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segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Liberalização cambial no Brasil, prós e contras - Paulo Nogueira Batista Jr., Gustavo Franco

Folha de S. Paulo – O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio? NÃO / Artigo / Paulo Nogueira Batista Júnior

19/10

Paulo Nogueira Batista Júnior
Economista, lançou recentemente o livro ‘O Brasil não cabe no quintal de ninguém’ (ed. LeYa)

Um passo ambicioso para as condições da economia brasileira

Paulo Nogueira Batista Júnior

O projeto de liberalização cambial apresentado ao Congresso é muito ambicioso e chega a ser irrealista, pois não condiz com o estágio de desenvolvimento e a situação da economia do país. O que se propõe é instituir a livre movimentação de capitais, aumentar a conversibilidade do real e facilitar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.

Valendo-se de um artifício costumeiro, o Banco Central mistura essas questões macroeconômicas altamente controvertidas com objetivos válidos como a modernização e a desburocratização do mercado de câmbio. O desafio, entretanto, é alcançar esses objetivos meritórios sem fragilizar a posição internacional brasileira. Não é o que se vê no projeto do governo federal, que conduzirá, se aprovado, ao aumento da vulnerabilidade externa e ao risco de dolarização da economia.

As propostas são apresentadas com o argumento ingênuo de que representam “alinhamento aos melhores padrões internacionais”, tais como os códigos de liberalização de capitais da OCDE. Ignora-se o fato elementar de que regras de política que convêm a países altamente desenvolvidos, como são em sua grande maioria os membros da OCDE, nem sempre são as que convêm a países em desenvolvimento como o Brasil. Ignora-se, também, que as economias emergentes bem-sucedidas são as que disciplinam o movimento de capitais —China, Índia e outras asiáticas. E que muitos países da América Latina, ao se aventurarem prematuramente pelo caminho da liberalização dos movimentos de capital, sofreram episódios de instabilidade econômica que terminaram por abortar o seu desenvolvimento.

As condições da economia brasileira estão longe de permitir passos tão ambiciosos. A situação fiscal é sabidamente problemática, ainda que não seja catastrófica, como frequentemente se afirma.

A dívida pública tem crescido como proporção do PIB, e grande parte da dívida interna é de prazo curto. Mesmo as contas externas, invocadas para argumentar que a liberalização não ofereceria riscos, não são tão invulneráveis quanto se imagina. O déficit do balanço de pagamento em conta corrente é relativamente baixo, mas tenderá a aumentar quando a economia se recuperar.

As reservas internacionais são altas, mas o Brasil não dispõe de um grande volume de reservas excedentes. Em termos de M2, agregado monetário usado como proxy para fuga potencial de capitais, as reservas brasileiras são baixas quando comparadas às de outros países emergentes.

Vale notar que o discurso das autoridades econômicas tem sido espantosamente incongruente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive repetindo que o Estado brasileiro “quebrou”, “entrou em colapso”, “está insolvente”. Ao mesmo tempo, o presidente do Banco Central propõe medidas ambiciosas de liberalização cambial e chega a afirmar que gostaria de ver a conversibilidade implementada em um prazo de dois a três anos.

A proposta de ampliar a possibilidade —hoje restrita a segmentos específicos— de pessoas físicas e jurídicas abrirem contas em moedas estrangeiras dentro do país é outra ideia infeliz. Sempre houve resistência no Brasil a seguir esse caminho, que desembocou em elevada dolarização dos sistemas financeiros na América Latina e em outras regiões do mundo.

O que o Banco Central pretende com o projeto de lei é obter carta branca para aumentar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil, prometendo conduzir o processo de forma “gradual e prudente”. A promessa deve ser recebida com cautela pelos parlamentares. Não é recomendável que um assunto dessa importância seja decidido em circuito fechado por um grupo de tecnocratas e financistas alojados na direção do Banco Central e no Conselho Monetário Nacional.


