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domingo, 1 de outubro de 2023

A Arte da Política Econômica: depoimentos à Casa das Garças - organização de José Augusto C. Fernandes (livro publicado)

 A Arte da Política Econômica

depoimentos à Casa das Garças

Organizador: José Augusto C. Fernandes

Rio de Janeiro: História Real, 2023, 560 p.; ISBN: 978-65-87518-5-3

(Editora Intrínseca: www.historiareal.intrinseca.com.br)

    Tendo participado de uma série de depoimentos organizados pela Rio Bravo Investimentos, neste formato: 

1522. “Itamaraty: uma instituição de Estado, pouco independente de governos”, Brasília-São Paulo, 27-30 agosto 2023, 6 p. Nota elaboradas para entrevista na Rio Bravo Investimentos em 1/09/2023, com o jornalista Fabio Cardoso; revisão: Brasília, 9/09/2023. Divulgada no dia 13/09/2023 (link: https://www.youtube.com/watch?v=1JJC4Q9eB7E); blog Diplomatizzando (13/09/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/09/videocast-rio-bravo-as-instituicoes.html); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/106584032/4464_Itamaraty_uma_instituição_de_Estado_pouco_independente_de_governos_2023_). Relação de Originais n. 4464.

 e também escrito pequeno artigo para a revista publicado pela mesma empresa de investimentos: 

1524. “O discurso de Lula na 78ª Assembleia-Geral da ONU: entre o esperado e o fabricado”, publicado em formato editorial próprio na Revista Órbita (São Paulo: Rio Bravo Investimentos, 25/09/2023; link:https://www.riobravo.com.br/o-discurso-de-lula-na-78a-assembleia-geral-da-onu-entre-o-esperado-e-o-fabricado/ ; link da revista: https://www.riobravo.com.br/orbita/); republicado na versão original no blog Diplomatizzando(30/09/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/09/o-discurso-de-lula-na-78-assembleia.html). Relação de Originais n. 4481.

 

    tive a grata satisfação de receber, por gentileza de Gustavo Franco e do jornalista Fabio Cardoso, o livro que eu estava ansioso por adquirir, cuja capa figura acima.

    Trata-se de obra quase única no gênero – existem depoimentos de economistas organizados anteriormente por acadêmicos da área sobre a história econômica e as ações e pensamento dos grandes representantes da disciplina e de sua prática –, no sentido em que recolhe as entrevistas feitas com três dezenas de economistas e afins que tiveram papel destacado nas concepções, formulação de planos econômicos e condução da política econômica nas últimas décadas no Brasil.

    O sumário, em duas páginas, figura abaixo: 




    Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos principais economistas formuladores do Plano Real, escreveu uma apresentação, em folha separada, que acompanha o livro em questão, como reproduzido abaixo: 

    Este livro, que vou saborear com deleite e atenção – pois que durante muito tempo fui professor de relações econômicas internacionais em nível de pós-graduação, com ênfase justamente nas políticas econômicas do Brasil –, deu-me a ideia de organizar algo semelhante sobre a política externa e a diplomacia brasileira, uma área bem mais difícil de recolher depoimentos sinceros, dados os naturais constrangimentos que cercam os diplomatas profissionais (sobretudo os que ainda estão na ativa) em relação à política externa conduzida pelos últimos presidentes ainda vivos (praticamente todos, com exceção de Itamar Franco). 

    Em todo caso, recomendo vivamente a leitura destes depoimentos feitos à Casa das Garças, uma vez que eles constituem, praticamente, uma história econômica do Brasil desde a redemocratização (e em vários episódios remontando ao período da ditadura militar, e falta um depoimento de Delfim Netto, ainda vivo, de alguns dos grandes representantes daquela época, como Mário Henrique Simonsen, Roberto Campos, Ernane Galveas e João Paulo dos Reis Velloso).

Agradeço a Gustavo Franco e ao jornalista Fabio Cardoso a remessa do livro.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 10 de setembro de 2023


sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Videocast Rio Bravo - As Instituições Estão Funcionando? | Gustavo Franco

 https://www.youtube.com/watch?v=NAAwin94lxQ


domingo, 23 de maio de 2021

Das lições amargas de Gustavo Franco para um duro aprendizado - Paulo Roberto de Almeida

Lições Amargas é o titulo que o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco deu ao seu livro mais recente, e ele se aplica de forma absolutamente fiel aos tempos que estamos vivendo justamente agora, talvez o maior desafio já colocado à nação brasileira, à sua sociedade.

Não me refiro à pandemia, pois ela é um desafio colocado igualmente a todos os povos e nações, países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

Eu me refiro ao desgoverno Bolsonaro, possivelmente o pior governo que jamais conheceu o Brasil desde 1549, isto é, desde que aqui desembarcou nas costas da Bahia D. Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil então português, ou seja, desde sempre.

Não me refiro tampouco à incompetência notória do capitão para qualquer coisa que se vincule a uma gestão minimamente eficiente da coisa pública, nem à sua ignorância abissal em relação às relações exteriores do Brasil, o que destruiu completamente a imagem internacional do país, trazendo imensos danos à credibilidade da nossa diplomacia.

Eu me refiro à sua perversidade inacreditável, seu lado macabro, capaz de produzir mortos em série, devido ao negacionismo renitente, seu mau exemplo repetido, que consiste em aglomerar o povo mais humilde em seguidos palanques eleitorais, sua insistência em recomendar tratamentos inadequados, sua sabotagem continuada na obtenção de vacinas, enfim, um comportamento que pode ser o de um dos cavaleiros do apocalipse, aquele que traz a morte consigo, pela expansão da doença de acarreta.

O desgoverno do capitão é a lição mais amarga que já nos foi dado contemplar na direção do país em qualquer época de nossa história. 

