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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Política comercial: reforma da TEC do Mercosul ainda duvidosa (Valor Econômico)

Brasil planeja ‘choque’ em tarifa industrial
Valor Econômico, 22/102019

O plano de abertura da economia desenhado pelo governo Jair Bolsonaro prevê um corte unilateral das alíquotas de importação sobre produtos industriais de 13,6% para 6,4%, na média, em quatro anos - o que deixaria o Brasil com níveis de proteção tarifária à indústria equivalentes aos dos países mais ricos do mundo. O Valor teve acesso à simulação feita pelo governo brasileiro e compartilhada com os demais sócios do Mercosul para reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC). A intenção do Ministério da Economia e do Itamaraty é avançar nas discussões em encontro de cúpula presidencial do bloco pré-marcado para os dias de 4 e 5 de dezembro, em Bento Gonçalves (RS), com a presença do argentino Mauricio Macri e menos de uma semana antes da conclusão de seu mandato na Casa Rosada. Pela simulação, que representa o primeiro exercício efetivo nas discussões sobre o futuro da TEC, as alíquotas aplicadas sobre automóveis de passageiros trazidos do exterior devem cair de 35% para 12%. Diminuiria também, de 35% para 12% a tarifa cobrada de produtos têxteis e vestuário. Em um momento de sobreoferta e excesso de capacidade global, laminados de aço a quente teriam queda de 12% para 4%. Ônibus passariam de 35% para 4%. O polipropileno, um dos principais bens da indústria petroquímica produzidos no Brasil, baixaria de 14% para 4%. 
Integrantes da equipe econômica já haviam dito, em entrevistas, que o Brasil submeteria ao Mercosul um plano de corte médio e não linear da TEC pela metade. Representantes do setor privado reclamam que, desde então, não têm conseguido abrir um canal de diálogo com o governo para falar sobre o assunto. O que revela a proposta obtida pelo Valor é que, para diversos setores da indústria de transformação, o corte poderia ir muito além de 50% da tarifa de importação praticada hoje. Enquanto isso, o agronegócio ficaria com alíquotas praticamente inalteradas. O documento foi apresentado ao “Grupo Ad Hoc para Analisar a Consistência e Dispersão da TEC” e ainda não teve resposta dos outros sócios do bloco - Argentina, Uruguai e Paraguai. Há sugestões de alíquotas para 10.270 NCMs, como são conhecidas as nomenclaturas comuns do Mercosul. Cada NCM abrange um produto específico ou uma pequena categoria de produtos. 
Quando se levam em conta segmentos industriais como um todo, o “choque tarifário” também fica evidente: o estudo é de redução da TEC para calçados (31,8% para 12%), equipamentos médico-hospitalares (11,2% para 3,8%), móveis (17,6% para 8,8%), produtos plásticos (10,8% para 4,8%), siderúrgicos (10,4% para 3,7%), máquinas, material e aparelhos elétricos (12% para 4,2%). A forte abertura da indústria, no entanto, contrasta com um movimento bem mais tímido de liberalização da agricultura e do agronegócio - justamente os setores nos quais o Brasil tem mais competitividade e, em teoria, não precisaria tanto de proteção. A simulação feita para a tarifa dos vinhos, cujo polo gaúcho de produção fica em base eleitoral do ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), é manter a alíquota no mesmo nível da praticada hoje (20%). A TEC para o etanol seria mantida em 20%, o que pode conter a insatisfação dos usineiros do Nordeste, com viés mais protecionista e já contrariados com a ampliação recente - de 600 milhões para 750 milhões de litros - da cota livre de tarifas pelo período de um ano.
Outro segmento sem mudança é o dos produtores de banana. A tarifa atual é de 10% e ficaria assim. Em março, Bolsonaro fez questão de “pedir desculpas para o pessoal do Vale do Ribeira”, onde passou a adolescência, pelas importações de bananas do Equador. Em 2017, após anos de negociações, o Ministério da Agricultura reconheceu o país andino livre de um vírus apontado como risco fitossanitário ao Brasil. “Como é que pode uma banana sair do Equador, andar 10 mil quilômetros, passando pelo canal do Panamá e pelo porto de Santos, e chegar a um preço competitivo lá no Ceagesp, se a 150 quilômetros de São Paulo você tem o Vale do Ribeira, cuja economia em grande parte é a banana?”, questionou Bolsonaro. Reservadamente, um alto funcionário do governo brasileiro afirma que a iminência de uma derrota de Macri deve postergar o desfecho das discussões sobre a nova TEC. Até meados do ano, segundo essa fonte, Brasília vinha trabalhando com um cenário de reeleição do atual presidente e um clima mais favorável para a maior reestruturação da tarifa comum do do Mercosul em 25 anos. Como essa aposta não vingou e a chapa oposicionista Alberto Fernández-Cristina Kirchner tem ampla vantagem para ganhar já no primeiro turno, nas eleições presidentes deste domingo, o cronograma está sendo repensado. 
Segundo a fonte ouvida pelo Valor, seria “imprudente” bater o martelo em torno das novas alíquotas na cúpula do Mercosul e deixar um constrangimento ao novo governo argentino, que toma posse em 10 de dezembro. Agora, a ideia é avançar nos trabalhos e ter uma decisão em estágio adiantado, para ser tomada depois de conversas com o provável governo Fernández sobre o futuro do bloco. Como é uma união aduaneira, mesmo cheia de imperfeições (já que muitos produtos têm regimes próprios ou fazem parte de listas de exceções), o Mercosul pratica uma tarifa comum para importações provenientes de outros países. A visão dominante na equipe econômica é que o corte unilateral das alíquotas deve ser feito com ou sem a Argentina. Se o país vizinho recusar a proposta de abertura, seguindo a tradicional linha kirchnerista de maior protecionismo, haveria uma espécie de beco sem saída para o Mercosul: a união aduaneira precisaria regredir para uma zona de livre-comércio.