Gustavo Franco

Ex-presidente do Banco Central (1997-99) e um dos formuladores do Plano Real, é doutor em economia pela Universidade Harvard e fundador da Rio Bravo Investimentos

Ideias mudaram após 25 anos de reservas e de moeda estável

Gustavo Franco
Tudo o que o Banco Central almeja com a iniciativa é correto e meritório, como se lê em seu website: “favorecer o ambiente de negócios, particularmente o comércio exterior e a atratividade dos investimentos estrangeiros, maior desenvolvimento aos mercados financeiro e de capitais”.

Quem é contra essa pauta, é ruim da cabeça ou doente do pé. Acho, todavia, que a maior parte do trabalho de liberalização cambial já estava praticamente completo em 2006 (lei 11.371, assinada pela trinca neoliberal Lula-Mantega-Meirelles) quando foi alterada uma lei de 1933 que obrigava os exportadores a internalizarem as divisas que produziam.

Logo antes tinha havido a unificação dos mercados de câmbio (comercial e flutuante, e isso não precisou de lei), e na ocasião os dirigentes do Banco Central circulavam com uma apresentação power point que, no slide 18, dizia “tudo é permitido (desde que haja identificação)”. Tempos heroicos.

O histórico detalhado desse percurso está nos capítulos 3 e 4 do meu livro, “A Moeda e a Lei” (ed. Zahar). Hoje em dia, a televisão não dá mais a cotação do paralelo, mas até na novela tem merchandising —ou impulsionamento de conceitos. Pois, então, temos aqui uma pequena recomendação de leitura.

Bem, desde os anos 1990 vínhamos enfrentando um problema estético: as disposições legais sobre moeda estrangeira estavam dispersas em muitas leis, de várias safras, algumas bem antigas. Nada que prejudicasse a vigência de uma regulamentação cambial consistente com a globalização, que se fazia no nível “infralegal”, como dizem os advogados.

Era um problema de estética legislativa, não de segurança jurídica. Lembrem-se que existem medidas provisórias, e que tudo que for revogado agora poderá voltar de um dia para outro em uma canetada. Pois bem, um projeto de consolidação já tramitava no Congresso desde meados dos anos 1990, ao menos, mas não era a única ideia circulando sobre esse tema.

Lembro bem do ex-senador Mauro Benevides (CE), pai do atual deputado de mesmo nome e assessor econômico de Ciro Gomes durante a campanha de 2017. Ele, o pai, tinha um projeto cujo título era “o estatuto do capital estrangeiro”. O objetivo era a reforma da lei 4.131/62 (que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas para o exterior), mas numa direção imensamente mais restritiva, o contrário do que pretendíamos.

O Banco Central nunca quis apoiar o projeto do simpático senador Benevides, nem nada parecido, ou sobre o mesmo tema, e a razão era explicada por uma fala bem-humorada do próprio senador, sempre lembrada no BC: “Se vocês não gostarem do meu projeto, mandem o de vocês. O relator serei eu mesmo, a gente combina o produto final”, dizia Benevides.

Na nossa percepção, a intersecção entre as ambições liberalizantes do BC, que continuam as mesmas, e as do senador, eram inexistentes.

O problema hoje não é o projeto do BC —que é bom e se parece com minutas que eu vi circular nos anos 1990—, mas com o substitutivo do relator, que vamos conhecer em meses. Se tudo der certo, não haverá retrocesso.

Depois de um quarto de século de moeda estável e de muitas reservas cambiais, as ideias sobre câmbio progrediram. Muitos preconceitos arraigados sobre assuntos cambiais se tornaram obsoletos. Ou não. Tomara que sim, mas temo que não.

Acharia mais prudente deixar que o tempo continuasse a operar a sua mágica e não correria tantos riscos por conta da introdução de contas em dólares para pessoas físicas. Na época da inflação era assunto explosivo e desestabilizador. Hoje, me parece assunto velho e inútil, como o limite de US$ 500 para quem viaja, que está parado há muitos anos (não confundir com compras free shop, outro assunto velho).

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