Não é possível que as pessoas bem intencionadas de 3 anos atrás não estejam contemplando com certa comiseração o espetáculo dantesco — desculpe Dante — que se nos oferece hoje por meio desse circuito oficial de contaminação induzida por um psicopata eleitoral, assistido em todo esse turismo de auto-propaganda por militares indiferentes à sorte da população. Não é possível que se continue a achar que tudo isso é normal e que deve assim continuar até o final de 2022. Não é possível que não se desperte para a boçalidade mortal do macabro personagem.

Não é possível que o Brasil continue a descer tão baixo na escala civilizatória, para as profundezas da indignidade e da ignomínia.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 23/05/2021


sexta-feira, 21 de maio de 2021

“ Demos passos decisivos para o Brasil virar um pária econômico’, diz Gustavo Franco - O Globo

Gustavo Franco: entrevista


‘Demos passos decisivos para o Brasil virar um pária econômico’, diz Gustavo Franco

Ex-presidente do BC lança livro e diz que agenda liberal do governo “é um ornamento” e que mercado financeiro e parte do empresariado votam com o bolso

Cássia Almeida e Luciana Rodrigues

21/05/2021 - 04:30 / Atualizado em 21/05/2021 - 12:08

https://oglobo.globo.com/economia/demos-passos-decisivos-para-brasil-virar-um-paria-economico-diz-gustavo-franco-25027059


Ex-presidente do BC lança livro em que discorre sobre as dificuldades de fazer as reformas no Brasil e como o país ficou para trás em relação ao resto do mundo Foto: Ze Paulo Cardeal / .



 RIO — Em seu novo livro “Lições amargas”, que chega às livrarias dia 26, lançado pelo selo História Real da  Intrínseca, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco discorre sobre as dificuldades de fazer as reformas no Brasil e como o país ficou para trás em relação ao resto do mundo. Em entrevista, Franco afirma que o governo Bolsonaro nunca apresentou um projeto econômico, e o mercado financeiro e parte do empresariado que o apoiou “votam com o bolso”.

Para ele, a agenda liberal é “um ornamento” e o Brasil se tornou pária econômico, ao ignorar as relações internacionais e consensos, inclusive quanto ao meio ambiente. Ele diz que, se não surgir uma terceira via nas eleições, o voto nulo será essa via.


A pandemia exigiu esforço fiscal grande. No livro o senhor afirma que, historicamente, o debate no Brasil tem sido marcado por uma negação das restrições orçamentárias. Como lidar com essas restrições no pós-pandemia? 

É uma lição difícil daqui para frente, o reconhecimento da escassez, que não tem solução mágica. Não existe urgência que remova todas as restrições. Às vezes tem um pouco essa mitologia que você pode fabricar papel pintado sem limite, que você resolve qualquer problema, seja uma crise sanitária ou lutar uma guerra ou combater a pobreza, que é só uma questão de vontade política. Desculpa, não é.

E a pandemia foi uma fórmula cruel de restabelecer essa verdade. Não é que você tenha uma pandemia que ficam suspensas as preocupações com o meio ambiente, ou com a responsabilidade fiscal, ou com a democracia.

De algum jeito, esses valores permanentes da sociedade têm que ser preservados qualquer que seja a estratégia para combater uma urgência como a pandemia.  O desafio dos governantes é fazer escolhas inteligentes, e os governantes muito frequentemente perdem o desafio. Isso é o mapa de qualquer crise e a gente está vendo isso aqui no Brasil como em outros países.


O senhor costuma dizer que o brasileiro busca soluções mágicas para a economia. Avalia que a condução do Brasil na pandemia, do ponto de vista científico, também foi uma busca por solução mágica? 

É isso, sim, mas tem o mito da solução mágica. Pensa em termos do xamanismo e da dança da chuva. O xamã diz assim: ‘ah, faz aí a dança da chuva que você vai se curar da peste’. Metade das pessoas vai morrer de qualquer jeito e a metade vai ficar boa.

A metade que ficou boa pensa: poxa, eu fiquei boa porque eu fiz a dança da chuva. Eu fiz essa coisa, ou tomei cloroquina, fiquei bom. Opa! É uma vitória política do xamã. Não que esteja necessariamente desafiando a ciência ou não. A ciência entrou de gaiata na discussão. Estamos vendo o efeito que a mágica pode ter sobre a política. É disso que se trata, no meu modo ver, o assunto cloroquina. É xamanismo.


No livro, o senhor cita o episódio do Ceagesp (quando o presidente Jair Bolsonaro visitou o local e descartou a privatização do entreposto) como o fim simbólico da agenda liberal. O senhor acha que realmente havia uma agenda liberal? Ela foi sepultada? Ou há perspectiva de resgate ainda? 

Esse governo não teve nunca uma agenda sua, não foi eleito em razão de sua agenda econômica que foi sempre um ornamento da proposta eleitoral de Jair Bolsonaro e isso, claro, coloca um desafio para as empresas e todos que acreditam nas reformas econômicas e de orientação liberal em particular. Pelo seguinte, não é o governo dos nossos sonhos, longe disso, mas se não colaborar vai ser pior. Ou seja, os governos nunca são os ideais.

Você olha para Jair Bolsonaro e você olha para Dilma Rousseff não dava para ver nada muito organizado em matéria de agenda econômica, ao contrário. E aí vamos ver o que é possível fazer dentro de situações políticas que não são o ideal. Na verdade, isso é mais a regra do que uma exceção.

O episódio da Ceagesp é particularmente teatral, como uma fórmula de verificar a inconsistência e inaptidão do presidente para lidar com a complexidade dessas agendas liberais. 


O senhor afirmou que se não colaborar vai ser pior. Como fica então se o ministro Paulo Guedes sair?   

Só é possível conjecturar é claro, mas existe alguma coisa mais geral nessa situação, como o mito do Fausto. Tem uma relação fáustica entre o Paulo (Guedes) e o presidente.