Giambiagi defende regressão do Mercosul se queda na tarifa não avançar
Intenção do Brasil de reduzir tarifa comum no bloco deve encontrar resistência num eventual governo Alberto Fernández na Argentina
Por Gabriel Vasconcelos, Valor Econômico — Rio

O economista Fabio Giambiagi defende que o governo brasileiro solicite ao Mercosul sua regressão ao status de área de livre comércio — deixando de ser união aduaneira —, caso um eventual governo de Alberto Fernández, na Argentina, se mostre irredutível à proposta de redução da Tarifa Externa Comum (TEC).
A mudança é planejada pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes e foi acatada pelo Ministério de Relações Exteriores.
“Já está colocado que o Brasil vai apresentar ao Mercosul uma proposta de redução tarifária. Isso posto, a Argentina pode aceitar a tese num eventual governo Fernández, mas ter discordâncias quanto à velocidade ou intensidade da redução. Aí se pode negociar. Mas, se manifestarem uma rejeição absoluta à ideia, dada a importância que isso tem para a economia brasileira, creio que poderemos estar colocados diante da possibilidade de que o Brasil solicite ao Mercosul sua transformação no que seria apenas uma área de livre comércio, um passo atrás”, disse Giambiagi ao Valor. A eleição presidencial na Argentina acontece neste domingo.
Por mais de uma vez, Giambiagi sugeriu que esta é a compreensão do governo brasileiro. O economista, que é chefe do departamento de pesquisas do BNDES, se diz favorável à proposta de reduzir em 50% a TEC em um prazo de quatro ou cinco anos, estratégia que estaria adiantada junto ao atual presidente argentino, Mauricio Macri, mas pode encontrar resistência de Fernández.
O candidato argentino da chapa que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner — e conta com a influência de setores peronistas afeitos a políticas protecionistas — venceu com folga as primárias no país e tende a confirmar o resultado nas eleições do próximo domingo.
Criada em 1994, a TEC do Mercosul é o conjunto de impostos de importação cobrados nas aduanas de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. As alíquotas variam de 0% a 35%.
A defesa foi feita em debate no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio, em que estiverem presentes, também, o embaixador José Botafogo Gonçalves e o diretor-geral da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), Ricardo Markwald.
Todos demonstraram preocupação com as escaladas retóricas do presidente Jair Bolsonaro e também de Fernández, que poderiam prejudicar não só a governança do Mercosul, mas também as trocas comerciais entre Brasil e Argentina, e o acordo comercial entre o bloco sul-americano e a União Europeia, fechado ao fim de junho.
“Fernández já fez declarações fortes dizendo que não se sente nada cingido por esse compromisso [acordo comercial com a UE]. Se a isso somamos as intervenções de Bolsonaro e do chanceler [Ernesto Araújo] sobre as eleições argentinas, não são bons princípios para uma relação”, disse Markwald.
Ele definiu Bolsonaro como “incontrolável” e disse que as relações internacionais brasileiras não são mais comandadas pelo Itamaraty, mas por um discurso ideológico de Araújo, que pode atrapalhar a “tradicional paciência estratégica” do Brasil com o país vizinho.No entanto, o economista ponderou que, hoje, o horizonte do Mercosul poderia ser considerado satisfatório.
    “Pela primeira vez, em uma década ou mais tempo, eu diria que a coisa está indo para frente”, afirmou Markwald.
Nesse sentido, Markwald citou o acordo comercial com a UE, que teria induzido a renovação do acordo automotivo entre Brasil e Argentina — com livre comércio até 2029 — e as pretensões de ambos de integrar o quadro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Embora não traga vantagens diretas, o pleito à OCDE, diz, implica “um 'mindset' de abertura econômica importante”.
Para Markwald, uma pista do que será a interação entre os dois países vizinhos e, tão logo, o futuro do Mercosul, virá da negociação da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI), marcada para o fim deste mês, imediatamente depois das eleições no país vizinho.
Para o economista, caso eleito, Fernández deve moderar o discurso e buscar algum apoio do Banco Central Americano (FED) para manter o aporte. “Uma postura isolacionista seria uma verdadeira 'marcha para a insensatez'”, disse. No fim de setembro, o FMI anunciou a interrupção do programa de ajuda financeira de US$ 56 bilhões à Argentina em função da moratória sobre a dívida local e das incertezas políticas.

Um comentário:

Anônimo disse...


Caro professor,

Como podemos defender a abertura unilateral nestes moldes quando é inegável a existência de custos altos de transição (desemprego no curto-prazo; desincentivos ao investimento; migração da mão de obra para outros setores de menor valor agregado e/ou para o mercado informal)? Não seria mais fácil trabalhar por medidas de competitividade?