sob a condução básica do Itamaraty, com subsídios eventuais de assessores presidenciais, como Augusto Frederico Schmidt, no caso da OPA, Operação Pan-Americana.
Ocorre que ela não tinha essa designação, que foi a grande sacada do Afonso Arinos ao ser convidado por Jânio para ser um chanceler inovador, o que ele foi (leiam seu segundo volume de memórias: Planalto).
Foi inteiramente preservada por San Tiago Dantas no primeiro gabinete parlamentarista de Goulart, e invariavelmente desde então, sem grandes mudanças, mas com pequenos ajustes sob Castelo Branco, Medici, Collor e FHC (por necessidades circunstanciais), e mesmo por Lula, que a distorceu bastante, para apoiar execráveis ditaduras de esquerda.
A PEI sempre guiou os passos de gerações de diplomatas brasileiros, e não poderia ser de outro modo, dada nossa formação. 
A ideologia do Itamaraty, desde os anos 1950, é invariavelmente desenvolvimentista com autonomia nacional, ou seja, defesa intransigente da soberania, nacionalismo, protecionismo, políticas de construção do poder nacional, dentro do multilateralismo onusiano, hoje estupidamente rejeitado por alguns malucos que tomaram conta do Itamaraty, para vergonha da quase totalidade dos diplomatas.
Os militares foram defensores entusiastas da PEI, embora sem o reconhecer. Pode-se dizer que a diplomacia da dupla Geisel-Silveirinha foi um “exagero” de PEI, tanto que os EUA denunciavam os “barbudinhos” do Itamaraty. Política externa subserviente em relação aos EUA só tivemos em alguns poucos episódios localizados do governo Dutra e ainda assim combatida por Oswaldo Aranha, representante na ONU. Até mesmo o governo constitucional de Vargas (951-54) assinou um acordo de assistência militar com os EUA, em 1952, combatido pela esquerda.
Só Bolsonaro-Araújo nos levaram a essa vergonha de sermos capachos dos EUA, algo que escandaliza 99,99% dos diplomatas.


Mais um pouco de PEI, para curiosos, neófitos e alguns poucos ignorantes, que acham positiva a atual política externa subserviente, míope e destrambelhada do olavo-bolsonarismo inepto:

Passado o governo Castelo Branco, que só foi alinhado na cabeça de acadêmicos e opositores políticos (teve o episódio da República Dominicana, que foi apenas um pequeno “pedágio” numa trajetória basicamente correta, dentro das circunstâncias), mas que se manteve na mesma linha dos governos Vargas (51-54) e JK, a partir do governo Costa e Silva a diplomacia brasileira retomou INTEIRAMENTE e INTEGRALMENTE as bases da PEI, sem o nome e de forma discreta.
O chanceler era o Magalhães Pinto, ou seja, um inepto em política externa, e o SG era o embaixador Sergio Corrêa da Costa: imediatamente o governo RECUSOU e denunciou o TNP, como iníquo e discriminatório, denunciou a hipocrisia comercial americana, na questão das sobretaxas ilegais a café solúvel e calçados e voltou totalmente à postura unctadiana da origem. 
Moniz Bandeira explica o crescimento das contradições Brasil-EUA no seu livro de história diplomática Rivalidade Emergente.
Mesmo o “neoliberal” Collor nunca foi alinhado, como agora está ocorrendo de forma vergonhosa sob o escandaloso governo atual.

FHC abandonou (mas só parcialmente) o contemplativo terceiro-mundismo que vigorava no Itamaraty, mais por inércia do que por decisão refletida, e corajosamente aderiu ao TNP e ao MTCR (busquem na Wikipedia). Depois do alinhamento bolivariano do governo Lula (mais do Palácio do Planalto do que do Itamaraty), a nossa política externa retomou inteiramente as bases da PEI, só rejeitada explicitamente agora, com os aloprados da Bolsodiplomacia, para desgosto da quase totalidade da Casa.
Como o Itamaraty é muito disciplinado (tanto porque todos os diplomatas dependem do Gabinete do chanceler acidental, menos eu), ninguém de dentro ousa criticar as loucuras que estão sendo perpetradas em nome do Brasil.
Um dia isso acaba.

Paulo Roberto de Almeida
Poços de Caldas, 25/10/2019

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