É uma ilustração muito mais comum do que parece do relacionamento entre os economistas do governo e os presidentes da ocasião Geralmente, (os presidentes) ficam meios alheios, às vezes até meio hostis à pauta econômica, sempre politicamente penosas. Os presidentes nunca gostam dos temas de reformas econômicas porque você dispende uma energia política gigante. Essa situação do Paulo se observou no governo militar aqui no Brasil, onde economistas que a gente respeita muito hoje em dia, Mario Henrique Simonsen, Roberto Campos, foram ministros de governos militares e foram constantemente questionados pelos colegas: “como é que você pôde trabalhar com um governo que torturava”? Mais de uma vez eu ouvi desses economistas observações do tipo: “olha, seria pior se eu não tivesse lá”. É mais comum do que parece essa situação que a gente está vivendo agora.


É comum, mas o senhor acha eticamente justificável? 

É um assunto que depende da pessoa. E aí, uma coisa é o que você faria, outra coisa é, bom, vamos pedir para o Paulo (Guedes) sair porque não dá para trabalhar com esse presidente. Quem vai sentar no lugar dele? Vai ser o Salles (Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente), o Weintraub (Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação). Então, faça as contas. 


O senhor disse que ficou claro que a agenda liberal era um ornamento. Essa clareza se tinha antes da eleição? Houve uma adesão muito grande do mercado financeiro e de parte do empresariado à candidatura Bolsonaro em 2018. Passados dois anos e meio de governo e episódios como o senhor mencionou, da Ceagesp e a própria pandemia, esses atores ainda apoiam o governo? 

Esses atores, como você definiu, eles votam com o bolso. Não tem nenhuma lealdade a políticos A, B ou C, pode ser Bolsonaro, como pode ser Dilma. A questão é quem vai melhor conduzir as agendas econômicas de interesse dessas pessoas. E essa é a natureza da competição política que nós vamos ter na próxima eleição, como tivemos na anterior.

Na anterior, as ideias liberais tiveram muita importância na disputa, e há uma decepção evidente sobre a execução dessas ideias, que foi enfim, inferior ao que se esperava, e isso vai custar caro, eu creio, a esse presidente ao concorrer à reeleição. Esses atores econômicos vão aparecer no debate eleitoral trazendo seus pleitos de reformas, e os políticos terão que formular diretrizes e políticas para isso e vamos ver quem ganha. 


O senhor diz no livro que a polarização política multiplica a cretinice. A polarização permanece forte e com a entrada do presidente Lula na corrida eleitoral, isso se acirrou. Acho possível surgir um terceiro nome forte? Qual seria?   

Eu torço para que isso aconteça. Hoje não se vislumbra um nome forte. Há vários nomes capazes, a questão é se vão se tornar nomes eleitoralmente fortes e viáveis nos próximos meses. É impossível responder nesse momento. O que é muito claro é o desconforto com a polarização que vai viabilizar a terceira via qualquer que ela seja. A rejeição aos outros dois.  


Como vai ser sua participação na eleição no ano que vem? Na eleição passada, o senhor coordenou o programa econômico do Partido Novo. 

Continuo participando, agora escrevendo livros. Eu gosto do projeto do Novo. Ele agora é ator mais importante do que foi no passado. É uma bancada pequena, porém, competente e combativa. 


 Se não for viável uma terceira via e a eleição for polarizada de novo? De que lado o senhor fica? 

Será uma pena. Porque a terceira via não terá um nome, será o voto nulo. E aí vai ser uma vergonha se o voto nulo ganhar desses dois. Eu quero crer que isso não vai acontecer. 


O senhor votaria nulo? 

São três alternativas, o voto é secreto. 


A pressão internacional sobre o Brasil, principalmente em relação à questão ambiental, tem crescido. O senhor avalia que vai surtir efeito? 

Acho sim, mas quero voltar ao tema das melhores práticas, que invadiu a agenda reformista de tal maneira que padrões internacionais passam a ser importantes para tudo nas negociações internacionais. Outra coisa é o dinheiro de investidores, para usar um conceito bem orgânico ao mercado financeiro, comprometidos com as pautas ESG (ambientais, sociais e de governança).

Os fundos que investem nos países emergentes vão querer que certos princípios de investimento responsável, inclusive os de meio ambiente, sejam obedecidos. Está absolutamente correto, o dinheiro é deles. Se você se considera ofendido por uma intromissão estrangeira nas suas políticas ambientais, ok.

Está ofendido, continua isolado, eles investem em outro lugar. São US$ 103 trilhões de dinheiro que vão ser investidos no mundo conforme critérios ESG.  Estamos vendo, a partir do lado negativo infelizmente, o que é desobedecer a esses consensos e viver as consequências: as multinacionais vão embora, os investidores financeiros vão embora, muitos investimentos não acontecem. E o Brasil fica um pária econômico. 


O senhor acha que o Brasil já é um pária econômico? 

Demos passos decisivos nessa direção. Mas não é irreversível, felizmente. 


O senhor cita no livro o atraso do Brasil na abertura comercial e como isso fez o país estagnar frente a outros países. Como a pandemia afeta esse debate?  

A pandemia é talvez a primeira doença global que a gente tem desde que passamos a usar essa linguagem da globalização. Mais do que nunca, nós somos uma comunidade global, mais do que nunca o outro é importante.  Por que na economia vamos ter isolamento uns dos outros? Não há dúvida que a gente foi muito profundamente para o terreno do isolamento, o que torna a abertura no nosso caso a mãe de todas as reformas. 


O senhor acha inexorável partir para abertura comercial? 

Por que é inexorável? Para começar tem um dado do livro que chama a atenção, um terço do PIB brasileiro é produzido por empresas multinacionais. Já estamos abertos ao mundo, e esse um terço é onde a produtividade é maior, a propensão a exportar é maior. Por que a gente não faz aumentar esse Brasil globalizado?

As empresas globalizadas brasileiras que produzem um terço do PIB empregam menos de 3% da força de trabalho, portanto faz a conta aí do diferencial de produtividade de uma pessoa empregada no segmento internacionalizado do Brasil e no outro segmento isolado nacionalista autossuficiente. É um 7 a 1. Não há contra-argumento contra a ideia que a abertura vai ser bom para o Brasil.  


O senhor citou as multinacionais, mas várias deixaram o Brasil nos últimos meses. 

Estão saindo porque tem 40 anos que a gente não faz a abertura. A empresa que está aqui no Brasil não consegue se comunicar com suas cadeias de valor, com sua própria matriz.  Se não pode fazer isso em escala no Brasil, então é melhor ir para Argentina. É o que está acontecendo, é triste, mais uma lição difícil dos nossos erros dos últimos anos.


Na pandemia, vimos alguns exemplos de nacionalismo econômico. Coreia do Sul e EUA estão criando programas para serem autossuficientes na produção de chips, tivemos o protecionismo com insumos de vacinas. Como vê isso? 

Sim, o primeiro impacto da pandemia na política comercial tem sido ruim, mercantilismo de vacina, o pior deles, mas é onde você vê a tolice do isolamento econômico, a tolice do mercantilismo. O desafio, e por onde eu acho que vai caminhar, é a formação de acordos globais, nos quais os países concordam em não adotar certas condutas como no caso do meio ambiente. No caso sanitário, também.

Hoje, a agenda de reformas, inclusive, se converteu no mundo inteiro numa agenda de melhores práticas. E os tratados internacionais existem para isso e somos parte de um planeta. Pela importância que as pessoas dão ao meio ambiente, saúde, governança, social, qual o problema com as melhores práticas? Nenhum.

Fazer parte do planeta, assinar os tratados, parecia que seria uma tendência desse governo quando, para minha surpresa e de muitos, o Brasil anunciou que ia pleitear ser membro da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne 37 países desenvolvidos), que é uma fórmula diferente de não apenas organizar sua agenda de reformas, como se reinserir no mundo. A OCDE não é um tratado internacional. É algo como 200, 300 tratados internacionais diferentes.

O Brasil já aderiu a mais da metade desses tratados sobre corrupção, meio ambiente, regras contábeis, lavagem de dinheiro. E assim, a gente vai adotando restrições autoimpostas a condutas idiotas.  Aqui, eu achei que ia, mas não foi. De repente, essa postura ficou inconsistente com a política externa do governo Bolsonaro, com as suas idiossincrasias que vimos ontem (terça-feira) na CPI um ministro (Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores) que briga com todo mundo. 


domingo, 9 de maio de 2021

Gustavo Franco: Lições Amargas - novo livro

A primeira, e mais que amarga, lição é a de que, na verdade, não aprendemos nada com as lições passadas, todas desaprendidas: assim foi com o tráfico e a escravidão, a não educação, etc., etc., etc.

maior das “lições amargas” que talvez sejamos obrigados a aceitar de nossa trajetória como nação nas últimas decadas — provavelmente válido para os duzentos anos desde a independência — é justamente o aprendizado de que não aprendemos nenhuma lição com nossas frustrações contínuas em matéria de reformas de nossas mazelas: fazem 200 anos que estamos procrastinando as soluções, primeiro com o tráfico, depois a abolição da escravatura, em seguida a não reforma agrária, a não representação política, a ausência completa de educação republicana, a indiferença para com as desigualdades nacionais, regionais e sobretudo sociais, a não inserção na economia mundial pela manutenção do mercantilismo e do protecionismo, uma casta política que se tornou predatória em relação ao cidadão contribuinte, a irresponsabilidade geral das elites, as velhas e as novas. De fato, amargas lições...

Paulo Roberto de Almeida

Gustavo Franco: Lições Amargas: Uma História Provisória da Atualidade

Edição Português


 Após um ano perdido, de uma década perdida, Gustavo Franco traz um balanço lúcido e provocador da situação do país

Gustavo Franco, economista renomado e um dos formuladores do Plano Real, mobiliza sua conhecida independência intelectual, domínio dos dados e capacidade analítica para refletir não apenas sobre os problemas do país, mas sobre como a nossa forma de pensar a respeito deles vem se transformando, com profundas e imprevistas consequências.

Sob o espectro da pandemia de covid-19, o autor toma as controvérsias que se impuseram ao longo de 2020 e 2021 como ponto de partida para uma análise eclética e inovadora, que abrange desde as razões da estagnação econômica durante o Império até as consequências da adoção do bitcoin e outras moedas digitais. Gustavo disseca também a questão das reformas, sempre presentes na discussão nacional, reconhecidas como necessárias pela maioria dos protagonistas da vida pública, mas que ficam velhas antes mesmo de serem aprovadas. Com lógica implacável, ele demonstra como o próprio conceito de reforma foi cooptado pelo estamento político para a construção de um discurso pretensamente modernizador, mas, na prática, voltado para o adiamento de qualquer mudança que contrarie poderosos interesses. “Tudo parece ter ficado mais agudo e urgente, assim como parece ter reduzido a nossa tolerância com a procrastinação. Ou não?”, ele provoca.

Lições amargas transborda de ideias originais, mercadoria escassa no cenário atual dominado pelo debate raso, dissociado dos fatos, prisioneiro dos dogmas. É menos um livro sobre as nossas dificuldades, e mais sobre a nossa incapacidade secular de enfrentá-las. Com fina ironia e genuína erudição, Gustavo Franco tira lições amargas dos anos de estagnação e da nossa inelutável tendência aos remédios milagrosos, para traçar os caminhos acidentados, porém ainda possíveis, de um reencontro com a nação que desejamos ser.


domingo, 25 de abril de 2021

Negacionismo Fiscal - Gustavo Franco

 

03:18:11 | 25/04/2021 | Economia | O Estado de S. Paulo |

Negacionismo Fiscal

Gustavo H.B. Franco


A palavra está na moda, infelizmente.

Ouve-se negacionismo a todo momento, até demais.

Aconteceu recentemente com outras palavras emproadas como protagonismo, narrativa, ressignificar, empoderar, resiliência, disruptivo, assertivo. Há muitas assim, pegajosas e que subitamente parecem brotar de todas as bocas e não se consegue duas frases sem nelas tropeçar.

São palavras que funcionam como um adereço extravagante, como um cinto ou bolsa que possui uma grife de meio metro, pintada de dourado, e que transforma os usuários em uma propaganda ambulante, e os define pelo seu pertencimento a uma tribo.

Use uma dessas palavras, e as pessoas vão se lembrar de você as pronunciando, sem se dar conta sobre o que você estava falando.

Dentre essas palavras de grife, as que comandam mais respeitabilidade são as que terminam com "ismo", um sufixo geralmente utilizado para designar filosofias, teorias, movimentos artísticos. Quem usa "protagonismo" vira entendido em relações internacionais, e quem fala de "narrativa" se mostra um "insider" em estudos culturais contemporâneos.

Tudo isso não obstante, a ideia de negacionismo descreve com precisão a postura típica de líderes populistas diante de técnicos e experts, incluindo os da medicina convencional, eis que esse tipo de político não admite qualquer mediação em seu relacionamento com o "povo". Para eles, não existe ciência, só narrativa.

O negacionismo é primo-irmão da pseudociência, e por isso mesmo, tal como se passa com os líderes populistas, é muito mais popular do que se pensa. Quem não gosta de uma solução mágica e de uma cura milagrosa? Em geral, as pessoas não acreditam em superstições, mas se divertem em praticá-las, sobretudo se são inofensivas.

Como horóscopo de jornal. Vai que funciona.

Nessa parte do mundo em especial, tendo em vista nosso desapego ao real, à hegemonia da intuição e à desconfiança para com o racional, conforme a descrição de Mario Vargas Llosa, a popularidade da medicina alternativa é gigante. E, se é assim com a medicina, imagine com a economia.

O negacionismo tomou a economia há muitos anos, e apenas agora, com a pandemia e com os absurdos gerados pelo negacionismo médico, é que se percebe a exata estrutura conceitual do charlatanismo. É claro que há negacionismo em todas as outras áreas do conhecimento, talvez mais na economia que em qualquer outra.

Quanto perdemos com a busca de soluções mágicas para problemas econômicos? Um caso em evidência, nessa semana que passou, é a encrenca do Orçamento.

Os detalhes técnicos são menos importantes que atentar para o modo como os representantes do povo fazem as escolhas sociais. São os parlamentares eleitos que devem escolher entre o Bolsa Família e o Bolsa Empresário, ou entre a habitação popular e o submarino nuclear (ou as fragatas da Marinha), ou entre os auxílios emergenciais e as emendas parlamentares paroquiais.

Entretanto, no Brasil, por estranho que pareça, o Parlamento não gosta de escolhas, pois sempre há perdedores.

A melhor escapatória, e de longe a mais comum, consiste em questionar a necessidade de escolher, negandose a reconhecer a existência de qualquer limitação aos recursos existentes.

Só assim é possível ficar com o almoço e com o dinheiro. Muitos parlamentares preferem duvidar da escassez, para não competir entre si ou confrontar seus coleguinhas.

Parece sempre mais cômodo antagonizar o pessoal da área econômica.

Ou mesmo a própria ideia de responsabilidade fiscal. Ou negar a existência de "restrições orçamentárias".

Ou dizer que o ministro esconde o dinheiro.

Não será sempre necessário, conveniente e fotogênico duvidar da escassez e, heroicamente, explorar a possibilidade de realizar todos os sonhos, a despeito das (im)possibilidades? Vai que funciona.

Esse é o negacionismo fiscal, uma doença antiga, fácil de se contrair em Brasília, pois começa com a compulsão em não desagradar ninguém, prossegue com nosso espírito aventureiro (o gosto pela solução mágica) e parece ganhar nova vitalidade com a pandemia.

*

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Plano Real: 26 anos; minha resenha de um dos bons livros, de Guilherme Fiuza - Paulo Roberto de Almeida

Em 2006, assim que saiu este excelente livro do jornalista Guilherme Fiuza, fiz uma resenha e organizei um lançamento em Brasília com a presença do autor. Uma de minhas primeira frases, na resenha abaixo, era esta: 

"Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte."

Por incrível que pareça, o Plano Real deu filme, muitos anos depois, e tive a chance de assistir, o que recomendo, se ainda estiver disponível nas bases de dados cinematográficas, pois é bem feito. Mas, claro, algumas concessões à dramatização são inevitáveis, e todo o filme traz muito ineditismo de um dos principais personagens do Real, Gustavo Franco. Mas vale a pena assistir.

1698. “O Bunker Voador: a aventura eletrizante do Plano Real”, Brasília, 10 dezembro 2006, 4 p. Resenha de Guilherme Fiuza: 3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão (Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3). Publicado no blog Book Reviews em 11.12.2006 (http://praresenhas.blogspot.com/2006/12/88-resenha-3000-dias-no-bunker-de.html). Republicado, com uma inserção publicitária sobre o debate de lançamento em Brasília (em 13/12/06, na Livraria Leitura, do Pátio Brasil Shopping), no blog NoMínimo (12/12/2006). Republicado no blog Diplomatizzando (25/05/2017; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/real-o-livro-de-guilherme-fiuza-antes.html).


Paulo Roberto de Almeida 


Guilherme Fiuza:
3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão
Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3

Como o antigo refrigerante Grapette ou o atual achocolatado Nescau, este livro tem sabor de aventura. Uma aventura que se prolonga no tempo e que ainda não acabou. Marcos Sá Corrêa, na orelha, resume a trajetória do Plano Real: “Começa num governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Itamar Franco. E não acabou ainda em outro governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Lula”. O mesmo jornalista também registra que se trata de um livro de repórter, com nenhuma fórmula e muita intriga: “Tem pouco mercado e muito ringue de luta livre. Nenhuma tabela e rasteira de ponta a ponta”. Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte.
De fato, a reportagem de Guilherme Fiuza se aproxima mais de um roman à clefs do que de uma história linear do Plano Real, ao estilo, por exemplo, da Real História do Real, de Maria Clara do Prado. O jovem jornalista carioca do NoMínimo retraça, em estilo cinematográfico, as diferentes etapas da concepção, implementação e defesa da nova moeda, sem fazer, em nenhum momento, história monetária. São incursões propriamente teatrais aos episódios mais relevantes de um processo que transcendeu, na verdade, a simples introdução de um novo meio circulante no Brasil, para expor, de maneira viva, toda a trajetória macroeconômica do Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma inside story, que se insere numa great history, cujo cenário principal é dado pelo próprio substantivo que fornece o título ao livro: um bunker.
O conceito militar de bunker é, obviamente, o de uma posição ou posto defensivo, não necessariamente fortificado, mas isolado ou protegido dos ataques inimigos pela sua estrutura de aço e concreto, geralmente escondido ou subterrâneo. Meu adjetivo “voador” se deve a que a capa do livro é a de uma planície desolada com o perfil de Brasília ao fundo e um avião solitário num imenso céu em tonalidade ocre. O bunker a que se refere Fiuza foi de fato voador, ou móvel, e é aplicado à pequena equipe de valorosos combatentes da estabilidade macroeconômica que tomou forma a partir da assunção de FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. “Como era uma metáfora”, explica o autor, “o bunker podia ser em qualquer lugar. E durante um bom tempo a equipe de Fernando Henrique trabalhou de forma totalmente subterrânea...” (p. 44).
O grupo se decompôs ao longo do tempo, mas seu legado, inegavelmente positivo, está conosco ainda hoje, sob a forma de uma economia menos esquizofrênica do que aquela que conhecemos ao longo das últimas décadas do século passado. Os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Edmar Bacha, André Lara Resende e Persio Arida, mais o administrador Clovis Carvalho foram os integrantes mais intimamente ligados ao poder político do novo ministro da Fazenda. Eles conceberam, implementaram e defenderam o novo plano de estabilização contra os ataques de vários exércitos inimigos, geralmente políticos fisiológicos, economistas românticos, sindicalistas corporativistas (mas isso é uma redundância) e industriais protecionistas. 
Existem vários outros personagens, evidentemente, que interagiram a diversos títulos e em diferentes momentos com o bunker, dentre os quais poderiam ser citados: Sérgio Besserman Vianna, o “comunista” do BNDES convertido às virtudes de uma economia competitiva; Marcelo de Paiva Abreu, que entrou e saiu do governo Collor logo no primeiro dia, ao descobrir que o seu chefe de gabinete, já designado, era um homem de PC Farias; David Zylbersztajn, outro antigo comunista que aprendeu que o socialismo não funcionava e montou o esquema paulista das privatizações e o modelo federal das agências reguladoras; Murilo “Mãos de Tesoura” Portugal, o homem que fechou o caixa do Tesouro ao apetite voraz de gastadores contumazes; José Serra, que chegou, viu, mas não se convenceu, sobretudo pelo lado cambial; além de vários outros, economistas de passagem ou funcionários da burocracia permanente do Estado.
Ator central nessa trama, além de Pedro Malan – o mais longo ministro econômico da história do Brasil, com exceção de Souza Costa, que serviu à ditadura Vargas –, foi o jovem economista da PUC Gustavo Franco, sucessivamente Secretário Adjunto de Política Econômica, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do BC. Estrategista econômico, articulador das principais medidas que estiveram na base do lançamento da URV, operador prático – e defensor corajoso – da nova moeda, Gustavo Franco representou, por assim dizer, a verdadeira alma do Plano Real, o que está refletido em seus muitos livros de ensaios e crônicas, desde O Plano Real e Outros Ensaios (1995), até o mais recente Crônicas da Convergência (2006), passando por O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (1999), além de várias outras contribuições a livros coletivos ou artigos em periódicos de grande tiragem. 
Ademais de um gosto incomum pela história, para um economista, Gustavo Franco tem um dom também incomum para a polêmica e o debate de idéias, este, infelizmente, muito pouco cultivado no Brasil, reduzindo-se, na maior parte das vezes, a uma troca ácida de acusações entre os contendores. Conhece-se, aliás, no Brasil, a ofensiva invulgar deslanchada pelos economistas ditos desenvolvimentistas contra os fundamentos do plano de estabilização, que foi por eles equiparado a nada menos do que uma operação de rendição ideológica e de submissão prática aos ditames de Washington, aos cânones de neoliberalismo e a não se sabe qual, exatamente, das regras do chamado Consenso de Washington, tão desprezado quanto desconhecido nessas hostes. Fiuza reproduz parte da crítica de uma conhecida professora da USP, marxista, a um artigo de Gustavo Franco sobre as virtudes da abertura comercial para o crescimento econômico: ela parte do “capital mundializado” para condenar o “absoluto domínio do credo liberal”, entre outras bobagens. Franco, em resposta, perguntou apenas por que a professora estava tão zangada: ela “fala da ‘atual etapa do sistema capitalista’ com um verdadeiro nojo, como se estivesse segurando um rato nas mãos” (p. 214). Em outros artigos, ele não deixava de fustigar os “parnasianos” da Unicamp, com sua prosa rebuscada, plena de fetichismos e de financeirização.
Mas, esse é o lado prosaico, digamos assim, do combate diário pela sobrevivência da nova moeda, atacada à direita e à esquerda com igual desenvoltura e inacreditável insensibilidade em relação aos cofres públicos. Havia outros aspectos, preocupantes, da sabotagem, consubstanciada, justamente, na gastança generalizada das estatais e das agências públicas de modo geral. Fiuza relata o caso ocorrido com David Zylbersztajn, levado à direção da Eletropaulo: encontrou um fabuloso contrato com uma empresa de vigilância no qual cada hora de trabalho de um vigilante representava o inacreditável valor de 28 dólares. “O responsável explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa: ‘— Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão’” (p. 170). 
O essencial da reportagem de Fiuza está voltado aos ataques especulativos ao real, no bojo das crises financeiras internacionais. Esses ataques tinham pouco a ver, no entanto, com alienígenas de Wall Street, como gosta de acreditar a esquerda, e sim com os espertos capitalistas nacionais, sempre prontos a arbitrar as pequenas diferenças de cotação no valor da moeda, como resultado das suas próprias operações concertadas. Gustavo Franco, atento ao jogo pesado desses brokers, comandou pessoalmente, das mesas de câmbio do BC, operações defensivas e ofensivas, dobrando o mercado com lances ousados e algumas táticas inesperadas. O real sobreviveu a esses ataques especulativos “clássicos”, mas não foi capaz de resistir a uma operação mais singela, consistindo na suspensão do pagamento, em janeiro de 1999, da dívida estadual de Minas Gerais, determinada pelo então governador, e ex-presidente, Itamar Franco: no espaço de poucos dias as reservas se tinham volatilizado, resultando na saída de Gustavo Franco da direção do BC e na própria mudança do regime cambial. Vários lances dramáticos desses dias estão perfeitamente reconstituídos no livro de Fiuza, numa espécie de crônica dos eventos correntes em tempo real. 
Ainda segundo a orelha, 3.000 dias no bunker foi escrito em três meses, quase sempre de madrugada, às vezes virando a noite. Acredito: eu também passei uma madrugada inteira lendo este livro, sem o largar um minuto, com a boca seca e os olhos piscando, impossível largar. A história é muito importante: ela fala do nosso país, como ele foi reconstruído em sua dignidade monetária, que há muito tinha deixado de existir. E não se trata de história documental, insossa, em economês ou juridiquês: é uma história real do real, feita por homens em carne e osso, idéias e sentimentos, conquistas e frustrações. Uma história que estava esperando ser contada.
Poucos sabem, por exemplo, que a inspiração para a URV foi retirada por Gustavo Franco da experiência do rentenmark, a moeda indexada com a qual o “mago das finanças” Hjalmar Schacht salvou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920. Fiuza conseguiu traduzir muito bem os sentimentos do enfant terrible do BC na concepção, montagem e defesa da nova moeda brasileira. Sua obra, o real, ainda está de pé. Seus inimigos de outrora devem a ele o atual sucesso eleitoral. Uma simples palavra de agradecimento, por essa obra de estadista, não seria descabida. Este livro dá todas as razões para esse beau geste...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 dezembro 2006
1698. “O Bunker Voador: a aventura eletrizante do Plano Real”, Brasília, 10 dezembro 2006, 4 p. Resenha de Guilherme Fiuza: 3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão (Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3). Publicado no blog Book Reviews em 11.12.2006 (http://praresenhas.blogspot.com/2006/12/88-resenha-3000-dias-no-bunker-de.html). Republicado, com uma inserção publicitária sobre o debate de lançamento em Brasília (em 13.12.06, na Livraria Leitura, do Pátio Brasil Shopping), no blog NoMínimo (12.12.2006). Republicado no blog Diplomatizzando(25/05/2017; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/real-o-livro-de-guilherme-fiuza-antes.html). 

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Liberalização cambial no Brasil, prós e contras - Paulo Nogueira Batista Jr., Gustavo Franco

Folha de S. Paulo – O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio? NÃO / Artigo / Paulo Nogueira Batista Júnior

19/10

Paulo Nogueira Batista Júnior
Economista, lançou recentemente o livro ‘O Brasil não cabe no quintal de ninguém’ (ed. LeYa)

Um passo ambicioso para as condições da economia brasileira

Paulo Nogueira Batista Júnior

O projeto de liberalização cambial apresentado ao Congresso é muito ambicioso e chega a ser irrealista, pois não condiz com o estágio de desenvolvimento e a situação da economia do país. O que se propõe é instituir a livre movimentação de capitais, aumentar a conversibilidade do real e facilitar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.

Valendo-se de um artifício costumeiro, o Banco Central mistura essas questões macroeconômicas altamente controvertidas com objetivos válidos como a modernização e a desburocratização do mercado de câmbio. O desafio, entretanto, é alcançar esses objetivos meritórios sem fragilizar a posição internacional brasileira. Não é o que se vê no projeto do governo federal, que conduzirá, se aprovado, ao aumento da vulnerabilidade externa e ao risco de dolarização da economia.

As propostas são apresentadas com o argumento ingênuo de que representam “alinhamento aos melhores padrões internacionais”, tais como os códigos de liberalização de capitais da OCDE. Ignora-se o fato elementar de que regras de política que convêm a países altamente desenvolvidos, como são em sua grande maioria os membros da OCDE, nem sempre são as que convêm a países em desenvolvimento como o Brasil. Ignora-se, também, que as economias emergentes bem-sucedidas são as que disciplinam o movimento de capitais —China, Índia e outras asiáticas. E que muitos países da América Latina, ao se aventurarem prematuramente pelo caminho da liberalização dos movimentos de capital, sofreram episódios de instabilidade econômica que terminaram por abortar o seu desenvolvimento.

As condições da economia brasileira estão longe de permitir passos tão ambiciosos. A situação fiscal é sabidamente problemática, ainda que não seja catastrófica, como frequentemente se afirma.

A dívida pública tem crescido como proporção do PIB, e grande parte da dívida interna é de prazo curto. Mesmo as contas externas, invocadas para argumentar que a liberalização não ofereceria riscos, não são tão invulneráveis quanto se imagina. O déficit do balanço de pagamento em conta corrente é relativamente baixo, mas tenderá a aumentar quando a economia se recuperar.

As reservas internacionais são altas, mas o Brasil não dispõe de um grande volume de reservas excedentes. Em termos de M2, agregado monetário usado como proxy para fuga potencial de capitais, as reservas brasileiras são baixas quando comparadas às de outros países emergentes.

Vale notar que o discurso das autoridades econômicas tem sido espantosamente incongruente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive repetindo que o Estado brasileiro “quebrou”, “entrou em colapso”, “está insolvente”. Ao mesmo tempo, o presidente do Banco Central propõe medidas ambiciosas de liberalização cambial e chega a afirmar que gostaria de ver a conversibilidade implementada em um prazo de dois a três anos.

A proposta de ampliar a possibilidade —hoje restrita a segmentos específicos— de pessoas físicas e jurídicas abrirem contas em moedas estrangeiras dentro do país é outra ideia infeliz. Sempre houve resistência no Brasil a seguir esse caminho, que desembocou em elevada dolarização dos sistemas financeiros na América Latina e em outras regiões do mundo.

O que o Banco Central pretende com o projeto de lei é obter carta branca para aumentar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil, prometendo conduzir o processo de forma “gradual e prudente”. A promessa deve ser recebida com cautela pelos parlamentares. Não é recomendável que um assunto dessa importância seja decidido em circuito fechado por um grupo de tecnocratas e financistas alojados na direção do Banco Central e no Conselho Monetário Nacional.


Gustavo Franco

Ex-presidente do Banco Central (1997-99) e um dos formuladores do Plano Real, é doutor em economia pela Universidade Harvard e fundador da Rio Bravo Investimentos

Ideias mudaram após 25 anos de reservas e de moeda estável

Gustavo Franco
Tudo o que o Banco Central almeja com a iniciativa é correto e meritório, como se lê em seu website: “favorecer o ambiente de negócios, particularmente o comércio exterior e a atratividade dos investimentos estrangeiros, maior desenvolvimento aos mercados financeiro e de capitais”.

Quem é contra essa pauta, é ruim da cabeça ou doente do pé. Acho, todavia, que a maior parte do trabalho de liberalização cambial já estava praticamente completo em 2006 (lei 11.371, assinada pela trinca neoliberal Lula-Mantega-Meirelles) quando foi alterada uma lei de 1933 que obrigava os exportadores a internalizarem as divisas que produziam.

Logo antes tinha havido a unificação dos mercados de câmbio (comercial e flutuante, e isso não precisou de lei), e na ocasião os dirigentes do Banco Central circulavam com uma apresentação power point que, no slide 18, dizia “tudo é permitido (desde que haja identificação)”. Tempos heroicos.

O histórico detalhado desse percurso está nos capítulos 3 e 4 do meu livro, “A Moeda e a Lei” (ed. Zahar). Hoje em dia, a televisão não dá mais a cotação do paralelo, mas até na novela tem merchandising —ou impulsionamento de conceitos. Pois, então, temos aqui uma pequena recomendação de leitura.

Bem, desde os anos 1990 vínhamos enfrentando um problema estético: as disposições legais sobre moeda estrangeira estavam dispersas em muitas leis, de várias safras, algumas bem antigas. Nada que prejudicasse a vigência de uma regulamentação cambial consistente com a globalização, que se fazia no nível “infralegal”, como dizem os advogados.

Era um problema de estética legislativa, não de segurança jurídica. Lembrem-se que existem medidas provisórias, e que tudo que for revogado agora poderá voltar de um dia para outro em uma canetada. Pois bem, um projeto de consolidação já tramitava no Congresso desde meados dos anos 1990, ao menos, mas não era a única ideia circulando sobre esse tema.

Lembro bem do ex-senador Mauro Benevides (CE), pai do atual deputado de mesmo nome e assessor econômico de Ciro Gomes durante a campanha de 2017. Ele, o pai, tinha um projeto cujo título era “o estatuto do capital estrangeiro”. O objetivo era a reforma da lei 4.131/62 (que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas para o exterior), mas numa direção imensamente mais restritiva, o contrário do que pretendíamos.

O Banco Central nunca quis apoiar o projeto do simpático senador Benevides, nem nada parecido, ou sobre o mesmo tema, e a razão era explicada por uma fala bem-humorada do próprio senador, sempre lembrada no BC: “Se vocês não gostarem do meu projeto, mandem o de vocês. O relator serei eu mesmo, a gente combina o produto final”, dizia Benevides.

Na nossa percepção, a intersecção entre as ambições liberalizantes do BC, que continuam as mesmas, e as do senador, eram inexistentes.

O problema hoje não é o projeto do BC —que é bom e se parece com minutas que eu vi circular nos anos 1990—, mas com o substitutivo do relator, que vamos conhecer em meses. Se tudo der certo, não haverá retrocesso.

Depois de um quarto de século de moeda estável e de muitas reservas cambiais, as ideias sobre câmbio progrediram. Muitos preconceitos arraigados sobre assuntos cambiais se tornaram obsoletos. Ou não. Tomara que sim, mas temo que não.

Acharia mais prudente deixar que o tempo continuasse a operar a sua mágica e não correria tantos riscos por conta da introdução de contas em dólares para pessoas físicas. Na época da inflação era assunto explosivo e desestabilizador. Hoje, me parece assunto velho e inútil, como o limite de US$ 500 para quem viaja, que está parado há muitos anos (não confundir com compras free shop, outro assunto velho).